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CONTOS DO CONTINENTE
AFRICANO

NOTA DO SITE:

É muito difícil identificar de onde uma história popular se originou.

A divisão por continentes, países e regiões é para dar uma ideia da disseminação geográfica das narrativas.

A MENINA QUE VIROU CORUJA

 

Era uma vez uma menina que se chamava Gerarda. Era uma menina  terrível, implicava com todo mundo, maltratava os animais, troçava dos mais velhos e era o diabo em figura de gente. Um dia, ela estava sentada na porta da casa onde morava, quando foi passando uma velhinha conhecida por ter poderes. Todo mundo sabia que ela era bruxa e todos daquele lugar tinham um grande medo e respeito por ela. Mas a danada da Gerarda não perdeu tempo, correu atrás da velhinha e começou a gritar:

 

- Velha bruxa! Coruja do inferno, o que foi que você veio fazer aqui?

 

A velha, indignada com a menina, respondeu:

 

- Sai daqui, menina do diabo! Você vai crescer, vai ter filhos, vai ficar velha também e vai sofrer pra você saber como é bom fazer os outros sofrerem. E um dos seus filhos vai virar coruja para você aprender a respeitar os outros!

 

Mas Gerarda nem ligou e continuou a xingar:

 

- Velha bruxa! Coruja do inferno, o que foi que você veio fazer aqui?

 

Deixa estar que o tempo passou.

Gerarda cresceu, ficou moça bonita e se casou com um rapaz que tinha uma roça. Os dois trabalhavam muito nessa roça. O casal teve duas filhas. A mais velha chamava Lalu e a mais novinha chamava Besebé. Quando a mais velha tinha doze anos e a caçula apenas sete meses aconteceu uma tragédia: o marido de Gerarda morreu picado por uma cobra venenosa quando trabalhava na roça. Gerarda sofreu muito, mas continuou a trabalhar para criar as filhas e a vida seguiu.

Gerarda gostava muito de comer Amalá que é um caruru de quiabos. Um dia, ela foi para a roça de manhã, bem cedinho, deixando em casa um bocado de quiabos prontos para fazer seu caruru quando voltasse na hora do almoço. Aconteceu que ela demorou muito e Lalu, que estava com muita fome, resolveu fazer o caruru. Os quiabos estavam na cozinha, mas a menina não encontrou carne. Ela não teve dúvida: pegou Besebé e matou. Depois temperou, cortou em pedacinhos e colocou na panela para cozinhar junto com os quiabos. Em seguida, temperou com sal e azeite de dendê.

Quando o caruru estava pronto, ela comeu e deixou o resto para sua mãe comer. Horas depois, Gerarda chegou morta de cansada, com fome e pensando que ainda ia ter que fazer comida. Foi quando Lalu disse:

 

- Mamãe, já cozinhei o caruru e já comi! A comida da senhora está na panela.

 

Gerarda, mais que depressa, correu para a panela, se serviu de um bocado de caruru, comeu de lamber os beiços e fico por ali descansando. Depois que ela descansou bem, notou que Besebé estava muito quieta e foi espiar. Quando ela chegou na porta do quarto e não viu a menina, chamou Lalu e perguntou:

 

- Cadê Besebé, minha filha? Onde é que ela está?

 

Lalu, correndo pela porta da rua, disse:

 

- Eu botei no caruru, pra senhora comer.

 

Gerarda, com as mãos na cabeça, alucinada, correu atrás de Lalu. Mas a menina correu rápido e desapareceu no mundo. A mulher ficou doente e sentindo remorso de todas as coisas terríveis que já tinha praticado na sua vida. Mas o tempo cura tudo e Gerarda seguiu resignada pela vida.

Lalú ficou à toa pelas ruas até que encontrou Ogun, que a levou para casa, para que a menina cuidasse das suas roupas e ferramentas. Lalu, depois que chegou na casa de Ogun, começou a abusar, dando e vendendo tudo que tinha na casa. Um dia, Ogun tinha que fazer uma viagem,chamou Lalu e perguntou sobre suas coisas. Lalu saiu pela rua gritando como doida:

 

- Vendi todas as suas roupas e ferramentas!

 

Assim ela passou pela casa de quase todos os orixás e fazia sempre a mesma coisa.

Por fim ela chegou na casa de um velhinho, que estava todo enrolado com panos bem alvos, se aquecendo ao fogo. Quando Lalu viu o velhinho pensou consigo mesma:

 

- Aqui deve ter pouco trabalho! Está bom pra mim!

