CONTOS
DOS POVOS ORIGINÁRIOS
A ORIGEM DA LAVOURA
A princípio a Terra não era boa nem farta. Não tinha peixes nas águas, animais nos matos e pássaros nos céus. Não se conhecia o fogo. Não existiam frutos e legumes. Os povos alimentavam-se de farelo de palmeira em decomposição, de lagartas e orelhas-de-pau. Certo dia, um jovem, andando pelo mato, viu sentada no seu caminho uma linda moça.
- Quem é você? De onde veio? - perguntou ele.
- Vim do céu - respondeu ela - Meu pai e minha mãe ralharam comigo, e vim embora, descendo com a chuva....
Como todo mundo tinha descido do céu, embora por outro caminho, o rapaz não duvidou daquelas palavras e muito se alegrou com a ideia de encontrar uma moça bonita para ser sua noiva. A moça era acanhada e mostrava receio de encontrar-se com as outras pessoas. Por isso, ambos esperaram que o dia fosse embora e, sob a cortina da noite, chegaram na casa da mãe do rapaz, onde, sem que ninguém visse, o rapaz escondeu a moça num enorme cesto de palha cuja boca fechou com cera. Assim, ela passava os dias escondida, esperando a noite, quando o namorado vinha e a fazia sair do grande cesto. Mas a mãe do rapaz ficou curiosa em saber o que tinha dentro daquele cesto e descobriu ali a filha do céu. Quando a história foi revelada, o rapaz abriu o cesto de palha em plena luz do dia. Mas a menina não queria sair de lá. Baixou a cabeça e custou a levantar. Todos admiraram a beleza da filha do céu, a fizeram sair de dentro do cesto e trataram de enfeitá-la com a cabeça raspada no alto e o corpo pintado de urucum e jenipapo.
A moça gostava de falar do céu e da fartura de frutos e legumes. Certo dia, queixou-se ao marido de que estava enjoada de comer lagartas e manifestou o desejo de voltar ao céu, a fim de trazer algumas sementes. Ensinou como ele devia fazer uma roçada, limpando a terra e preparando-a para receber as sementes trazidas do céu. De manhã, dirigiram-se os dois ao campo onde a filha do céu indicou uma árvore alta e flexível. Subiram até o último galho, e o peso de ambos fez que o tronco vergasse até o chão.
- Pule! - mandou a moça.
Ele pulou e a árvore se esticou novamente levando a bela jovem para o seu lar. Seu marido fez a roçada e um dia encontrou a moça sentada no meio dela, cercada de mudas de bananeira, de batatas e inhames. Do céu, nessa mesma ocasião, veio o primeiro beiju, embrulhado em folhas de bananeira, em forma de estrela.
A bela fez uma nova viagem ao céu para mostrar aos pais o filho que lhe nascera aqui na Terra. Subiu por uma altíssima casa de cupim. Depois de criado o menino, a mãe tornou a subir para o céu, mas de lá nunca mais voltou.
Os povos da Terra continuaram fazendo suas roçadas, ano após ano, cabendo às mulheres plantar a terra preparada. E, quando fazem seus beijus, ainda arranjam as folhas de bananeira em forma de estrela, como a Mãe da Lavoura e Filha do Céu ensinou a fazer.
Adaptação de Augusto Pessôa
ORIGEM DO RIO AMAZONAS
Há muitos anos, a Lua e o Sol se apaixonaram. O Sol ficou encantado pela beleza da Lua e a iluminava de paixão. A Lua ficou sonhando com o calor do Sol e chorava baixinho querendo se aproximar do seu amado. Era um amor bonito que dava gosto de ver. Mas eles se amavam a distância. O Sol, então, mandou os passarinhos pedirem a Lua em casamento. Aquela revoada de pássaros fez um vôo fantástico até encontrar com a Lua. Chegaram e pediram a Lua em casamento numa linda canção. A Lua ficou cheia de alegria. O casamento foi marcado e o céu se enfeitou. As estrelas brilharam ainda mais e as nuvens criaram desenhos no firmamento. Seria uma festança que duraria um ano inteiro. Mas o mar não gostou e avisou aos noivos:
- O casamento de vocês não pode acontecer! Esse encontro vai destruir o mundo. O amor ardente do Sol vai queimar tudo e a Lua com as suas lágrimas inundaria toda a Terra. Por isso não podem se casar. A Lua apagaria o fogo e o Sol evaporaria a água.
