CONTOS DE
SABEDORIA
NOTA DO SITE:
É muito difícil identificar de onde uma história popular se originou.
A divisão por continentes, países e regiões é para dar uma ideia da disseminação geográfica das narrativas.
A PAZ PROFUNDA
Um Rei, muito sábio, ofereceu um grande prêmio ao artista que fosse capaz de captar, em uma pintura, a Paz Profunda. Muitos artistas começaram a pintar suas telas. Procuravam as cores mais tranquilas, as pinceladas mais suaves, os motivos mais calmantes. Um deles quis pintar o silêncio, mas não conseguiu. Outro quis pintar a brisa suave, mas só conseguiu fazer um furacão. Muitos tentaram retratar a paz das formas mais variadas.
No dia marcado, várias telas foram apresentadas ao Rei. O Monarca olhou atentamente cada uma das obras. Eram realmente belíssimas. Mas ele queria encontrar aquela que representaria a paz. Finalmente, ficou com duas pinturas que mais gostou e tinha que escolher entre elas.
A primeira representava um lago muito tranquilo. Este lago era um espelho magnífico onde se refletiam uma paisagem maravilhosa com árvores, montanhas e as nuvens do céu. Tudo suave, delicado e plácido. Era a visão do paraíso mais perfeito. Todos que olharam para essa pintura, acharam que ela representava perfeitamente a Paz Profunda.
A segunda pintura também tinha montanhas. Mas estas eram cheias de escarpas e sem nenhuma vegetação. Sobre elas, havia um céu onde se armava uma tempestade com uma chuva forte, raios e trovões. Descia pela montanha uma cachoeira agitada com a água batendo em rochas e formando espumas. As pinceladas eram vigorosas e fortes. As cores vibrantes. Nada naquele quadro parecia ter paz.
Quando todos já olhavam com estranheza para aquela obra, o Rei reparou um pequeno detalhe: atrás da cachoeira tinha um arbusto crescendo de uma fenda na rocha. Neste arbusto, um delicado ninho de passarinho. No meio da turbulência da água, o pássaro estava calmamente sentado observando a natureza. Na mais profunda Paz!
O Rei escolheu a segunda tela. Todos ficaram espantados e o sábio monarca explicou:
- A Paz profunda não é estar em um lugar calmo, sem ruídos, sem problemas, livre de dores e de tentações. A Paz profunda é estar calmo e confiante independente do meio que nos cerca.
ADAPTAÇÃO DE AUGUSTO PESSÔA
A CASA DE ESPELHOS
Conto popular japonês
Era uma vez, uma aldeia que ficava distante de tudo. No meio do nada. Tão afastada de tudo, que a maioria dos habitantes do lugar nunca tinha visto um espelho. Não conhecia a magia dos espelhos. Naquele lugarejo os mais velhos falavam sempre sobre uma casa, que ficava um pouco distante e era chamada de Casa de Espelhos. Como na aldeia não existiam espelhos, ninguém sabia direito o que poderia ter naquele lugar.
Na aldeia morava um menino muito feliz. Ele brincava com todo mundo e estava sempre de bom humor. Todos da aldeia gostavam dele. E o menino ouviu tanto a história da Casa de Espelhos, que quis saber o que tinha lá. Com toda sua alegria, ele foi até o lugar. O caminho era comprido e ele andou bastante. Mas foi brincando pelo caminho, admirando a paisagem e cumprimentando quem passava por ele. Dessa forma, o caminho que era comprido ficou curto. Até que ele viu uma casa enorme e muito bonita. Com janelas em toda volta e um jardim fantástico. O garoto achou tudo maravilhoso. Com toda sua alegria, e cheio de curiosidade, ele foi andando, na ponta do pé, até uma das janelas. Ele olhou lá dentro da Casa de Espelhos e viu um monte de meninos sorrindo como ele. O rapazinho acenou e todos os meninos, dentro da casa, também acenaram. Ele não conseguiu falar com nenhum deles, mas voltou mais feliz ainda para sua aldeia. Ao chegar lá, abriu um grande sorriso e contou para todo mundo:
- Fui até a Casa de Espelhos! É um lugar maravilhoso. Uma casa bonita com um jardim fantástico. Dentro da casa vivem muitos meninos felizes. É um paraíso!