 

Depois ela perguntou ao velhinho como ele se chamava. Ele disse que o seu nome era Oxalá e convidou Lalu para tomar conta de sua casa. E a menina terminou fazendo a mesma coisa que já tinha feito na casa dos outros orixás.

Só que dessa vez foi diferente. Quando ela saiu pela porta gritando como doida, Oxalá lhe jogou uma maldição:

 

- Lalu, de agora em diante você será uma coruja e só terá direito de vagar pela noite!

 

Imediatamente, Lalu se transformou em uma coruja. Na primeira noite, ela pousou justamente no telhado da casa de Gerarda e começou a cantar um pio triste. Dentro da casa, a mulher reconheceu a voz da filha e se lembrou da praga que a bruxa havia lhe rogado. Gerarda teve um ataque de tristeza e morreu.

E a coruja ficou, eternamente, vagando pela noite.

Adaptação de Augusto Pessôa

CONTO AFRICANO

 

 

 

ANANSE E O BOM SENSO

 

Um dia Ananse concluiu que, se conseguisse reunir todo o bom senso do mundo numa cabaça, ficaria rico.

 

- Sim! Guardando comigo todo o bom senso do mundo, muitas pessoas virão me procurar em busca de conselhos para resolverem seus problemas. Então vou cobrar bem caro por eles. Vou ficar rico!

 

Saiu com uma enorme cabaça, recolhendo todo bom senso que encontrava. Quando a cabaça estava cheia, ele resolveu pendurar o pote numa árvore bem alta para que ninguém pudesse pegar. Ele amarrou uma corda em volta do gargalo da cabaça e deu um nó nas duas pontas da corda. Pendurou-a em seu pescoço, junto à barriga, e começou a subir na árvore. Mas a situação ficou complicada. A cabaça balançava para lá e para cá, dificultando a subida. Foi quando Ananse ouviu uma risada que vinha lá de baixo. Ele se virou e viu um garotinho que olhava para cima e se dobrava de tanto rir enquanto dizia:

 

- Que bobo! Por que não coloca a cabaça nas costas?

 

Ao ouvir palavras tão sensatas, vindas da boca de um simples menino, percebeu a bobagem que estava fazendo. Ananse atirou a cabaça no chão e ela se quebrou em mil pedacinhos.

O vento soprou espalhando bom senso pelos quatro cantos do mundo.

Foi assim que cada pessoa ficou com um pouquinho. Uns mais e outros menos.

 

Conto Popular de Gana

Adaptação de Augusto Pessôa

ANANSE E O BAÚ DE HISTÓRIAS

 

Houve um tempo em que na Terra não tinha nenhuma história para se contar. Todas pertenciam a Nyame, o Deus do Céu. Kwaku Ananse, o homem aranha, queria comprar as histórias de Nyame, o deus do Céu, para contar ao povo de sua aldeia. Então, ele teceu uma teia de prata que ia da terra até o céu.

Quando Nyame ouviu Ananse, aquele homem velho e magro, dizer que queria comprar suas histórias, ele riu muito e falou:

 

- O preço das minhas histórias, Ananse, é que você me traga Osebo, o leopardo com dentes terríveis; Mnboro, os marimbondos que picam como o fogo e Moatia, a fada que nenhum homem jamais viu!

Ananse deu um sorriso e respondeu:


- Pagarei seu preço com prazer!


Ananse desceu por sua teia de prata, que ia do Céu até o chão, para pegar as coisas que o Deus do Céu exigia. Ele correu por toda a selva, até que encontrou Osebo, o leopardo de dentes terríveis. E o leopardo falou:


- Ah, Ananse! Você chegou na hora certa para ser o meu almoço!

- O que tiver de ser, será! - disse Ananse - Mas primeiro vamos brincar de amarra - amarra?


O leopardo que adorava jogos, logo se interessou:


- Como se joga este jogo?

- Com cipós! Eu amarro você pelo pé com o cipó... depois desamarro! Aí,... é a sua vez de me amarrar! Ganha quem amarrar e desamarrar mais depressa. - disse Ananse.

- Muito bem! - rosnou o leopardo, que planejava devorar o Homem Aranha assim que o amarrasse.