A Lua não se importou com isso. Queria casar de qualquer jeito. Estava completamente apaixonada. Mas o Sol ficou com medo. Amava muito a Lua, mas não queria destruir o mundo. Separaram-se, então, a Lua para um lado e o Sol para o outro. Quando a Lua começava a aparecer no céu, o Sol ia embora. A Lua ainda tentou convencer o Sol. Mas não deu jeito. E ela tenta até hoje. E é por isso que, de vez em quando, a Lua e o Sol ficam juntos no céu. Mas aí tudo escurece e o Sol foge de sua amada.
Na primeira separação, a Lua chorou todo o dia e toda a noite. Foi então que as lágrimas correram por cima da Terra até o mar. Mas o mar estava zangado com a Lua e não deixou que as lágrimas se misturassem com as suas águas. E o mar ainda tenta acabar com as lágrimas da lua com um estrondo forte que os povos chamam de pororoca.
As lágrimas da Lua é que deram origem ao nosso rio Amazonas.
Adaptação de Augusto Pessôa
COMO SURGIU A ERVA-MATE
Conta uma lenda, muito antiga, que os guerreiros de uma tribo tinham partido para a guerra. Um homem, por ser muito velho, teve que ficar. E ele ficou revoltado com isso, chorando no alto da colina, vendo os jovens guerreiros que partiam. O velho lembrava quando era um forte e valente guerreiro. E a sua tristeza aumentava cada vez mais.
A sua única alegria era sua filha que se chamava Iari. Era uma jovem muito bela, mas recusava todos os pedidos de casamento, porque queria ficar ao lado do velho pai.
Um dia, chegou à oca do velho um viajante estranho. Ele tinha roupas coloridas e olhos que brilhavam como o azul do céu. O velho logo percebeu que o homem vinha de muito longe. Pai e filha receberam o estranho muito bem. Iari ofereceu os melhores frutos e o mel mais doce. O velho contou suas façanhas de juventude com riqueza de detalhes. Tudo era feito para agradar o estrangeiro.
No dia seguinte, com o nascer do sol, o homem já estava pronto para partir. O viajante falou para o velho:
- Você é um homem bom. E a sua bondade merece ser premiada. Eu sou um mensageiro de Tupã. Você pode pedir o que quiser que será seu.
O velho homem coçou a cabeça e respondeu:
- Meu amigo, nada mereço pelo que fiz! Mas gostaria de uma força para a minha velhice. Minha filha cuida de mim, mas se eu tivesse novamente forças, ela poderia casar e formar sua própria família. É só o que eu peço: uma força para que eu tenha novamente ânimo.
O mensageiro de Tupã sorriu. Ele tinha entre as mãos uma planta com folhagens verdes. O viajante entregou a planta ao velho e disse:
- Plante essa folhagem e deixe crescer. Você vai fazer ferver as folhas e beber o chá. Fazendo isso vai ter a força que tanto deseja. Esta erva tem a força do próprio Tupã. Ela trará energia para todos os homens da tribo. E sua filha Iari será, a partir de hoje, a protetora das florestas. E vai mostrar o mate para todo mundo.
E desde então, Caá-Iari, como ficou conhecida a filha do velho, é senhora dos ervais e deusa dos ervateiros.
Em seguida, o homem partiu. Tinha dito a verdade: o velho guerreiro recuperou as forças perdidas e nunca mais passaram necessidade. Entretanto, Iari vivia preocupada com o pedido do estranho. Ele queria que ela tornasse o mate conhecido. Mas como? Estavam tão longe de tudo que ali não aparecia ninguém! Ela não sabia o que fazer. Ela e o pai saíram pela floresta para espalhar a notícia para todo mundo.
COMO SURGIU A NOITE
Num tempo já esquecido, o dia não tinha fim. O sol ficava o tempo todo iluminando a floresta. Os homens eram obrigados a dormir no claro. Estavam cansados disso e desejavam um pouco de escuridão para conseguirem dormir melhor.
Mas o sol não deixava de iluminar o eterno dia.
Foi quando um velho, que veio de muito longe, contou que tinha visto um monstro que guardava dois grandes potes. Os potes eram pretos e estavam cheios de escuridão.
Os homens imaginaram que a noite tão desejada poderia estar trancada nesses potes. E resolveram ir pegar a noite.
No dia seguinte, um grupo saiu para ir ao local indicado pelo velho. Andaram bastante até que viram o mostro dormindo ao lado dos potes. Quando se aproximaram, escutaram o barulho que vinha de dentro daquelas vasilhas: o som das corujas, dos macacos noturnos, dos grilos, das rãs e dos sapos do brejo e de todos os seres que vivem na noite. O grupo usando arco e flechas conseguiram quebrar o pote menor. De dentro daquela vasilha saiu a noite com todos os seus bichos. Os homens saíram correndo. Chegaram nas ocas e aproveitaram a escuridão para dormir um pouco. Mas a noite que saiu do pote pequeno não durou muito. Era curta. Não dava para descansar quase nada.