Todos ficaram encantados.
Só teve um menino que não gostou. Esse garoto estava sempre de mau humor. Não brincava, não sorria e brigava com todo mundo. O menino zangado não acreditou no outro e disse:
- Duvido que seja assim! Só vendo para crer!
E o zangado foi, com todo seu mau humor, até a Casa de Espelhos. O caminho era comprido e ele foi brigando com todo mundo que encontrava, resmungando e reclamando o tempo todo. Dessa forma, o caminho que era comprido ficou mais comprido ainda. Quando chegou ao lugar, ele viu a grande casa e resmungou:
- A casa nem é tão bonita assim. E esse monte de janelas? Deve dar um trabalhão para limpar.
Com todo esse mau humor, o zangado foi, na ponta do pé, e olhou para dentro da casa por uma das janelas. Lá dentro ele viu um monte de meninos com cara de poucos amigos. O menino zangado não gostou e fez uma careta para eles. E todos os meninos fizeram caretas também. Eram tantas as caretas que o garoto saiu correndo assustado. Ao chegar a sua aldeia, foi logo reclamando com o outro:
- Mentiroso! Naquela casa só tem gente feia e que faz careta! Não gostei mesmo!
Um velho, que ouviu o relato dos dois meninos e conhecia a mágica de um espelho, disse baixinho do alto da sua sabedoria:
- A Casa de Espelhos é como a vida, que olha para gente do jeito que a gente olha para ela.
Adaptação de Augusto Pessôa
UM HOMEM ERUDITO
Conto Budista
Um homem erudito, que tinha conhecimento em vários assuntos, embarcou em um navio para uma longa e perigosa viagem. Um dia, querendo mostrar a sua cultura, ele perguntou a um dos marinheiros:
— Amigo, você já estudou filosofia?
E ele respondeu:
— Não, meu senhor. Sou só um simples marinheiro. Nada sei de filosofia, apenas sei fazer este navio navegar.
O erudito balançou a cabeça e falou com desdém:
— Pobre homem! Desperdiçou metade de sua vida.
No dia seguinte, o erudito perguntou novamente:
— Meu bom homem, você estudou geometria?
E o marinheiro respondeu:
— Não, meu senhor, sou só um simples marinheiro. Só sei içar as velas e conduzir o navio.
O erudito balançou novamente a cabeça e falou com desdém:
— Pobre homem! Desperdiçou metade de sua vida.
Todos os dias, ele perguntava ao marinheiro sobre ciências e conhecimentos. E a resposta era sempre a mesma:
— Não, senhor, sou só um simples marinheiro.
E o erudito sempre balançava a cabeça com ar de reprovação e dizia com desdém:
— Pobre homem! Desperdiçou metade de sua vida.
Uma noite, caiu uma grande tempestade. O erudito ficou apavorado. As ondas batiam com violência. A situação estava terrível. O casco da embarcação estava rachando. E o marinheiro perguntou ao erudito:
— O senhor estudou nadologia?
O erudito balançou a cabeça negativamente e o marinheiro falou:
— Pobre homem. O senhor desperdiçou toda a sua vida. O navio está afundando.
Adaptação de Augusto Pessôa
SETE SÁBIOS CEGOS
Sete sábios, cada um de uma religião, discutiam qual deles conhecia, realmente, a verdade. Um rei muito sábio, que observava a discussão, aproximou-se e perguntou:
— O que vocês estão discutindo?
— Estamos tentando descobrir qual de nós é dono da verdade.
Ao escutar isso, o rei, imediatamente, pediu a um de seus servos que trouxesse sete cegos e um elefante até o seu castelo. Quando os cegos e o elefante chegaram ao palácio, o rei mandou chamar os sete sábios e pediu-lhes que observassem o que aconteceria a seguir. O sábio rei pediu aos cegos que tocassem o elefante e o descrevessem, um de cada vez.
O primeiro cego tocou a tromba do elefante e disse:
— É comprido, parece uma serpente.
O segundo tocou-o no dente e disse:
— É duro, parece uma pedra.
O terceiro segurou-lhe o rabo e disse:
— É cheio de cordinhas.
O quarto pegou na orelha e disse:
— Parece um couro bem grosso.