Ananse, então, amarrou Osebo pelo pé. Depois, ágil como o homem aranha, foi amarrando todos os pés do leopardo. Quando ele estava bem preso, pendurou-o amarrado a uma árvore
, dizendo:


- Agora Osebo, você está pronto para encontrar Nyame, o Deus do Céu!


Aí, Ananse cortou uma folha de bananeira, encheu uma cabaça com água e atravessou o mato alto até a casa de Mmboro. Lá chegando, colocou a folha de bananeira sobre sua cabeça, derramou um pouco de água sobre si, e o resto sobre a casa de Mmboro, dizendo:


- Está chovendo... chovendo... chovendo... vocês não gostariam de entrar na minha cabaça, para que a chuva não estrague suas asas?

- Muito obrigado! Muito obrigado! - zumbiram os marimbondos entrando para dentro da cabaça que Ananse tampou rapidamente.


O Homem Aranha, então, pendurou a cabaça na árvore junto a Osebo dizendo:


- Agora Mmboro, você está pronto para encontrar Nyame, o Deus do Céu!!


Depois, ele esculpiu uma boneca de madeira, cobriu-a de cola da cabeça aos pés, e colocou-a aos pés de um flamboyant onde as fadas costumam dançar. À sua frente, colocou uma tigela de inhame assado, amarrou a ponta de um cipó na cabeça da boneca e foi se esconder atrás de um arbusto próximo. Ficou segurando a outra ponta do cipó e esperou. Não demorou muito e chegou Moatia, a fada que nenhum homem viu. Ela veio dançando, dançando, dançando, como só as fadas africanas sabem dançar, até aos pés do flamboyant. Lá, ela avistou a boneca e a tigela de inhame.


- Bebê de borracha, estou com tanta fome. Poderia dar-me um pouco de seu inhame?


Ananse puxou a sua ponta do cipó para que parecesse que a boneca dizia sim com a cabeça. A fada, então, comeu tudo, depois agradeceu:


- Muito obrigada, bebê de borracha.


Mas a boneca nada respondeu. A fada, então, ameaçou:


- Bebê de borracha, se você não me responde, eu vou te bater!


E como a boneca continuasse parada, deu-lhe um tapa ficando com sua mão presa na sua bochecha cheia de cola. Mais irritada ainda, a fada ameaçou de novo:


- Bebê de borracha, se você não me responde, eu vou lhe dar outro tapa.


E como a boneca continuasse parada, deu-lhe um tapa ficando com as duas mãos presas. Mais irritada ainda, a fada tentou livrar-se com os pés, mas eles também ficaram presos. Ananse então, saiu de trás do arbusto, carregou a fada até a árvore onde estavam Osebo e Mmboro, dizendo:


- Agora Mmoatia, você está pronta para encontrar Nyame, o Deus do Céu!


Depois, ele teceu uma imensa teia de prata em volta do leopardo, dos marimbondos e da fada, e uma outra que ia do chão até o Céu e por ela subiu carregando seus tesouros até os pés do trono de Nyame. O Deus do Céu ficou maravilhado e chamou todos de sua corte dizendo:

- O pequeno Ananse trouxe o preço que peço por minhas histórias! De hoje em diante, e para sempre, elas pertencem a Ananse e serão chamadas de histórias do Homem Aranha! Cantem em seu louvor!

Ananse, maravilhado, desceu, por sua teia de prata, levando consigo o baú das histórias até o povo de sua aldeia. Quando ele abriu o baú, as histórias se espalharam pelos quatro cantos do mundo e são contadas até hoje.

Adaptação de Augusto Pessôa

CONTO POPULAR AFRICANO

AS QUATRO BOLAS

Era uma vez um homem que tinha quatro filhos. Quando os filhos já estavam crescidos, em plena adolescência, fortes e sadios, o pai começou a ficar cheio de inquietações e incertezas.

Notou que cada filho tinha um jeito e um temperamento muito diferente dos outros. O mais velho era caladão, sem ânimo para trabalhar, sempre tímido e preguiçoso para as coisas mais belas da vida. O segundo era cheio de manias, teimoso e quando se agarrava a uma ideia, não a deixava. O terceiro era inteligente, hábil e trabalhador. Esforçava-se por prosperar na vida. O quarto era violento, impulsivo e desonesto. Queria tudo para si e nada para os outros.

Impressionado com aquela inexplicável diferença de temperamentos entre seus filhos, o homem foi procurar um sábio eremita e consultou-o:

 

- Tenho quatro filhos, senhor. Foram por mim educados da mesma forma, com exemplos idênticos e orientados por iguais ensinamentos. Eu e minha esposa tratamos os nossos filhos com bondade e mostrando tudo que pode ser bom num ser humano. E agora que estão crescidos, prontos para a vida, o que vejo? Cada um deles tem um temperamento, um caráter, um gênio. Um é preguiçoso e caladão. Não gosta de trabalhar. Outro é teimoso e cheio de manias. O terceiro deseja prosperar e auxiliar seus amigos. E o último é violento e desonesto. Como se explica isso, sábio eremita? Como se explica essa diferença entre pessoas que foram criadas do mesmo jeito?

 

O sábio levou o homem a uma sala ampla de paredes cor de barro. Havia nessa sala apenas uma mesa quadrada de ferro muito simples. Sobre a mesa estavam colocadas quatro bolas escuras. O sábio eremita colocou a mão no ombro do homem e assim falou com voz tranquila:

 

- Meu amigo, está vendo aquelas quatro bolas? Repare bem. Observe com atenção. São rigorosamente iguais na forma, no tamanho e na cor. Tem alguma dúvida? Todas as quatro tem o mesmo peso. As quatro bolas parecem perfeitamente iguais. Não acha?

 

O velho pai, depois de segurar as quatro bolas com as mãos, concordou:

 

- Sim! Poderia jurar que estas quatro bolas são iguais.

 

E o sábio continuou:

 

- Pois bem as aparências enganam. Enganam até os mais atentos e os mais cuidadosos. Atire uma a uma, com a mesma força, com o mesmo impulso, as quatro bolas de encontro aquela parede.

 

Sem entender direito o pai atirou a primeira bola. Esta, com o choque, se achatou, se esborrachou e caiu sem forma. O homem pegou a segunda bola e arremessou-a também. Exatamente como fizera com a primeira. A segunda bola, ao chocar-se com a parede, ficou pregada no lugar em que havia batido e dali não se desprendeu mais. Com a terceira bola aconteceu diferente. Ao ser lançada, como as anteriores, bateu na parede e saltou de novo, perfeita, como se fosse movida por mola. A quarta e última bola, atirada à parede, deu um estalo forte e quebrou-se em vários pedaços que saltaram para todos os lados. O velho pai continuava sem entender nada e o sábio explicou:

 

- Essas quatro bolas são precisamente como os filhos do mesmo pai. Parecem iguais, deviam ser idênticos, mas cada um deles tem um caráter, um temperamento. A primeira bola, que bateu na parede e caiu como se perdesse a forma, é o filho inútil e preguiçoso. A segunda bola que ficou agarrada à parede, representa o filho teimoso que não quer obedecer a ninguém. A terceira bola é o filho prestativo e bom que salta radiante para voltar às mãos do pai e servir de novo. E a quarta e última bola é a imagem do violento, impulsivo e agressivo. As pessoas são diferentes mesmo sendo criadas do mesmo jeito e no mesmo lugar. Assim é a vida. E essa verdade deve ser a que fica em seu coração.

 

O velho pai compreendeu. E assim acabou a história.

 

Adaptação de Augusto Pessôa

 

 

CONTO DA MULHER QUE TINHA UMA FILHA 

FABRICANTE DE AZEITE-DE-DENDÊ

Uma menina muito bondosa terminou de preparar seu azeite, arrumou todos os seus negócios em casa e foi até a feira vender o azeite, onde ficou até escurecer.

Quando chegou a noite, apareceu um Velho. Ele comprou azeite e pagou com alguns cobres. A menina contou os cobres e viu que estava faltando um. Ela pediu ao Velho que completasse o valor. O Velho respondeu que não tinha mais cobres. Então a menina começou a chorar dizendo:

 

- Não posso voltar para casa com cobres a menos, pois minha mãe ficará zangada.

 

O Velho foi-se e a menina seguiu-o.

 

- Vai embora, menina, pois ninguém pode entrar no país onde eu moro - falou o Velho quando viu que a menina o seguia.

- Não - disse a menina - eu vou até onde você for e só voltarei quando pagar o meu cobre.

 

Então seguiram. Caminharam muito até que chegaram à margem do riacho. Aí, o Velho disse:

 

- Menina vendedora de azeite-dendê, agora você deve voltar.

- Só voltarei quando receber o meu cobre.

- Cedo este rastro de sangue no rio desaparecerá e você deve voltar - replicou o Velho.

- Não voltarei.

- Está vendo aquela floresta escura?

- Estou, mas não voltarei.

- Está vendo aquela montanha pedregosa?

- Estou, mas não voltarei sem receber o meu cobre.

 

Daí, andaram por um caminho comprido, até que chegaram na terra dos Mortos. O Velho deu alguns cocos de dendê para a menina fazer azeite e disse:

 

- Coma o azeite e me dê à casca.

 

Quando o azeite ficou pronto, ela comeu a casca e deu o azeite para o Velho. O Velho deu uma banana e disse:

 

- Coma a banana e me dê à casca.

 

A menina comeu a casca e deu a banana para o Velho comer. Então, disse o Velho:

 

- Está vendo aquele monte de cabacinhas? Apanhe três daquelas cabacinhas. Não tire das que pedirem, e sim das que ficarem caladas e volte para sua casa. Quando estiver no meio do caminho, quebre uma cabaça. Na porta de sua casa, quebre mais uma e a última, quando você estiver dentro de casa. Entendeu?

- Muito bem! Farei exatamente com o senhor falou! - disse a menina.

 

A menina apanhou suas cabacinhas como o Velho ensinou e voltou para casa.

No meio do caminho quebrou a primeira cabacinha e apareceram muitos escravos e cavalos que lhe seguiram. Quando estava à porta de casa, quebrou a outra e logo apareceram carneiros, cabras, bois e muitas aves que a seguiram. Chegando dentro de casa quebrou a última. De repente, a casa ficou cheia de cobre, prata e ouro por tudo quanto foi canto.

A mãe da menina, com toda aquela riqueza, resolveu dar para sua vizinha, vinte panos da costa, muitas voltas de contas e vinte animais de cada espécie que a menina ganhou no presente.

Esta senhora era muito invejosa e tinha uma filha mais invejosa ainda, e, sabendo como a filha da outra tinha recebido os presentes, fez azeite-dendê e deu para sua filha vender na feira. Explicou a filha que ela deveria fazer o mesmo que a filha da vizinha.

A menina foi e o Velho apareceu comprando azeite, pagando com o número certo de cobres. A menina invejosa escondeu um e ficou dizendo não ter recebido todos os cobres.

 

- O que eu posso fazer? - perguntou o Velho - Não tenho mais cobre.

- Eu vou até sua casa e lá você me paga?

- Está certo – respondeu o Velho.

 

Quando estavam caminhando, o Velho começou a dizer o que tinha dito para a outra menina.

 

- Jovem vendedora de azeite-dendê, agora deve voltar para sua casa.

- Não voltarei - disse a menina.

- Então vamos adiante - respondeu o Velho.

 

E seguiram até a terra dos Mortos. O Velho deu cocos de dendê para fazer azeite e disse:

 

- Coma o azeite e me traga a casca.

 

A menina assim fez e o Velho disse:

 

- Muito bem.

 

Deu a banana. A menina comeu a banana e devolveu a casca.

Então, o Velho disse:

 

- Esta vendo aquele monte de cabacinhas? Vá, tire três cabacinhas, mas só tira das que estiverem caladas. Das que pedirem para ser tiradas, você não tira.

 

A menina fez o contrário e tirou as que pediram para ser tiradas.

O Velho então disse:

 

- No meio do caminho, você quebra uma cabaça. Na porta de sua casa, quebra mais uma. E dentro de sua casa quebre a última.

No meio do caminho, ela quebrou a primeira cabacinha. Apareceu uma porção de cachorros correndo atrás dela e dando-lhe dentadas. Já exausta, ela chegou à porta da casa, quebrou a outra cabacinha, e saíram leões ferozes, que caíram em cima dela mordendo e rasgando seu vestido. Quando ela quis entrar, a porta estava fechada e não tinha pessoa nenhuma em casa, pois até a mãe dela estava na rua. Na porta mesmo a menina foi morta pelos animais que lhe acompanhavam. Ela nem conseguiu abrir a terceira cabaça.

É assim que acontece com as pessoas que são invejosas.

 

CONTO AFRO-BRASILEIRO

CARNE DE LÍNGUA

 

Conto Popular do Quênia

 

Era uma vez um rei apaixonado por sua rainha. Ela era gordinha e com as bochechas coradas. O tempo passava de forma gostosa. Mas começou a acontecer uma coisa estranha: a rainha ficou misteriosamente doente. Magrinha e com as bochechas descoradas. Ninguém sabia por que a rainha estava assim doente.

Como era muito rico e poderoso, o rei mandou chamar os melhores médicos do mundo. Eles examinaram a enferma, mas não descobriram a causa da doença. O rei, então, mandou chamar os mais poderosos curandeiros. Eles prepararam poções e magias. Mas também não adiantou nada. A rainha emagrecia diariamente. O rei estava desesperado e falou:

 

- Eu mesmo vou encontrar a cura para a doença da minha rainha.


E lá foi ele pelo seu reino, mas não encontrava nada. Até que passou por uma casa de onde vinham gostosas risadas. O rei se aproximou e olhou para dentro da casa por uma janela. Lá dentro ele viu um casal de camponeses. O camponês mexia os lábios e a camponesa, que era gordinha e corada, não parava de gargalhar. Os olhos dela estavam cheios de felicidade. 

O rei começou a pensar e bateu à porta da cabana. O camponês foi atender e levou um susto vendo o monarca na sua porta:


- Majestade! O que o rei, meu senhor, deseja na minha humilde casa?

 

O rei respondeu:

 

- Quero saber o que você faz para sua mulher ser tão feliz e saudável?

 

O homem deu um sorriso:

 

- Muito simples, rei, meu senhor! Alimento a minha mulher todos os dias com carne de língua!

 

O rei achou aquilo estranho. Agradeceu ao camponês e foi correndo de volta para o castelo. Chegando lá, mandou chamar imediatamente o cozinheiro real:


- Cozinheiro, prepare já um imenso sopão com carne de língua de tudo que é bicho que você encontrar!

 

O cozinheiro chamou os caçadores do reino. Depois de um tempo, ele tinha nas mãos línguas de bichos variados: de cachorro, gato, rato, jacaré, elefante, tigre, girafa, lagartixa, tartaruga, vaca, ovelha, zebra, hipopótamo, sapo, coelho… Até língua de formiga! O cozinheiro preparou o sopão e entregou aquele caldo grosso ao rei. O próprio monarca foi alimentar a rainha com carne de língua. Mas a rainha não melhorou. Pelo contrário, piorava a olhos vistos.

Desesperado o rei teve uma ideia: mandou a rainha para a casa do camponês e trouxe a camponesa para o castelo. A troca foi feita. Passou um tempo e a camponesa começou a ficar doente. Emagreceu e ficou pálida. Sem saber o que fazer, o rei resolveu visitar sua rainha na casa do camponês. Ao chegar lá, olhou pela janela e viu que a rainha estava gordinha, corada e gargalhava como nunca se vira antes. O rei bateu à porta e o camponês foi atender:


- Rei, meu senhor, o que deseja?

- Camponês, o que está acontecendo? A sua esposa está doente no meu castelo e a minha rainha está toda feliz e saudável aqui na nossa frente.

 

Sem entender o camponês perguntou:

 

- O que o rei, meu senhor, fez?

 

E o rei respondeu:

 

- Fiz exatamente o que você mandou. Dei um sopão de carne de língua de um monte de bichos. Mas não adiantou nada!

 

O homem do campo riu:


- O rei, meu senhor, não entendeu! A carne de língua que eu dava para minha mulher e agora dou para a rainha são as histórias contadas pela minha língua.

 

O rei entendeu o que era para fazer. Levou sua esposa para o castelo e mandou a camponesa de volta para casa. E passou a contar muitas histórias para a rainha que voltou a ser gordinha e corada.

Os quenianos ensinaram um segredo: As histórias fazem muito bem para as mulheres, para os homens, para as crianças, para os jovens, para os velhos e para todo mundo! Até mesmo para os reis. 

 

Conto Popular do Quênia

Adaptação de Augusto Pessôa

CRIAÇÃO DO MUNDO

No princípio, o Deus Niame criou o Sol e a Lua dando a eles a forma de cântaros. O Sol era branco e quente, rodeado por oito anéis de cobre vermelho que o faziam brilhar intensamente. A Lua tinha anéis de cobre branco e um brilho de prata. As estrelas nasceram de pedras brilhantes que Deus atirou para o espaço. Para criar a Terra, Niame espremeu um pedaço de barro e como fez com as estrelas, arremessou-o para o espaço. O barro bateu no universo e se achatou. Ficou com o Norte no topo e o restante espalhado em diferentes regiões, igual ao corpo humano quando está deitado de cara para cima.

E Niame continuou a moldar o barro e deu forma a todas as coisas. Igual as mulheres quando confeccionam potes de barro. Colocou os objetos lado a lado, construiu tudo o que existe, como faz o homem que constrói a casa: criou os animais, as plantas, os rios, os mares e tudo que existe no mundo.

Como o Niame vive no céu, preocupou se em criar a chuva, sem a qual os homens não podem viver. Quando a chuva começa a cair, a sensação agradável que ela traz fez os homens dizerem:

 

- Foi Deus que amaciou o dia.

 

Niame ficou feliz e criou o arco-íris.

Assim foi criado o mundo.

Adaptação de Augusto Pessôa

 

 

 

O LOBO, O CHACAL E O BARRIL DE MANTEIGA

Conto Popular da África do Sul

 

O chacal é muito esperto. Um dia ele e o grande lobo andavam por uma estrada. O chacal convenceu o grandalhão a comprarem um barril de manteiga. Depois, eles resolveram esconder o barril no capim alto. E o chacal falou:

 

- Vamos descansar e depois poderemos saborear essa gostosura!

 

Os dois foram se deitar. Quando o lobo já dormia a sono solto, o chacal se levantou e correu até o capim alto. Comeu toda a sua parte da manteiga e voltou para se deitar. Mas quando ele chegou, o lobo abriu os olhos e perguntou:

 

- Onde você foi?

 

E o espertalhão respondeu:

 

- Você não imagina o sonho que eu tive: sonhei que tive um filho e tinha que fazer uma grande festa de batizado! E o sonho era tão real que eu levantei e foi correndo fazer a festa!

- E você conseguiu fazer a festa? - quis saber o lobo.

- Que nada! Mas eu sei o nome do meu filho!

- E qual é?

- O menino chama: “UM-BOM-COMEÇO”! Não é estranho?

- Muito!

- Mas é coisa de sonho! Vamos dormir que é melhor!

           

Então eles se deitaram e voltaram a dormir. Em pouco tempo o chacal se levantou e correu até o capim alto. Comeu um pedaço da parte do lobo e voltou para se deitar. Mas quando ele chegou, o lobo abriu os olhos novamente e perguntou:

 

- Você saiu de novo? Pra onde você foi?

 

E o chacal respondeu:

 

- Amigo, tive o sonho de novo! Sonhei que tive outro filho e tinha que fazer uma grande festa de batizado! E o sonho era tão real que eu levantei e foi correndo fazer a festa!

- E você conseguiu fazer a festa dessa vez? - quis saber o lobo.

- Que nada! Mas eu sei o nome do meu segundo filho!

- E qual é?

- O menino chama: “COMI-UMA PARTE”! Não é estranho?

- Muito!

- Mas é coisa de sonho! Vamos dormir que é melhor!

           

Então eles se deitaram e voltaram a dormir. Em pouco tempo, o chacal se levantou e correu ao capim alto. Comeu quase toda a manteiga do barril deixando só um pouquinho. Tirou esse pequeno pedaço, guardou em outro lugar e deixou o barril limpo. Depois voltou correndo para se deitar. Mas quando chegou, o lobo abriu mais uma vez os olhos e perguntou:

 

- Você não tem sossego, amigo? Sonhou de novo? Foi com um novo filho?

 

E o chacal respondeu fingindo desespero:

 

- Sonhei, amigo! Sonhei que tive um terceiro filho e tinha que fazer uma grande festa de batizado! E o sonho era tão real que eu levantei e foi correndo fazer a festa!

- Mas dessa vez você conseguiu fazer a festa, não é?

- Que nada! Mas, como das outras vezes, eu também descobri o nome da criança!

- E qual é?

- É o nome mais estranho de todos! O menino chama: “GUARDEI-UM-POUQUINHO”! Não é esquisito?

- Muito!

- Mas só pode ser coisa de sonho! Vamos dormir que é melhor!

           

Então eles se deitaram e voltaram a dormir. Dessa vez os dois dormiram a sono solto. Quando acordaram o chacal propôs:

 

- Amigo lobo, vamos comer nossa manteiga?

 

Os dois foram até o capim alto e quando lá chegaram encontraram o barril vazio. Sem um pedacinho de manteiga. O lobo ficou espantado:

 

- O que aconteceu com a nossa manteiga, amigo?