Os homens resolveram voltar e quebrar o pote maior. Dois jovens foram incumbidos de realizar a tarefa, pois eram grandes arqueiros. Os dois rapazes convidaram o Urutau para acompanha-los. Mas aconselharam ao pássaro que corresse bem depressa, porque essa noite era maior e podia pegá-los de jeito. Os três chegaram ao local onde o monstro ainda dormia e com a habilidade dos arcos quebraram o pote maior. Saiu de lá uma noite que não tinha mais fim. Os três fugiram em disparada. Mas Urutau tropeçou num cipó e caiu. Foi logo alcançado pela imensa escuridão. Por isso, até hoje, o Urutau é uma ave noturna.
E foi assim que surgiu a noite.
ADAPTAÇÃO DE AUGUSTO PESSÔA
COMO APARECEU A REDE DE DORMIR
Antigamente não existiam redes de dormir.
Homens e mulheres dormiam no chão por cima das folhas, ou pendurados em árvores.
Um pajé chamado Tamaquaré, ia se casar e não queria mais dormir no chão como os homens. Tinha medo de que os animais o machucassem. Também não queria dormir no alto das árvores, porque tinha medo de cair de lá com sua mulher.
Ele resolver falar com o tucano para ver se ele arrumava uma solução.
O pássaro, nessa época, tinha o bico curto e falava pelos cotovelos. Tamaquaré encontrou com ele e pediu:
- Tucano, vou me casar, mas não quero mais dormir no chão e nem pendurado. O senhor pode me ajudar a resolver esse problema?
O tucano pensou muito. Até que teve uma ideia: pegou um monte de cipós e começou a trançar. Depois de trançar bastante aquilo ficou bonito de dar gosto de olhar. O tucano amarrou o trançado entre duas árvores e chamou o pajé. Tamaquaré ficou satisfeito, mas disse ao tucano:
- Gostei muito do seu trabalho! Mas não quero que ninguém saiba como eu consegui esse trançado. Você entendeu? Não conte para ninguém, se não eu vou me zangar com você!
O tucano ficou quieto por um tempo.
No dia do casamento de Tamaquaré houve uma festança danada. O tucano estava animado e orgulhoso. Comeu e bebeu tudo que podia. No meio da festança o pássaro disse bem alto:
- O pajé se casou! E ele não vai dormir no chão como os outros! Vai dormir na rede que eu fiz! Vai dormir bem confortável!
Disse o que disse e mostrou a rede. Todo mundo ficou encantado com aquilo. Mas Tamaquaré se aborreceu. Cuspiu no chão com raiva. Pegou o tucano pelo bico e começou a puxar. Puxou com força e ainda disse:
- Agora, você vai ficar com esse bico comprido para deixar de ser linguarudo. Não vai mais falar e ainda vai voar curto para aprender!
Desde esse tempo, os homens passaram a usar redes para dormir. E o tucano ficou com aquele bicão, falando um nhé-nhé-nhé e voando pequeno.
Adaptação de Augusto Pessôa
COMO O CÉU SE AFASTOU DA TERRA
Num tempo muito antigo, o céu ficava tão pertinho da Terra que os homens e os bichos andavam no meio das nuvens e das estrelas. Os curumins brincavam no algodão das nuvens e os namorados trocavam juras de amor ao lado da lua.
Estava todo mundo satisfeito com esse céu tão pertinho da terra.
Menos os passarinhos. Eles queriam voar livremente, subir muito alto e, do jeito que estava, só podiam dar voos curtos. Fizeram uma reunião para resolver o problema. O morcego também foi convidado.
No dia da reunião, os passarinhos estavam em festa. Veio pássaro de todos os lados e de tudo que é tipo: juriti, urubu, sabiá, papagaio e muito mais. A discussão estava animada, até que veio do papagaio a ideia:
- Porque a gente não se junta e levanta o céu?
Houve um espanto pela proposta e um grande silêncio se formou. Logo em seguida os pássaros começaram a gritar festejando a ideia. Só o morcego não gostou:
- Não quero participar disso. Vou continuar a dormir de cabeça para baixo.
No dia marcado, todos os pássaros se reuniram e num esforço conjunto começaram a empurrar o céu para cima. E o azul celeste foi subindo, foi subindo. