CONTOS DE
ASSOMBRAÇÃO
LOIRA DO BANHEIRO
As crianças já sabem. Têm algumas que nem vão ao banheiro sozinhas. Essa visagem aparece nos banheiros das escolas. Dizem que é uma loira de cabelo comprido e desgrenhado, com vestido branco e uma cara de assustar. Escorre sangue de seus lábios e tem algodão nas narinas como se fosse um defunto. É de arrepiar os cabelos.
Tem gente que acha que ela era uma mulher que perdeu os filhos. Ficou tão triste, que virou visagem. Aparece nos banheiros procurando seus filhos. Outros acham que ela era uma pobre moça que foi assassinada num banheiro. Ela volta para se vingar dos assassinos. Nos dois casos, a criança que vê a loira, desaparece para sempre. Ela leva embora e não devolve mais.
Tem um jeito de chamar a loira. É só dizer o nome dela, três vezes, na frente de um espelho dentro do banheiro. E foi o que fizeram o Zequinha e a Magali. Os dois eram bem levados e queriam ver se essa história era verdadeira. Os dois ficaram na frente do espelho e chamaram juntos:
— Loira do Banheiro! Loira do Banheiro! Loira do Banheiro!
Não apareceu nada. E o Zequinha falou:
— Eu sabia que era mentira!
Mas a Magali ainda acreditava:
— Vamos chamar de novo! Vai ver ela não ouviu!
Eles já iam tentar quando a luz piscou e apagou sozinha. Os dois ficaram com tanto medo que saíram correndo e gritando. Passou um tempo, e eles, com muito cuidado, voltaram ao banheiro. Estava tudo quieto. Mas eles ficaram arrepiados quando viram duas bolinhas de algodão, sujas de sangue, em cima da pia. Esse era o sinal que a Loira do Banheiro andou por ali. Cuidado.
Adaptação de Augusto Pessôa
CORPO SECO
O Mateus Donofre não tinha jeito. Era malvado que dava raiva. Desde pequeno aprontava: pegava passarinho só para arrancar as asas, furava os olhos de gato e de cachorro e fazia todo tipo de maldade. Cresceu e só piorou. Ninguém gostava dele.
Tinha gente que dizia:
— Cuidado, Mateus! Tu vais virar Corpo Seco!
Mas o Mateus ria. Ele não acreditava em assombração. Mas a mãe dele, apavorada, foi perguntar a Sinhá Matilde sobre o Corpo Seco. E a velha, que era curandeira, explicou:
— Teu filho pode virar corpo seco por todas as maldades que ele já fez. Pode sim. Quando morrer, a alma vai ser recusada por Deus e pelo Diabo. Ninguém vai querer. Nem a terra. Não adianta enterrar que a terra cospe fora. Nem os insetos chegam perto. O corpo e a alma juntos vão secando. Corpo e alma penados. E esse monstro vai ficar perambulando, como vagabundo, pelos cemitérios e pelas ruas, assombrando os viventes. Toma cuidado.
A velha terminou de falar e a mãe do Mateus ficou apavorada. Correu para casa e tentou falar com o filho. Mas o Donofre era ruim e riu dos medos da mãe. A mulher insistiu. O malvado se aborreceu e fez uma coisa terrível: deu um soco, de mão cheia, na cara da mãe. Com a força da pancada, a mulher caiu no chão. Mas o filho não ligou. Tinha que sair. Abriu a porta de casa. De repente, um tiro. A bala veio de fora e acertou o peito do Mateus. Ninguém sabe quem atirou e nem quer saber.
A alma do infeliz foi para o céu, mas não conseguiu entrar. Desceu para o inferno, mas encontrou tudo fechado. Teve que voltar para o corpo. Alma e corpo penados tentaram se enterrar, mas a terra não quis.
O corpo secou e só tinha um destino: perambular eternamente pela noite.
Adaptação de Augusto Pessôa
A CIRANDA DOS OSSOS
Foi numa de sexta feira, o velho Chico Matoso ia voltando para casa. A estrada estava escura. No céu, só a lua iluminava o caminho. Mas era um luar manhoso que só iluminava um pouquinho. Não tinha nenhuma estrela. Uma sexta-feira estranha. A mulher do Chico, a Sia Balbinha, bem falou que ele não devia ficar andando pela estrada em noite de sexta. Principalmente, quando não tivesse estrela. Nessas noites, as visagens vêm da escuridão para assustar os homens.
O velho Chico foi visitar o seu compadre Bento. A prosa estava boa, ele foi ficando e nem viu a hora passar. Já era noite quando saiu da casa do seu compadre.
Para encurtar o caminho, o Chico Matoso resolveu entrar por uma picada. Já ia entrando na mata, quando lembrou as palavras de sua mulher sobre a sexta-feira. Seu coração bateu depressa, como se desse um aviso. Ele sentiu um calafrio, mas não era homem de recuar. E afinal de contas, ia ter medo de quê? O velho rezou baixinho e tocou o burro pela picada adentro.
De repente, o animal empacou. O Chico tocou as esporas com vontade, mas não tinha nada que fizesse o burro andar. O bicho estava gelado e paralisado. O homem olhou para o lado e viu uma sepultura. Sem perceber falou alto:
- Quem é que pode tá enterrado aqui, meu Deus, nesse lugar perdido na mata? Quem teria feito uma maldade dessa de enterrar alguém aqui?
O coração do velho Matoso foi ficando pequeno. Ele rezou baixinho e tentou seguir caminho. Mas o teimoso do burro nem se mexia. O Chico já estava decidido a largar o burro ali mesmo e sair correndo para casa, mas não teve tempo. O que ele viu, talvez ninguém acredite! A luz da lua batia agora com força na sepultura. O luar deixou de manha e estava iluminando tudo.
O velho Matoso tentou esporear mais uma vez o burro, quando ouviu um estalo forte e viu saírem da terra um monte de coisinhas brancas. Eram ossinhos que pulavam, batiam uns nos outros e rodopiavam como se estivessem dançando ao som de uma viola. Depois, de todos os lados, vieram outros ossos maiores, rodando e dançando da mesma maneira. De repente, o Chico ouviu um estalo maior e, de dentro da sepultura, saiu uma caveira branca como algodão, e com os olhos faiscando. Parecia que saia fogo dos olhos. A cabeça dava pulos como um saci. Os ossos começaram a dançar em volta da caveira, que parou de pular e ficou quieta no meio, dando de vez em quando grandes pulos no ar, e caindo no mesmo lugar, enquanto os ossos giravam em sua volta, batendo uns nos outros, como se dançassem uma ciranda maldita.
O velho Chico Matoso bem que queria fugir, mas não podia. Seu corpo estava como estátua, seus olhos estavam pregados naquela ciranda de ossos e os cabelos estavam em pé. Foi então que os ossinhos mais miúdos, dançando sempre, foram se juntando e formando dois pés de defunto. Esses pés não ficaram quietos e começaram a sapatear com os outros ossos numa roda viva. Os ossos das canelas, de um pulo, encaixaram em cima dos pés. Depois os ossos das coxas se encaixaram com os joelhos e, sempre dançando, se encaixaram com o resto formando duas pernas. E o quebra-cabeça continuou: os ossos dos quadris, as costelas, os braços, todos ossos que ainda faltavam foram pouco a pouco se juntando, até que o esqueleto se formou. Faltava só a cabeça.