E assim, sucessivamente, cada cego descreveu o elefante de acordo com a parte dele que estava tocando. Quando todos terminaram de descrever o animal, o rei perguntou aos sete sábios:
— Algum desses cegos mentiu?
— Não! - responderam os sábios em coro – Todos falaram a verdade.
Então, o rei perguntou:
— Mas algum deles disse que é um elefante?
— Não, nenhum cego disse que é um elefante, mesmo porque cada um tocou apenas uma parte dele - disse um dos sábios.
— Vocês, sábios, que estão discutindo quem é dono da verdade, parecem cegos. Todos estão falando a verdade, mas, como os sete cegos, cada um se refere apenas a uma parte dela – disse o sábio rei, concluindo: - Ninguém é dono da verdade, porque ninguém a detém por inteiro. Somos donos apenas de parte da verdade.
Adaptação Augusto Pessôa
A GRANDE ÁRVORE DOS DESEJOS
Um homem andava por uma floresta. Ele estava cansado e resolveu sentar a sombra de uma árvore enorme. Ele não sabia que aquela era a Grande Árvore dos Desejos. O homem olhou para aquele belo lugar e, sem perceber, disse em voz alta:
- Esse lugar é lindo! Quero uma casa grande e confortável nesse lugar!
Do nada, surgiu, na sua frente, uma casa espaçosa. O homem ficou espantado, mas disse:
- Que casa maravilhosa! Quero morar nessa mansão com uma linda mulher que será minha esposa!
E surgiu uma bela mulher que o chamou de marido. O homem ficou feliz, mas estava com fome e disse:
- Quero uma grande ceia cheia de delícias e iguarias.
Num instante, surgiu na sua frente uma mesa com um delicioso banquete. O homem gostou, mas estava cansado e disse:
- Estou com preguiça. Eu quero um escravo para servir a comida.
Apareceu um escravo que o serviu humildemente. Enquanto comia o homem olhou para a árvore e disse:
- Essa árvore parece coisa do inferno! Vai aparecer um demônio!
E surgiu um diabo feio e chifrudo com garras compridas. O homem ficou assustado e disse:
- Esse demônio vai me devorar!
E árvore atendeu o seu desejo.
Adaptação de Augusto Pessôa
O VELHO MESTRE
Um jovem acabou seus ensinamentos espirituais e queria discípulos para ensinar. Não conseguiu ninguém na sua cidade e foi para outro lugar. Só que essa nova cidade já tinha um velho e sábio mestre.
O rapaz teve uma ideia. Pegou um pequeno passarinho e o prendeu na mão. Foi até o velho mestre e perguntou:
- Meu senhor, quero tirar uma dúvida: tenho nessa mão um passarinho. Ele está vivo ou morto? Onde está a verdade?
Se o mestre respondesse que a ave estava morta, o rapaz abriria a mão e deixaria o passarinho voar. E se o mestre dissesse que estava vivo, o jovem apertaria a mão e o esmagaria. Dessa forma o velho mestre ficaria desmoralizado diante de seus discípulos. O velho sábio olhou para o rapaz e disse com um leve sorriso:
- Meu jovem, essa verdade depende só de você.
Adaptação de Augusto Pessôa
SÓ DE PASSAGEM
Um homem fez uma viagem muito longa para encontrar um velho e sábio mestre. Foi até a casa daquele homem iluminado. Mas ficou espantado ao ver que ele morava em um quarto pequeno, cheio de livros, mas só com uma cadeira velha. O homem perguntou:
- Mestre, onde estão seus móveis, suas roupas e os seus objetos?
Sentado na cadeira o velho sábio quis saber:
- E onde estão os seus?
O homem respondeu:
- Os meus estão em minha casa. Estou aqui só de passagem.
O mestre deu um leve sorriso e concluiu:
- Eu também.
Adaptação de Augusto Pessôa
NASRUDIN E OS TIGRES
Certa vez, Nasrudin estava no jardim de sua casa jogando migalhas e farelos de pão em volta dos canteiros de flores. O seu vizinho viu, estranhou e perguntou:
- Por que está fazendo isso?
Sem parar seu trabalho, Nasrudin respondeu:
- É para afugentar os tigres!
O vizinho ficou mais espantado:
- Tigres? Mas não tem tigre por aqui!
E Nasrudin concluiu:
- Viu como dá certo?
Adaptação de Augusto Pessôa
NASRUDIN E A PESTE
A Peste caminhava para Bagdá quando encontrou Nasrudin. E ele perguntou:
- Aonde você vai?
A Peste respondeu:
- Vou a Bagdá. Tenho que matar dez mil pessoas.
Depois de um tempo, a Peste voltou a encontrar com Nasrudin. Mas ele estava muito zangado e disse:
- Peste, você mentiu! Disse que mataria dez mil pessoas e matou cem mil!
E a Peste respondeu:
- Eu não menti, matei dez mil. O resto morreu de medo.
Adaptação de Augusto Pessôa
PERDIDO
Um rico homem de negócios, morador da Cidade Nova, estava viajando para participar de uma reunião na Cidade Velha. Resolveu cortar caminho e saiu da estrada principal. Mas ele terminou se perdendo. Até que viu um lavrador que trabalhava num roçado. O rico parou o carro e perguntou ao trabalhador:
— Bom dia, meu amigo! Eu estou perdido. Você sabe me dizer como eu chego na Cidade Velha?
O lavrador parou seu trabalho e respondeu:
— Não sei dizer...
E o rico fez outra pergunta:
— E para voltar a Cidade Nova? Sabe como devo fazer?
E o homem do campo respondeu novamente:
— Não sei dizer...
O homem de negócios já estava ficando irritado, mas tentou mais uma vez:
— E para chegar até a estrada principal? Essa você sabe?
— Não sei dizer...
O homem rico, ficou totalmente irritado e falou com impaciência de uma forma meio grosseira:
— Parece que você não sabe muita coisa, não é?
E o lavrador respondeu:
— É... Mas eu não estou perdido...
Adaptação de Augusto Pessôa
O DEUS DO MAL
O deus do mal andava com seus discípulos, quando viu um homem com o rosto iluminado. O homem parecia caminhar em transe, como se tivesse encontrado algo muito importante e significativo. Algo que mudaria a sua vida. Um dos discípulos perguntou ao deus:
- Senhor, veja aquele homem! O que ele encontrou?
- Uma verdade - respondeu o deus.
O outro insistiu:
- E isso não o incomoda, meu senhor? Não incomoda que alguém encontre uma verdade?
O deus respondeu:
- Por que me incomodaria? Ele logo vai transformar em uma crença.
Adaptação de Augusto Pessôa
COM ELA EM SEUS BRAÇOS
Dois monges caminhavam para o mosteiro. Eles precisavam atravessar um rio caudaloso. Estavam nessa, quando viram uma jovem que também tentava passar por aquelas águas agitadas. Mas ela não estava conseguindo. Então, um dos monges pegou a moça no colo e, com ela em seus braços, levou a jovem em total segurança até a outra margem. Quando estava segura em terra firme, a moça agradeceu e seguiu seu caminho. Os dois monges também continuaram caminhando, em silêncio, durante algum tempo. Mas o monge, que atravessou o rio sozinho, parecia inquieto e zangado. Ele não se aguentou e perguntou ao outro:
- Como você fez aquele ato absurdo? Não sabe que nós monges não podemos tocar uma mulher jovem? Você entende que desobedeceu a uma regra importante e desrespeitou seus votos sagrados?
O outro monge, com muita calma, respondeu:
- Irmão, eu deixei aquela jovem mulher na margem do rio. Você ainda está com ela em seus braços.
Adaptação de Augusto Pessôa
COMO MUDAR O MUNDO
Era uma vez, um sábio que vivia preocupado com o mundo. Ele queria muito encontrar meios de resolver todos os problemas do planeta. Passava dias e dias no seu laboratório procurando respostas entre seus livros e guardados.
Um dia, o seu filho caçula, que tinha só sete anos, quis ajudar o pai. O grande sábio não queria que o pequeno atrapalhasse suas pesquisas e teve uma ideia: inventou uma forma do menino ficar entretido por muito tempo. O homem olhou para o pequeno e perguntou:
— Você quer me ajudar?
— Sim – respondeu o menino.
— Então você vai resolver esse quebra-cabeças!
O sábio pegou uma folha com um mapa do mundo. Cortou a folha em vários pedaços e deu para o menino dizendo:
— Meu filho, você vai me ajudar a resolver os problemas do mundo! Aqui está o mundo todo partido. Você tem que arrumar tudo para que ele fique bem outra vez! Quando você terminar, mostre para mim. Certo?
O sábio acreditava que o menino levaria dias para resolver o quebra-cabeças. Afinal de contas o caçula nunca tinha visto aquela imagem completa.
Mas não demorou muito e o menino chamou o pai:
— Pai! Pai! Já resolvi tudo! Consegui consertar o mundo!
O sábio não acreditou. Achou que o menino estava brincando. Ele não podia conseguir montar o quebra-cabeças, de uma imagem que ele nunca tinha visto antes, em tão pouco tempo. O homem apenas levantou os olhos dos seus estudos para ver o trabalho do filho. Mas, para sua surpresa, ele viu o mapa completamente montado, sem nenhum erro. De boca aberta o sábio perguntou ao filho como é que ele tinha conseguido resolver aquilo. E o menino respondeu:
— Pai, eu não sabia como era o mundo. Mas quando você cortou o papel, eu vi que, do outro lado da página, tinha uma figura de um homem. Quando você me deu o mundo para eu consertar, eu tentei, mas não consegui. Foi aí que me lembrei do homem. Virei os pedaços de papel ao contrário e comecei a consertar o homem que eu sabia como era. Quando consegui consertar o homem, virei a folha e vi que tinha consertado o mundo.
Adaptação de Augusto Pessôa
AS QUATRO BOLAS
Era uma vez um homem que tinha quatro filhos. Os rapazes cresceram e o pai começou a ficar preocupado. Percebeu que cada filho tinha um jeito e um temperamento muito diferente dos outros. O mais velho era preguiçoso. O segundo era teimoso. O terceiro era inteligente, habilidoso e trabalhador. O quarto era violento e desonesto.
Espantado com tamanha diferença de temperamentos, o homem foi procurar um sábio e pediu um conselho:
— Tenho quatro filhos, senhor. Foram criados e educados por mim da mesma forma. Os mesmos exemplos e ensinamentos. E agora que eles estão crescidos, o que vejo? Cada um tem um temperamento totalmente diferente dos outros. Como se explica isso, sábio?
O sábio levou o homem a uma sala grande. Essa sala tinha apenas uma mesa quadrada de ferro muito simples. Sobre a mesa estavam colocadas quatro bolas escuras. E o sábio, com voz tranquila, falou para o homem:
— Está vendo aquelas quatro bolas? Observe com atenção. São rigorosamente iguais na forma, no tamanho e na cor. Não acha?
O velho pai concordou e o sábio continuou:
— Mas as aparências enganam. Jogue cada uma dessas bolas na parede. Uma de cada vez. Tente usar a mesma força e o mesmo impulso para cada uma delas.
Sem entender direito o pai atirou a primeira bola que bateu na parede, se achatou e caiu sem forma no chão. O homem arremessou a segunda bola que ficou pregada na parede e não se desprendeu mais. A terceira bola bateu na parede deu um salto e voltou para mão do homem de forma perfeita. Quando a quarta bola bateu na parede deu um estalo forte e quebrou em vários pedaços. O velho pai continuava sem entender nada e o sábio explicou:
— Essas quatro bolas são como os seus filhos. Eles parecem iguais, mas cada um deles tem um temperamento. A primeira bola, que bateu na parede e caiu como se perdesse a forma, é o filho preguiçoso. A segunda bola que ficou grudada na parede é o filho teimoso. A terceira bola é o filho prestativo que salta para voltar às mãos do pai e servir de novo. E a quarta bola é o filho violento. As pessoas são diferentes mesmo sendo criadas da mesma forma e no mesmo lugar. Assim é a vida.
O velho pai compreendeu. E acabou a história.
ADAPTAÇÃO DE AUGUSTO PESSÔA
PERGUNTAS
Um velho mestre vivia dizendo a seus discípulos que buscassem, eles mesmos, as respostas para suas dúvidas. Mas não adiantava nada. Os jovens alunos sempre chegavam esperando que o mestre resolvesse suas dúvidas e problemas.
Um dia, já cansado daquilo, o velho sábio colocou um cartaz na porta de casa onde estava escrito:
RESPONDO DUAS PERGUNTAS POR CEM MOEDAS.
Então, um de seus discípulos o procurou dizendo que tinha duas questões muito importantes. O jovem contou as cem moedas. Entregou ao mestre, mas disse um pouco contrariado:
- Mestre, não acha meio caro cem moedas para apenas duas perguntas?
E o mestre respondeu:
- Sim! É caro! E qual é a segunda pergunta?
Adaptação de Augusto Pessôa
OS TRÊS CONSELHOS
Um rapaz muito pobre casou, mas, para ganhar dinheiro e sustentar sua família, teve de ir trabalhar e morar num lugar muito longe. Ele pediu ao patrão que guardasse todo dinheiro do seu pagamento.
Depois de quatro anos, já tinha um bom dinheiro guardado e resolveu voltar para casa. O patrão disse:
– O que prefere, meu amigo: três bons conselhos, que servirão para toda a vida, ou o seu dinheiro?
E o rapaz respondeu:
– O dinheiro é importante para sustentar minha esposa e os filhos que devem vir.
E o patrão continuou:
– Mas os ladrões podem roubar tudo e ainda podem matar você.
O rapaz pensou um pouco e decidiu:
– Prefiro os conselhos.
O patrão, que era um bom homem, ficou satisfeito e disse:
– O primeiro conselho é que nunca pegue atalhos. Siga sempre pela estrada principal.
O rapaz ouviu o conselho e o patrão continuou:
– O segundo, é que nunca peça dormida em casa de homem velho casado com mulher nova. E o terceiro: nunca tome uma atitude pelas primeiras impressões.
O rapaz guardou na memória aqueles três conselhos. Quando ele já ia saindo, a dona da casa ofereceu um bolo para a viagem. Mas a mulher sugeriu que ele só comesse a merenda em casa com sua esposa.
O rapaz seguiu viagem.
No caminho, ele encontrou viajantes que levavam produtos para vender na cidade. O rapaz se juntou ao grupo. Até que chegaram num ponto da estrada, onde um dos viajantes sugeriu cortar caminho por um pequeno atalho. Imediatamente, o rapaz lembrou do conselho do patrão e continuou pela estrada principal.
Quando chegou na cidade, viu o grupo de viajantes desesperado. Eles encontraram ladrões, no tal atalho, que roubaram tudo e ainda os espancaram. Pensou o moço:
– Já valeu o primeiro conselho.
Seguiu o seu caminho.
Até que ele chegou, já de noite, a uma venda onde foi tomar uma bebida. O rapaz estava cansado e pensou em dormir por lá, mas viu que o dono do estabelecimento era um velho muito velho. E a mulher dele era moça toda faceira e dengosa. O jovem lembrou do segundo conselho e foi embora.
Mais tarde, quando chegou numa pequena vila, soube que a polícia estava atrás do assassino do homem velho da venda. O bandido fugiu com a mulher faceira depois de matar o idoso. E o rapaz murmurou:
– O segundo conselho me salvou...
E ele foi andando para casa.
Quando chegou, foi se aproximando da porta e viu, dentro de casa, um jovem homem que ele não conhecia. Esse rapaz estava sentado e conversava, cheio de intimidade, com a sua mulher. O seu primeiro impulso foi matar com os dois naquele instante. Mas lembrou do terceiro conselho, respirou fundo e entrou em casa tranquilo. A mulher, quando viu o seu marido, ficou muito feliz e disse:
– Meu querido! Quantas saudades!
Ela apontou para o rapaz sentado e falou:
- Eu quero apresentar o meu irmão, que chegou hoje de uma longa viagem. Uma viagem de mais de dez anos. Vocês nem se conheciam. Como estou feliz! Meu amado esposo e meu irmão aqui em casa!
O lugar ficou cheio de alegria. Na hora do jantar, o rapaz partiu o bolo que a patroa deu. Dentro da merenda, ele encontrou todo o dinheiro que tinha economizado por tanto tempo.
E é assim, ainda existem pessoas que fazem o bem.
Adaptação de Augusto Pessôa