 

O chacal, fingindo indignação, começou a acusar o lobo:

 

- Será mesmo que o amigo não sabe? Enquanto eu estava sonhando com meus filhos, será que o amigo não veio aqui e comeu toda a manteiga?

- Eu?

- O senhor sim!

- Mas eu estava dormindo!

- É! Mas toda às vezes que eu acordava dos meus sonhos, encontrava o amigo acordado!

 

O lobo tentava se explicar:

 

- Mas não fui eu!

 

E o chacal foi definitivo:

 

- Eu quero acreditar no senhor, mas só tem um jeito da gente descobrir a verdade!

- Qual é?

- O senhor vai se deitar no sol quente por duas horas!

- Mas como isso vai provar que eu não comi a manteiga?

- Ah... O sol é um grande juiz! Ele vai esquentar a sua pança e se a manteiga estiver lá dentro vai sair! Se no final dessas duas horas a sua boca estiver suja de manteiga foi o senhor o ladrão! Vai merecer levar uma surra ou comprar um novo barril pra mim! Se estiver tudo limpo não foi o senhor e teremos que procurar o bandido! O amigo aceita?

 

O lobo, que tinha a certeza que não tinha comido a manteiga, aceitou imediatamente. Os dois foram para um descampado. O sol estava a pino e o chacal disse:

 

- Você vai deitar pra gente ter a certeza que não foi você! E, pra não deixar dúvida, eu também vou deitar!

 

O chacal e o lobo deitaram. Não demorou muito para o lobo cair num sono profundo. Com muito cuidado, o esperto chacal foi até o lugar onde tinha guardado o restinho de manteiga. Voltou e lambuzou a boca do lobo. Depois deitou e ficou esperando.

O tempo passou e quando o lobo abriu os olhos viu o chacal com uma cara zangada.

 

- Então, senhor lobo, não foi o senhor que comeu toda a manteiga?

 

O grandalhão lambeu os beiços e sentiu o gosto da manteiga que lambuzava todo o seu focinho. E o chacal continuou fingindo estar indignado:

 

- O senhor não tem vergonha? Como pode fazer isso com um amigo? E agora fiquei sem a minha manteiga! Isso é um absurdo!

 

O lobo, sem entender nada, ficou muito envergonhado. Para não apanhar, comprou um novo barril de manteiga e deu para o esperto chacal.

E acabou a história

 

ADAPTAÇÃO DE AUGUSTO PESSÔA

 

A TROMBA DO ELEFANTE

 

Antigamente o elefante tinha a tromba curta. Não possuía a grande tromba que tem agora e que é muito útil, pois serve como braço e mão, além de nariz. Quando não tinha tromba, o elefante era muito curioso e gostava de saber tudo o que acontecia na floresta.

Um dia, ele encontrou um buraco entre as raízes de uma grande árvore e enfiou o nariz nele para saber o que tinha lá dentro. Acontece que aquele buraco era a entrada da casa de uma cobra enorme que, vendo aquele nariz fuçando sua casa, abocanhou a tromba curta e tentou engolir o pobre elefante. Desesperado o curioso andava para trás, para não ser engolido pela cobra. Mas a danada da cobra o puxava com força para dentro do buraco.

 

- Socorro! – gritou o elefante desesperado percebendo que não ia conseguir se livrar da grande cobra.

 

Ouvindo seus gritos, muitos animais tentaram ajudar. O primeiro que apareceu foi o rinoceronte que segurou o rabo do elefante e puxou... puxou, mas não conseguiu. Depois veio a zebra para ajudar o rinoceronte e os dois puxaram... puxaram e também não conseguiram. Depois veio a girafa para ajudar a zebra e o rinoceronte e os três puxaram... puxaram, mas não conseguiram. Por último veio o leão para ajudar a girafa, a zebra e o rinoceronte e todos puxaram... puxaram... puxaram com muita força. Não foi fácil, mas, finalmente, conseguiram salvar o elefante, que, de tanto puxar, teve seu nariz esticado e transformado na tromba que agora possui.

No início, o elefante ficou envergonhado de sua nova e estranha aparência. Ele ficou escondido dentro da floresta. Com o tempo, aprendeu a usar a tromba com muita habilidade. Ficou satisfeito e voltou a conviver com os outros animais.

E acabou a história.

 

Adaptação de Augusto Pessôa

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