O Chico Matoso viu então a coisa mais pavorosa do mundo: o esqueleto sem cabeça pegou a caveira e começou a jogar pra lá e pra cá, como se fosse uma bola. Depois, jogou para o alto igual a uma peteca. Jogava cada vez mais alto. Nesse sobe e desce a caveira fazia um zumbido horripilante. Até que o monstro sem cabeça jogou a caveira muito alto. E ela até sumiu nas nuvens. Depois abriu os braços como se esperasse. A caveira desceu rápido do céu, fazendo aquele zumbido e caiu direito no meio dos ombros. Fez um estalo danado, a caveira deu uma gargalhada e olhou para o velho Chico com seus olhos de fogo.
O burro e o Matoso estavam paralisados. O velho até sentia o coração do animal batendo forte. Os dois queriam sumir dali. Queriam até se enterrar se fosse possível, mas o pior estava por vir: aquele esqueleto-monstro começou a dançar em volta do Chico. Dando gargalhadas e rodopiando num balé terrível. Até que num estalo, deu um pulo, girou no ar e encaixou-se direitinho na garupa do Chico Matoso. O pobre do velho não conseguia nem gritar. O esqueleto esporeou e o burro saiu em disparada. E foram os três correndo e saltando.
Certo momento, o animal parecia voar por cima das árvores. O coitado do Chico não tinha coragem de abrir os olhos. Como não podia gritar, rezava por dentro para todos os santos que vivem no céu. O velho Matoso achava que aquele ia ser o seu fim. Sentia um calor muito grande, como se estivesse numa nuvem de fogo. Até que desmaiou.
Quando acordou, já era dia e ele estava na sua cama. A Sia Balbina é que contou que de manhã, bem cedo, o encontrou no terreiro, estendido no chão e desacordado. O burro ao seu lado, ainda selado, pastava calmamente. A porteira estava trancada e nem o velho Chico, nem Sia Balbina entenderam como o animal conseguiu entrar. No fundo o Matoso sabia que eles tinham chegado ali voando. O pobre do homem acordou com muitas dores, como se tivesse levado uma surra. A cabeça pesada e com aqueles estalos malditos no ouvido. Demorou mais de um mês para aqueles barulhos terríveis saírem da sua cabeça.
O Chico mandou rezar duas missas e jurou que nunca mais saia de casa em noite de sexta-feira.
Adaptação de Augusto Pessôa
In BÁ E AS VISAGENS
Editora Escrita Fina
A VELHA POBRE
Lá para os lados da Amazônia, tinha uma Velha Pobre que morava numa caverna na serra. Só saia às sextas feiras pela meia noite. Ela era a protetora dos campos. Muitos dizem que ela não gostava de ser chamada de velha, porque, na verdade, nunca envelheceu.
Aqueles que já a encontraram na serra, onde, aliás, raras pessoas já a viram, dizem que ela é linda, mas má.
Tinha, quando queria, uma voz doce e agradável. A cara jovem e linda. Os olhos grandes e brilhantes. Os cabelos pretos, sujos e desgrenhados cobriam o rosto. As mãos e os pés eram de velha. Enrugados e cheios de calos.
Trabalhava sem parar, mas vivia esfarrapada e suja. E todo mundo a chamava de velha pobre.
Ela tinha muita vontade de ter filhos, mas não conseguia. Homem que passasse por sua caverna tinha que casar com ela. Se esse homem ficava com medo era transformado em pedra que rolava, rolava, até cair no precipício.
Se o homem aceitava casar, apesar da aparência de seus pés e mãos, ela mostrava o rosto escondido pelos cabelos sujos. Uma face de imensa beleza. Ela, então, tomava banho numa fonte de água pura com o fundo cheio de pedras preciosas. Quando mergulhava nessas águas os pés e mãos da velha pobre se transformam: ficam jovens, belos e delicados. Seus cabelos tornavam-se limpos, macios e lustrosos e o homem podia ter a mais bela noiva do mundo.
Mas, depois de nove meses, se não nascia o filho, (e ele nunca nasceu) a velha pobre se transformava: voltava a ser suja e esfarrapada. Com os cabelos grudentos e as mãos e pés deformados de dar medo. Então, era melhor o homem fugir depressa. Devia correr muito, senão podia virar pedra. Se a velha não o alcançava, ficava na gruta gritando de ódio. Logo se formava, no rio mais próximo, um redemoinho enorme. Engolindo tudo que passava por ele. Esse redemoinho, de uma forma mágica, era a cabeça da Velha Pobre.
Adaptação de Augusto Pessôa
In BÁ E AS VISAGENS
Editora Escrita Fina
O BOTO
É o que contam por aí: os botos se transformam em gente para vir a terra namorar as moças. Todo mundo sabe como acontece. Nas primeiras horas da noite, os botos viram homens. Sempre rapazes altos, brancos, fortes e bonitos. O povo que mora perto de rio sabe como é. Eles adoram festas onde dançam e bebem muito. Antes do nascer do sol, eles pulam na água e voltam a ser botos. Nadando por aí.
Os botos vêm a terra atrás das mocinhas novas. Eles dançam e brincam com elas. As mocinhas terminam de barriga. Menino que não tem pai, já sabe, é filho do boto.
Mas dá pra reconhecer os danados. É só prestar atenção: rapaz bonito que está numa festa e ninguém conhece. Que dança muito, bebe mais ainda e não tira o chapéu, pode escrever, esse é boto. É que eles se transformam, mas ficam com um furo no alto da cabeça. Usam o chapéu pra disfarçar.
Mas os botos não fazem só isso não. Eles são mágicos: moça e rapaz jovem e bonito que nada perto deles, pode se transformar em boto. Basta eles quererem.
Lá para os lados do Acre, eu conheci um homem chamado Zé Deodoro que quase perdeu um filho assim. O rapaz, que se chamava Ernesto, adorava nadar no rio junto com os botos. Por mais que o pai falasse, não tinha jeito. Rapaz bonito, os botos o encantaram e o pobre virou um ser do rio.
Na primeira noite que Ernesto se desencantou e voltou a ser homem, foi a um baile e conheceu uma moça linda. Conheceu Rosinha. Moça nova, bonita e faceira. Vestido de chita e flor no cabelo. Brincou com ela e a moça ficou de barriga. Quando o sol ia começar a nascer, o rapaz voltou para o rio e se transformou em boto. Mas aconteceu o inesperado: Ernesto se apaixonou por Rosinha. Queria voltar a ser homem para se casar com ela.
Zé Deodoro andava feito doido atrás do filho. Tinha certeza que o rapaz tinha sido transformado em boto. Um dia, na beira do rio, Zé Deodoro estava lamentando o destino do filho, quando um boto veio bem na beira. Era o Ernesto que conseguiu dizer para o pai que queria se desencantar. Mas para isso, Zé Deodoro precisa fazer uma coisa terrível: tinha que furar o olho do bicho com espeto ou bala. Bala podia matar, então Zé Deodoro pegou um galho seco e furou o olho daquele boto. Logo o bicho se desencantou e virou seu filho amado. E isso não é história não, conheço o Ernesto. Hoje ele é cego de um olho, mas está casado com Rosinha, tem quatro filhos e trabalha no comercio. Mas nunca mais tomou banho de rio.
Adaptação de Augusto Pessôa
In BÁ E AS VISAGENS
Editora Escrita Fina
CAIPORA
O Caipora é o coisa ruim, o cão, o tinhoso. Ele sempre muda de forma. Quem o encontra fica muito infeliz nos negócios e em tudo que quiser fazer. Tem, muitas vezes, aspecto humano para enganar melhor os pobres coitados que fazem acordo com ele. Quem faz pacto com o Caipora nunca se dá bem. Ele sempre engana e quando se sente enganado, mata.
Ele não gosta de caçadores. Quando tem Caipora na mata, ninguém pode caçar nas noites de sexta feira. Quem desobedece sofre muito. Ele até ressuscita os bichos que foram mortos sem seu consentimento. Para isso, usa umas palavras mágicas.
Geralmente ele fica nas encruzilhadas e nas curvas dos caminhos. Antes, ele só espantava quem estava a pé ou a cavalo. Fazia os cavalos darem pinote para jogar o cavaleiro no chão. Hoje em dia, tempos modernos, ele coloca pedras nas estradas e faz as pistas ficarem escorregadias, para fazer os carros e caminhões capotarem. Causa desastres destruindo as pontes.
Às vezes ele vai morar numa cidade ou aldeia. Vai junto com os caiporinhas que são uns diabretes. Os danadinhos entram no corpo das pessoas que vão brincar o carnaval.
Contam que o Caipora grande, o chefe dos pestinhas, também entra numa onça pintada. A bicha fica de noite tomando conta de uma ponte e não deixa ninguém passar. Tem um urro horrível. Parece uma vaca enlouquecida. Todo mundo tem medo, porque sabe que é o Caipora. Quando isso acontece, tem que chamar um rezador. O homem reza o lugar onde o maldito fica e tem que matar a onça com bala. Essa bala é especial. Fundida e rezada numa sexta feira da Paixão. Esses homens rezadores não têm medo do Caipora. Fazem uma simpatia para espantar o medo dessas visagens: é só lavar a cara de manhã bem cedo com xixi e depois dar um nó na fralda da camisa. Ou pode também encher o umbigo com azeite e pó de fumo. Qualquer uma das duas serve pra espantar o medo.
Adaptação de Augusto Pessôa
In BÁ E AS VISAGENS
Editora Escrita Fina
CAPELOBO
Há muito tempo atrás, os índios não tinham contato com os brancos. Por isso viviam muito mais. Como não tinham as doenças dos brancos e se alimentavam muito bem, chegavam a passar dos cem anos. Quando isso acontecia, eles se transformavam: cresciam os cabelos, os pelos do corpo, as unhas. Os dentes também cresciam e ficavam como presas afiadas. Viravam Capelobo. E assim transformados, não conheciam mais ninguém e iam viver na mata junto com os animais. Para matar a fome comiam os curumins, que são as crianças índias. Mas principalmente, se alimentavam do cérebro dos caçadores ou de qualquer homem que encontrassem na mata.
Até hoje, lá na floresta Amazônica, tem Capelobo. O monstro tem um cheiro horrível. Mais forte que o odor do alho. E é através desse perfume maldito que os caçadores sabem que a fera está rondando. Quando sentem esse cheiro forte, fogem com medo de serem devorados.
Mas tem um jeito de matar o Capelobo: é só atirar com flecha ou bala e acertar bem nos olhos ou no umbigo do monstro. Pode também tacar fogo nos pelos do bicho. Qualquer uma dessas coisas acaba com a fera. Mas quem tem coragem?
Adaptação de Augusto Pessôa
In BÁ E AS VISAGENS
Editora Escrita Fina
A COBRA GRANDE
A Cobra Grande é uma serpente imensa, que tem os olhos de fogo como se fossem dois faróis. Vive no rio Amazonas e fica subindo e descendo pelas águas do rio-mar. Muita gente já viu o bicho enorme. Ela vem fazendo muito barulho, como se fosse o motor de uma lancha grande. Protege as águas do grande rio e todos os seus habitantes.
Às vezes, ela se transforma numa bela morena. Com um rosto tão bonito que parece feito por mandinga. Assim encantada, ela vai as festas. Gosta de dançar e se divertir. Mas não gosta de confusão, nem que fiquem perguntando de onde ela veio.
Meu avô me contou que, certa vez, numa festa de São João, que aconteceu lá no seu seringal, apareceu uma moça muita linda. Parecia que seu rosto era arte de feitiçaria. Ninguém conhecia aquela moça e todo mundo queria saber de onde ela vinha. Foi tamanha a curiosidade e a confusão que aquele mundão de gente fez, que a moça fugiu e se escondeu num paiol que ficava afastado.
Mais tarde, o pessoal ficou com vergonha de espantar a moça com aquela curiosidade toda. As mulheres foram até o paiol, para chamar a moça de volta a festa. Mas, quando elas abriram a porta do barracão, o que viram arrepiava os cabelos: era só cobra. Um imenso rolo de serpente que enchia todo o paiol até o teto. A mulherada saiu gritando de medo:
- É a Cobra Grande! É a Cobra Grande!
Os homens vieram acudir. Foi então que todos ouviram um estrondo igual ao do motor de uma lancha, ou de um trovão muito distante. A terra pareceu que tremia. Os homens mais corajosos foram até o paiol e quando chegaram só viram o rabo da cobra sumindo dentro do rio.
Adaptação de Augusto Pessôa
In BÁ E AS VISAGENS
Editora Escrita Fina
COMPADRE DA MORTE
Diz que era um homem que tinha tantos filhos, que não havia mais ninguém para chamar para ser padrinho. Vai que lhe nasceu mais um menino. O homem então, montou em seu cavalo e saiu a procurar um padrinho ou madrinha para criança. Na curva da estrada, deu de cara com a Morte. Mas o homem não ficou com medo e convidou a Morte para ser madrinha de seu filho. A Morte aceitou. No dia do batizado, depois da cerimônia, a Morte chamou o homem num canto e disse:
- Quero dar um presente para meu afilhado. E penso, que o melhor presente é enriquecer o pai. A partir de hoje, você vai botar anúncio que é médico. Toda vez que for visitar um doente, vai me encontrar. Se eu estivar ao pé da cama, pode receitar até água que o doente ficará bom. Mas se eu estiver na cabeceira, não pegue o doente, porque esse é meu, esse eu levo.
E assim foi, o homem botou anúncio que era médico e logo enriqueceu. Não errava uma. Chegava na casa do doente, se encontrasse a Morte ao pé da cama, dizia:
- Esse eu curo!
Mas se a encontrasse na cabeceira, dizia:
- Podem preparar o caixão.
O homem nadava em dinheiro. Até que um Rei muito poderoso. Poderoso e cruel com quem não lhe fazia as vontades, chamou o homem. Seu filho, o jovem Príncipe, estava muito doente. O homem chegou e viu à Morte na cabeceira do Príncipe. O homem ficou desesperado, pensando na fúria do Rei se o Príncipe morresse. Chamou os criados e pediu que virassem a cama. Botando a cabeceira no lugar do pé e o pé no lugar da cabeceira. A Morte foi embora danada, e o Príncipe se salvou.
Tempos depois, a Morte apareceu ao homem e disse:
- Compadre, vim lhe convidar para jantar comigo.
O homem ficou desconfiado e disse que aceitaria o passeio, mas se a Morte jurasse que o traria de volta. E a Morte jurou. Depois pegou a mão do homem e fez um gesto mágico. Quando o homem deu por si, estava no castelo da Morte. Era um lugar grande, mas sombrio e lúgubre. Os dois jantaram e depois a Morte mostrou o castelo ao compadre. Estavam nessa, quando passaram por uma grande sala cheia de velas. Velas de todos os tamanhos: grandes, pequenas. Umas já se acabando, outras pareciam que tinham acabado de ser acesas, algumas já iam pela metade. O homem perguntou o que significava aquilo. E a Morte respondeu:
- Cada vela dessas é a vida de um homem. As que estão grandes, e parecem que acabaram de ser acesas, é o início da vida. A vela vai se acabando, até desmanchar. Então é a Morte.
O homem ficou curioso e perguntou sobre as velas de seus amigos. E a Morte foi mostrando.
- Este aqui.
- É fulano – respondia a Morte.
- E “tá” se acabando. E este?
- É sicrano.
- Ainda vai viver muito.
Até que perguntou pela sua vela. E a Morte mostrou um cotoquinho de vela, quase se apagando.
- Mas eu tô morre, não morre.
- É isso mesmo, compadre. Eu lhe trouxe para já deixá-lo aqui. Mas como você me fez jurar que eu o levaria de volta, assim farei.
Dizendo isso, a Morte fez um gesto mágico e o homem se viu no seu leito cercado por parentes chorosos. Na cabeceira da cama, lá estava a Morte. E o homem pediu:
- Morte, minha comadre, eu quero que você jure que só me leva depois de eu rezar um Pai Nosso. Você jura?
- Juro.
E o homem começou:
- Pai Nosso que estais no céu...
E se calou. A Morte disse:
- Continue a oração, compadre.
- Morte, eu disse para você me levar só depois que eu rezasse um Pai Nosso. Mas não disse quanto tempo eu ia levar pra rezar esse Pai Nosso.
A Morte foi embora furiosa.
O tempo passou. O homem ficou velho. Estava passeando por uma de suas propriedades onde havia um jardim que ele amava muito. Quando o homem chegou lá, viu que os bichos quebraram a cerca e destruíram o jardim. O homem ficou desolado e disse:
- Quem dera a Morte me levasse para eu não ver uma desgraça dessas!
Nem bem terminou de falar, a Morte pulou em cima dele e o levou.
A gente pode enganar a Morte uma, duas vezes. Mas na terceira e enganado por ela.
Adaptação de Augusto Pessôa
In BÁ E AS VISAGENS
Editora Escrita Fina
JOÃO SEM MEDO
Era uma vez um rapaz chamado João. E esse João não tinha medo de nada. Podia aparecer saci, cuca, mula-sem-cabeça, lobisomem... que ele não tinha medo. Por isso, ele era conhecido como João Sem Medo.
Ele andava por todo lado a procura de alguma coisa para ter medo. Só que ele não encontrava. Até que ele ouviu falar de um lugar, aqui perto, onde tinha uma casa mal-assombrada. Quem dormisse nessa casa amanhecia ou morto ou maluco. Era certo isso!
Pois o João foi até a rua onde ficava a tal casa e se informou com os moradores:
- É verdade que nessa rua tem uma casa que quem dorme lá amanhecesse ou morto ou maluco?
- É verdade verdadeira! É aquela casa ali!
E um dos moradores mostrou a casa a João. Era uma casa feia, escura e sombria. O João coçou a cabeça e falou assim:
- Pois olhe, eu vou dormir nessa casa hoje!
E os moradores tentaram tirar essa ideia maluca da cabeça do João:
- Que é isso, rapaz? Faça isso não!
- O senhor ainda é novo!
- Pode morrer... Pode ficar maluco!
Mas o João falou bem alto pra quem quisesse ouvir:
- Pois olhe, eu aposto com vocês que eu vou dormir nessa casa hoje e não vai me acontecer nada!
Quando os moradores ouviram a palavra “aposto” logo se interessaram. Juntaram o dinheiro da aposta e deixaram na mão de uma velha para ela tomar conta. Tudo arrumado, João Sem Medo foi até a tal casa. Nisso já estava anoitecendo. João entrou na casa. Era uma casa grande. Escura. Sombria. Cheia de teias de aranha. João foi entrando. A casa tinha vários salões grandes. Um maior do que o outro. Até que ele chegou no maior de todos os salões. Bem no meio do salão tinha um sofá grande. João olhou e achou que aquele sofá era o local ideal para ele dormir. Ele deitou e dormiu.
Daí a pouco, deu meia noite e o vento começou a soprar. Um sopro sinistro. Uuuuuuuuh! E lá de cima do teto, sabe se lá como, veio um grito terrível: Aaaaaah! Mas João não ficou com medo. Foi logo falando assim:
- Oh, rapaz, não tem o que fazer não? Fica aí gritando! Assustando o povo! Vai procurar o que fazer!
E lá do teto veio uma voz sinistra que dizia assim:
- Eu caio! Eu caio! Eu caio!
Assim mesmo. Repetiu três vezes. Mas João não ficou com medo. Foi logo falando assim:
- Mas precisa falar tanto que vai cair? Cai logo, pelo amor de Deus!
Ele falou isso e caiu mesmo. Dois braços brancos caíram do teto, sabe se lá como. Caíram e ficaram enroscados no meio da sala. Mas João não ficou com medo:
- Olha só: dois braços! E eu tenho medo de braço agora? Ficou até bonito! Uma escultura para enfeitar a casa! Eu vou dormir que é melhor!
João voltou a dormir e o vento voltou a soprar. Uuuuuuuuuuh! E lá do teto, veio de novo aquela voz sinistra que dizia assim:
- Eu caio! Eu caio! Eu caio!
De novo repetiu três vezes. Mas João não ficou com medo. Foi logo falando assim:
- Ó, rapaz, você gosta de anunciar, hein? Devia trabalhar em loja! Cai logo, pelo amor de Deus!
Ele falou isso e caiu mesmo. Duas pernas brancas caíram do teto, sabe se lá como. Caíram e se embolaram com os braços no meio da sala. Mas João não ficou com medo:
- Olha só: duas pernas! E eu tenho medo de perna, por acaso? Ficou ainda mais bonito! A escultura está aumentando! Está enfeitando mais a casa! Eu vou dormir que é melhor!
João voltou a dormir e o vento voltou a soprar mais forte. Uuuuuuuuh! E lá do teto, veio de novo aquela voz terrível que dizia assim:
- Eu caio! Eu caio! Eu caio!
Aí o João se aborreceu:
- Ó, rapaz, mas vai cair a prestação? Cai logo inteiro, pelo amor de Deus!
O João falou isso e caiu mesmo. Caiu cabeça. Caiu tronco. Aquilo foi juntando no meio da sala. Juntou cabeça com tronco, juntou perna, juntou braço – fez um bonecão, grande e branco, que foi andando, todo desengonçado, para cima do João. Mas ele não ficou com medo:
- O que é isso, rapaz? Quer dançar? Vai procurar um baile! Eu quero dormir!
O bonecão então se transformou num fantasma branco e grande. O fantasma olhou para o João, com aquela cara horrível e deu um sorriso. O João não gostou:
- Está rindo de mim, palhaço?
E o fantasma falou assim:
- Muito obrigado. Eu estava aqui, enfeitiçado por uma bruxa e o senhor me libertou! Eu quero dar um presente!
O fantasma estendeu a mão e o João pegou naquela mão fria do fantasma. E a assombração foi puxando o João... Foi puxando... E o levou até o quintal da casa. Era um quintal grande. Cheio de árvores secas e retorcidas. No meio do quintal ficava a maior árvore. Toda seca e retorcida. O fantasma levou o João até lá, apontou para o chão e PUFF! Sumiu. E o rapaz falou assim:
- Esse camarada apontou para o chão? Ele quer que eu cave esse chão e eu vou cavar!
Ele pegou uma pá e começou a cavar. Cavou. Cavou. Até que bateu numa coisa dura. Cavou mais e começou a puxar. E lá de dentro saiu um caixão de defunto preto e grande. O João abriu o caixão e encontrou um tesouro: ouro, prata, pedras preciosas. O rapaz estava rico. Nisso o dia foi amanhecendo e os moradores da rua já estavam lá na porta da casa, achando que o João tinha morrido ou ficado maluco. Mas ele apareceu na varanda todo pimpão. O João Sem Medo venceu a aposta. Juntou o tesouro com o dinheiro da aposta e ficou mais rico ainda. Comprou a casa. Mandou reformar e diz que ele está morando lá até hoje!
E acabou a história!
Adaptação de Augusto Pessôa
In BÁ E AS VISAGENS
Editora Escrita Fina
LOBISOMEM
O Lobisomem é um bichão grande, meio homem, meio fera. Na verdade, ele é um homem caçula de sete filhas. Nas noites de lua cheia, ele vira o monstro. Arranca as suas próprias roupas e dá um monte de nós nelas. Depois, a pele dele vira do avesso e a fera sai correndo até chegar numa igreja. Chegando lá, ele corre para outra igreja. Quem se coloca no seu caminho é estraçalhado. Mas tem um jeito de se livrar do monstro. Se você encontrar um lobisomem pelo seu caminho, basta fechar bem os olhos, a boca e esconder as unhas das mãos e dos pés. É que essas visagens só conseguem ver a gente pelo branco dos olhos, dos dentes e das unhas.
A fera fica a noite toda correndo de igreja para igreja. Quando amanhece o dia, ele tenta voltar para o início, onde estão suas roupas. Mas, às vezes, não consegue e acorda no meio da rua, pelado e sem lembrar de nada que aconteceu.
Mas tem um jeito de acabar com o encantamento maldito. É só desatar todos os nós das roupas dele, que o monstro desencanta e volta a ser gente.
Conheci uma professora que contou que o homem casado com sua avó tinha essa sina. Na cidade, onde a avó da professora morava, corria o boato que tinha lobisomem. O monstro já tinha estraçalhado uns três valentões. Todo mundo ficava com muito medo de sair nas noites de lua cheia.
A avó tinha uma saia que ela gostava muito. Era uma saia xadrez, vermelho e preto. O marido dela também gostava e a elogia muito quando ela usava.
Numa noite de lua cheia, ela colocou a saia e pediu para o marido não sair por causa do lobisomem. O homem riu muito, disse que aquilo era bobagem, que precisava encontrar com os amigos no botequim e só voltaria no dia seguinte. Saiu.
Mas a mulher ficou desconfiada daquilo. Esperou um tempo, foi até a casa do lado e pediu que a vizinha a acompanhasse até o botequim. Pra ver se seu marido estava lá mesmo. Chegaram lá e não encontraram ninguém. O botequim estava até fechado por causa do medo do lobisomem. As duas resolveram voltar para casa. Estavam no meio do caminho quando escutaram um uivo terrível. Olharam para trás e viram o monstro correndo na direção delas. Apavoradas elas apertaram bem as mãos para esconder as unhas, fecharam a boca e os olhos. A fera parou em frente a elas e ficou cheirando as suas saias. A avó da professora abriu só um pouquinho um dos olhos e viu o monstro. Com isso, o lobisomem pode ver um pouco e começou a morder a saia da mulher. Apavorada ela fechou bem os olhos e rezou um pai nosso em pensamento. O monstro cheirou mais um pouco e foi embora correndo. As mulheres fugiram apavoradas. Quando estava em casa, a avó da professora viu que a sua saia estava toda rasgada.
No dia seguinte, o marido voltou. A mulher contou tudo o que tinha acontecido de noite e o homem deu uma gargalhada. Ria muito dizendo que aquilo era uma bobagem. Nas gargalhadas de boca aberta, a mulher pode ver, entre os dentes do homem, os fios de sua saia xadrez. Com muito medo inventou que tinha que ir à casa da vizinha e foi embora da cidade, com a roupa do corpo, para nunca mais voltar.
Adaptação de Augusto Pessôa
In BÁ E AS VISAGENS
Editora Escrita Fina
MANÉ GALOPINHO
Isso aconteceu há muito tempo atrás. Contam, lá no interior do Rio de Janeiro, que o Mané Galopinho era um sujeito arruaceiro. Vivia criando confusão com todo mundo. Bebia e brigava. Depois montava em seu cavalo e saia derrubando e quebrando as coisas pela rua. Ninguém na cidade gostava dele porque era o cão em forma de gente.
A mãe dele vivia triste com esse comportamento. Na rua, o povo já virava a cara para ela. Achavam que a culpa desse desatino era dela. A pobre mulher vivia cabisbaixa. Ela pedia para o filho melhorar o comportamento, mas ele nem dava importância e continuava aprontando.
Até que ela se encheu. Uma noite, o Mané Galopinho ia saindo de casa, para mais uma farra daquelas, quando a mãe falou:
- Mané, não quero que você saia hoje! Chega de tanta confusão!
O danado, que não respeitava ninguém, nem a própria mãe, deu uma gargalhada dizendo:
- Não enche, mãe! Eu faço o que eu quero!
Mas a mulher estava realmente aborrecida:
- Você não vai sair e ponto final!
Ela disse isso e foi fechar a porta. Mas o Mané empurrou a mãe e ainda xingou a pobre senhora. A mulher, caída no chão, jogou uma praga no filho:
- Se você sair, vai virar uma visagem! Vai ficar grudado nesse cavalo, por toda a eternidade, vagando pela noite fazendo arruaça!
O Mané nem ligou. Montou no seu cavalo e já ia saindo, quando sentiu o corpo todo estremecer. Quis pular do cavalo, mas não conseguiu. Estava grudado. A pele ficou diferente, como de alma de outro mundo e o cavalo saiu em disparada. Correu... correu... até que sumiu na noite.
Até hoje ele anda pela cidade. Sempre de noite. Faz muita bagunça: derruba as latas de lixo, quebra as coisas na rua e assusta todo mundo. Muita gente de fé já ouviu o barulho do galope de seu cavalo. E tem até aqueles que já viram, com os próprios olhos, o Mané Galopinho cumprindo a sua terrível sina.
Adaptação de Augusto Pessôa
In BÁ E AS VISAGENS
Editora Escrita Fina
BARBA DE FOGO
O Barba de Fogo é um homem encantado, de barba e cabelos vermelhos. É alto, forte e muito branco. Diz que ele vive no Piauí e mora na Lagoa do Paranaguá. A história conta que ele foi jogado na lagoa quando nasceu. Estava se afogando quando foi salvo pela Mãe D´Água. A rainha das águas ficou com pena e cuidou dele. E foi por causa dessa criação que ele ficou encantado. Cresceu e se fez moço forte e bonito. Na verdade, ele não faz mal a ninguém, mas quem o viu de perto fica com medo.
Ele fica se banhando na beira da lagoa. Passa quase o tempo todo coberto de água.
As lavadeiras olham aquele moço bonito e começam a fazer um monte de pergunta de longe:
— Moço bonito da barba ruiva quem é você?
— Quer namorar comigo?
— Onde você mora?
Mas ele não responde nada. As mulheres ficam curiosas e se aproximam do Barba de Fogo. Nesse momento, ele se mostra encantado. Sai da água e sua barba, suas unhas e seu peito começam a pegar fogo. O Barba de Fogo corre atrás das moças para beijá-las e abraçá-las. Mas quem quer um beijo desses?
Por causa disso, nenhuma mulher vai lavar a roupa sozinha naquele lado da lagoa.
Tem um jeito de quebrar o encanto do Barba de Fogo. Algumas gotas de água benta, na cabeça dele, acabam com esse encantamento terrível. Foi o que a Madalena de Canodá quis fazer. Era uma moça bonita e se encantou com a beleza do rapaz encantado. E enfiou na cabeça que iria acabar com aquela magia para poder namorar ele. Foi na igreja e pegou água benta que guardou num vidrinho. Depois, lá foi ela para beira da lagoa tentar quebrar o encantamento. Chegou na beira da água e chamou o moço. O Barba de Fogo estava dentro da água e ouviu a moça chamando:
— Barba de Fogo! Ei! Moço bonito! Vem aqui!
Ela já estava com o vidrinho preparado para jogar a água benta bem na cabeça do moço. Mas quando ele saiu da água botando fogo para todo lado, as pernas da Canodá tremeram e ela saiu correndo em disparada. Dizem que a Madalena nunca mais teve coragem de aparecer na beira da lagoa.
E é assim que, apesar de ser inofensivo, ninguém ainda teve coragem de acabar com a magia do Barba de Fogo.
Adaptação de Augusto Pessôa
BOITATÁ
Alguns dizem que é uma grande serpente de fogo. Outros que é um boi ou um touro com patas enormes e um grande olho bem no meio da testa. Na língua tupi mboi quer dizer cobra e tatá fogo: cobra de fogo. Nos dois casos, ele tem um brilho intenso que nem um tição de fogo.
Ele mora nas margens dos rios, mata animais e come os seus olhos. E dos olhos que ele come é que vem o seu brilho intenso de fogo.
Ele defende os campos e queima, com seu brilho, aqueles que fazem queimadas e tentam destruir as matas.
Dizem que quem engana seu marido ou sua mulher se transforma em Boitatá.
Aquele que dá de cara com essa visagem de fogo pode ficar louco ou cego. Pode até morrer. Mas tem um jeito de escapar do ataque desse monstro: é preciso atirar nele algum objeto de ferro. O bicho fica queimando aquele objeto e esquece a sua presa.
Foi o que aconteceu com o Zulmiro Assunção. Ele vivia fazendo queimada para aumentar sua plantação. As pessoas falavam:
— Zulmiro, não faz isso! Você vai acabar mal! Olha que o Boitatá pode não gostar!
Mas o homem não se importava:
— Deixa disso! Eu não acredito nessas coisas! Não tenho medo de visagem!
Um dia, ele resolveu fazer uma queimada, perto do rio que passava atrás da sua fazenda. Estava na beira do rio e ia começar a botar fogo no mato, quando apareceu aquela cobra cheia de luz. O Zulmiro tremeu de medo:
— Ai, meu Deus! A cobra de fogo veio me pegar!
Ele achou que era o fim, mas se lembrou que estava com uma machadinha de ferro na mão. Atirou o objeto para o monstro. O Boitatá ficou queimando aquilo e esqueceu o Zulmiro. Branco de medo, o homem saiu correndo como um raio. Desse dia em diante, ele nunca mais fez queimada.
Tem outro jeito de fugir do Boitatá: é só ficar quieto, prendendo a respiração sem mostrar o branco dos olhos, dos dentes e das unhas. Desse jeito, assim como as outras visagens, a cobra de fogo não consegue ver sua vítima.
Adaptação de Augusto Pessôa
CAVALO BRANCO
É um fogoso e bonito cavalo branco que, em noites enluaradas, é visto a pastar no Vale do Ribeira na região de São Paulo. É de uma beleza que dá gosto de ver, mas é perigoso. É bicho encantado. Uma visagem poderosa.
As mães sempre falam, para suas filhas, para não passarem pelas margens do Vale do Ribeira em noite de luar. É que o Cavalo Branco, ao ver uma moça formosa, faz com que ela caia naquelas águas e depois desaparece com ela. Leva a jovem para o fundo das águas e ela é obrigada a viver com ele num palácio macabro. E o Cavalo Branco é insaciável. Está sempre querendo novas presas para transformar em escravas no seu palácio assombrado.
Foi o que aconteceu com a Maria Anunciata. Era uma moça bonita de olhos grandes. O rosto delicado e os cabelos negros, sedosos e fartos. Todos os rapazes da região suspiravam por ela. Mas era teimosa a Maria. Adorava passear a noite pelo Vale do Ribeira. A mãe dela sempre dizia:
— Maria, tome cuidado! Olha que o Cavalo Branco pega você! Vai terminar como escrava no palácio dele no fundo das águas!
Mas a jovem nem ligava. E sempre saía a noite para passear pelo Vale.
Numa noite de luar, ela estava dançando, na beira do rio, quando apareceu a visagem. Branco e bonito de encantar. O bicho deu um pinote e jogou a Anunciata dentro da água.
Nunca mais ninguém ouviu falar na bela jovem.
ADAPTAÇÃO DE AUGUSTO PESSÔA
CUCA
A Cuca é uma grande e poderosa bruxa. Alguns dizem que ela é uma velha, feia e esfarrapada, que vive intrigando os casais causando ciúmes. Outros acham que ela tem a forma de um jacaré que anda em pé como os humanos. Tem uma cabeleira farta e desgrenhada. Por ter essa forma de jacaré, muitos a chamam de Jacaroa.
Quando a malvada está irritada dá um grito pavoroso que pode ser ouvido a léguas de distância. Quem já ouviu esse grito medonho, se arrepia só de lembrar.
Dizem que ela mora em cavernas e transforma em pedra aqueles que ousam entrar em seus domínios.
Mas o que a Jacaroa mais gosta de fazer é roubar criança. Ela fica andando pelos telhados, durante a noite, só prestando atenção. Quando escuta uma criança que é desobediente, ou malcriada, ela não tem dúvida: rouba a criança. E esse desobediente nunca mais é visto. E nem adianta tentar fugir.
Foi o que quase aconteceu com o Juca. Ele era uma criança como muitas outras. Gostava de brincar, até fazia umas travessuras, mas nada de muito diferente. O problema era na hora de dormir. Nesses momentos ele era muito malcriado.
Uma noite, a mãe disse para ele dormir, mas o danado nem ligou. Até que ela se chateou e disse para o menino:
— Juca, vai dormir se não a Cuca vai pegar você!
E o malcriado quis saber:
— E essa Cuca está onde que eu não vejo?
E a mãe respondeu:
— Tá lá em cima no telhado só esperando para pegar você!
Nem assim o Juca quis ir dormir. Ele foi para a janela e ficou resmungando:
— No telhado... Duvido! Não tem nada no telhado...
Disse isso e olhou para cima. Foi aí que aconteceu uma coisa que o Juca jura que é verdade: ele viu um pedaço de um rabo de jacaré pendurado no telhado. O susto foi tão grande que o Juca gritou:
— A Cuca!
Saiu correndo pra cama e dormiu como uma pedra. Nunca mais teve problema para dormir. Tomem cuidado. A Cuca está sempre atenta para pegar os malcriados.
ADAPTAÇÃO DE AUGUSTO PESSÔA
A MÃE D´ÁGUA
Diz que tinha um pescador que morava numa choupana pobre. Um dia, ele estava andando pela praia quando ouviu um canto triste. Foi encantado por esse canto. Procurou aqui e acolá. Até que encontrou uma mulher linda que cantava sentada numa pedra. O homem quis saber:
— Quem é você?
— Sou a Mãe D´Água! - respondeu a mulher.
O homem ficou apaixonado por tanta beleza e quis casar com ela. Mas a Mãe D´Água falou:
— Caso com você! Mas tem uma condição: você não pode nunca maldizer de mim e de todos os seres do mar!
O pescador aceitou e levou a Mãe D´Água para sua choupana pobre.
De uma hora para outra, a vida do homem mudou. A riqueza entrou, com força, na vida do pescador. A choupana virou um palácio ricamente decorado. E, além disso, tinha a formosura da mulher que morava com ele. Os dois viviam numa eterna lua de mel. O tempo passou.
O pescador estava cada dia mais rico. Vivia mais tempo na rua cuidando dos negócios do que em casa. A mulher cheia de filhos mantinha-se linda. Mas ela começou a cansar. Não tinha mais os carinhos do marido que estava sempre preocupado com seus trabalhos. E ela foi mudando: os cabelos ficaram brancos e ralos, o corpo ficou roliço e uma preguiça tomou conta de sua vontade. Passava os dias, deitada na cama, comendo e engordando. Tudo virou um caos: as crianças viviam sujas e famintas, os criados brigavam entre si e a casa desarrumada. O pescador se sentia melhor na rua do que em casa. A sua esposa não era, nem de longe, a bela mulher que ele encontrou na praia.
Um dia, o homem chegou do trabalho e encontrou os criados brigando com facas, as crianças chorando e uma bagunça que tomava todo o lugar. Foi ao quarto e encontrou a mulher deitada na cama comendo e engordando. O pescador se aborreceu e gritou:
— Que inferno! A casa está uma desgraça! Maldigo de minha mulher e de todos os seres das águas!
Do nada a mulher voltou a ser linda. Mais deslumbrante do que quando o pescador a encontrou na praia. Ela se levantou. Estava vestida com um maravilhoso traje feito com as águas do mar. Como uma rainha ela falou:
— Mãe D´Água vai embora! Mãe D´Água vai partir!
A mulher foi saindo e tudo ia atrás dela: a riqueza, o luxo, criados, os filhos e a casa. O pescador ainda gritou:
— Fica que eu ainda te amo!
Mas já era tarde. Tudo sumiu nas águas do mar e o pescador se viu novamente na sua pobre choupana.
CONTO POPULAR - ADAPTAÇÃO DE AUGUSTO PESSÔA
PISADEIRA
Ela é o próprio pesadelo. Uma verdadeira bruxa. Uma velha magrela horrível com dedos compridos e secos. Unhas enormes, sujas e amareladas. Tem as pernas compridas e finas. O cabelo branco é desgrenhado. Os olhos são vermelhos e arregalados. A boca está sempre escancarada com dentes podres. Ela gargalha muito. Uma gargalhada horripilante.
Essa visagem ataca de noite e pisa a barriga das pessoas que estão tentando dormir. Ela fica pisando para dificultar a respiração do infeliz.
Suas presas mais fáceis são as pessoas que dormem de costas ou com o estômago cheio.
Ela aparece muito lá pelos lados de Minas Gerais e de São Paulo. A bruxa fica andando pelos telhados, observando o movimento das pessoas dentro de casa. Depois do jantar, quando alguém vai dormir de barriga cheia, ela ataca. Sai de seu esconderijo, sem ninguém ver, e pisa na barriga ou no peito da pessoa. A vítima fica sem ar. Não consegue respirar. Com aquela sensação de peso na barriga.
Alguns infelizes, que já foram atacados pela bruxa, contam que não viram nada. Só sentiram o peso da criatura. E ela é muito pesada.
Outros contam que conseguem ver a malvada durante o ataque.
Foi o que aconteceu com o José Libório. O homem tinha mania de comer muito na hora do jantar. Ficava com aquela barriga quase explodindo.
Numa noite, o Libório comeu tudo o que podia e o que não podia. Ficou com aquele barrigão e foi dormir com sua esposa. Durante a noite, ele abriu os olhos e deu de cara com aquela bruxa horrorosa pisando na sua barriga. O pobre ficou desesperado. Não conseguia se mexer. Não conseguia respirar. Não conseguia fazer nada. Só sentia medo daquelas gargalhadas terríveis. Ao seu lado, a mulher dormia tranquila. É que só a pessoa que está sendo atacada consegue ouvir as risadas.
Aquele martírio parecia que não ia ter fim. A bruxa pisando e rindo. Até que ela deu a maior das gargalhadas. Como se a boca fosse rasgar. Deu um salto e desapareceu na noite escura. Nessa hora, o José Libório deu um grito de pavor que acordou toda a vizinhança.
O ataque de Pisadeira pode ser rápido, apenas alguns segundos, ou pode durar horas.
O José Libório nunca mais comeu demais no jantar.
Adaptação de Augusto Pessôa
MULHER DE DUAS CORES
Tem visagem que é assim: não faz mal a ninguém, mas mete medo do mesmo jeito! É assim com a Mulher de Duas Cores que é uma visagem esquisita que só aparece de dia.
Lá para os lados de Minas Gerais tem muito dessa aparição. Ela pode ser branca e preta, azul e encarnada, azul e amarela e por aí vai. Metade de uma cor e metade de outra. Inclusive a cara, o cabelo, os braços, as mãos, as pernas e os pés. A roupa também, cada metade de uma cor. Certinho como se tivesse passado numa régua. Ela anda com passo ligeiro na ponta dos pés. Nunca encosta os calcanhares no chão. Não olha para o lado e não fala com ninguém. Leva uma trouxinha de roupa embaixo do braço. Não faz mal a ninguém, mas a sua presença deixa qualquer um de cabelo em pé.
E foi o que aconteceu com a Maria e sua prima Cremilda. Elas estavam no quintal da casa. Tinham acabado de lavar a roupa e estavam começando a pendurar para secar.
O quintal não tinha muro. Só uma cerquinha baixa. Tinha um riacho que passava bem perto da casa e era lá que a Maria e a prima lavavam a roupa. As duas estavam esperando a comadre Teresa que ia lavar a sua roupa também. Mas nada da comadre aparecer. De repente, a prima sentiu um arrepio estranho.
— O que é isso? Me arrepiei toda! Será que aconteceu alguma coisa com a Teresa?
— Que é isso, mulher? Que nada! – tranquilizou a outra – Deve ter sido um golpe de ar!
Ao longe, a prima Cremilda viu uma mulher, andando com um passo rápido, com uma trouxa de roupa embaixo do braço. Ela achou que era a comadre Teresa e falou:
— Olha a Teresa chegando!
A Cremilda e a Maria foram para porteira e viram a mulher se aproximando com aquele passinho rápido. Cada vez que aquela criatura se aproximava, elas podiam ver melhor. Era branca e encarnada dividida direitinho no meio: a cara, o cabelo, os braços, as mãos, as pernas e os pés. Com aquela cara feia, a visagem nem olhava para o lado, andando na ponta dos pés. A Maria e a prima Cremilda não conseguiam nem se mexer de tanto medo. A assombração passou na frente delas e não deu nem um pio. Mas depois que ela passou, as duas é que gritaram juntas:
— A Mulher de Duas Cores!
E correram para dentro de casa. Quando a comadre Teresa chegou, encontrou as duas, dentro de casa, tremendo de medo.
Adaptação de Augusto Pessôa
In BÁ E AS VISAGENS - Editora Escrita Fina
MÃOZINHA-PRETA
Tem gente que até gosta dessa assombração. Ela também é conhecida como Mãozinha-de-Justiça. É uma coisa estranha: uma mão preta, peluda, pequena e solta pelo ar. Ninguém sabe por que essa visagem aparece para uma pessoa. Ela surge do nada e depois desaparece. E sabe por que tem gente que gosta dela? É que ela, sozinha, faz os trabalhos domésticos. Lava a louça, limpa o fogão, lava roupa e por aí vai. Tudo sozinha com velocidade e perfeição. Uma beleza.
Mas nem pense em ofender ou xingar a Mãozinha-Preta. Ela fica furiosa. Então ela persegue, puxa, belisca e até enforca suas vítimas.
E foi o que aconteceu com o Malvino do Conga. Ele era pescador e se considerava muito esperto. Todo mundo sabia que, de vez em quando, aparecia Mãozinha-Preta naquele lugar, mas o do Conga não acreditava. Até zombava da visagem:
— Se ela é a Mão da Justiça tem que ir ao meu barraco! Tem é coisa para ela fazer lá!
E o pescador gargalhava de se dobrar. Mas o do Gonga se arrependeu de rir.
Foi num domingo. O rapaz arrumou suas coisas e foi pescar bem distante de casa. Chegou ao lugar e começou a pescaria. Foi fisgando e enchendo seu balaio. Quando deu meio dia, o balaio já estava quase explodindo de tanto peixe. O Malvino resolveu tirar um cochilo para descansar. Armou uma rede entre duas árvores, mas, antes de deitar, quis ver de novo o balaio cheio. E o do Conga encontrou o seu balaio vazio.
— O que é que está acontecendo aqui? Onde estão meus peixes?
Foi ele dizer isso que surgiu na sua frente a Mãozinha-Preta. O Malvino arregalou os olhos e saiu correndo gritando:
— Socorro a Mãozinha-Preta quer me pegar!
O coitado foi correndo como louco. E a visagem foi atrás dando palmadas e cascudos. Cheio de dor o do Conga só corria. A visagem já estava quase agarrando seu pescoço, para enforcar o pescador, quando ele viu um muro alto. Uma parede de mais de três metros de altura. O medo do Malvino era tanto, que ele deu um pulo e conseguiu saltar aquele muro. Caiu do outro lado e torceu o pé. Ficou lá caído, cheio de dor e gritando por socorro. Por sorte a visagem não foi atrás dele. O do Conga ficou um tempo grande pedindo ajuda. Até que apareceu outro pescador que o ajudou a voltar para casa.
O Malvino do Conga nunca mais zombou da Mãozinha-Preta.
ADAPTAÇÃO DE AUGUSTO PESSÔA
MULA SEM CABEÇA
A mula sem cabeça é um cavalo do inferno.
Ela não tem cabeça e solta fogo pelas ventas. As patas parecem de ferro e fazem um barulho danado. Ela tem um relincho alto, que se ouve muito longe e, às vezes, soluça que nem gente.
Corre pelas ruas, num galope alucinado e sai destruindo tudo e todos que impedem seu caminho.
Toda noite de quinta para sexta-feira, ela sai, pela noite, nessa carreira medonha percorrendo sete léguas.
Na verdade, a mula sem cabeça é uma mulher que namorou um padre. Por isso que muita gente também a chama de “burrinha de padre”.
Se você topar com uma mula sem cabeça durante a noite é só esconder o branco do olho, das unhas e dos dentes. A danada, assim como as outras visagens, não consegue ver a gente se não vê os brancos.
Tem também um jeito de acabar com o encanto: é só um camarada bem valente tirar o freio da cabeça da fera que ela volta a ser mulher. Mas o sujeito tem que ficar morando na cidade. Se ele mudar do lugar o encanto volta.
Isso é a mais pura verdade! Aconteceu com uma moça, a Rita de Marambá, que toda noite de quinta para sexta virava o monstro. Todo mundo na cidade sabia que ela tinha namorado o padre. E, na madrugada, ela saia correndo pela cidade. Galopava soltando chispas e dando uns relinchos terríveis para pagar sua sina.
Até que veio morar na cidade um soldado valente. Chamava-se Luís de Lamego e era homem macho até debaixo d´água.
Uma noite, ele topou com a Rita transformada em mula e, com muita coragem, tirou o freio da cabeça do monstro. A mocinha voltou a ser gente e apareceu nua, chorando muito e pedindo perdão por seus pecados.
O soldado Lamego ficou morando um tempo na cidade, mas teve que assentar praça em outra localidade.
A Rita voltou a ser mula e está até hoje galopando pelo lugar, assuntando todo mundo e esperando outro valente para lhe salvar.
Adaptação de Augusto Pessôa
In BÁ E AS VISAGENS
Editora Escrita Fina
MULHER CHEIROSA
A Cheirosa é uma mulher linda que vive nas matas de Marajó. Nas noites de lua cheia, ela captura os homens casados com seu perfume. O casado que é encantado por ela, fica como seu escravo por uns três dias. Ele é obrigado a atender todos os seus desejos e caprichosos. Depois é abandonado, tonto e sem saber direito o que aconteceu.
Dizem que ela era uma mulher francesa casada com um rico fazendeiro português. Os dois viviam um amor bonito, até que o marido se encantou com uma bela mucama. Desesperada, a francesa caiu doente. Quando estava para morrer, jurou que se vingaria de todos os homens. Depois de morta, as suas mucamas preparavam o seu velório, quando viram a francesa, vestida de branco, sair de sua casa e desaparecer na mata. Desse dia em diante, ela virou uma assombração. Virou a Mulher Cheirosa.
O Luís Catulé caiu nos encantos dessa assombração. Ele era um moço forte e bonito casado com a Rita. Numa noite de sexta-feira, ele voltava para casa, quando resolveu cortar caminho pela mata. A lua brilhava cheia e intensa, quando o Catulé sentiu um perfume doce e quente. Diante dele, surgiu uma mulher loura e linda com um vestido branco. Uma visão mágica. O Luís não lembra de mais nada. Foi encontrado três dias depois, todo esfarrapado, fraco e meio estropiado. Todo mundo entendeu que ele foi vítima da Cheirosa. Só a Rita é que não acreditou muito nessa história.
Adaptação de Augusto Pessôa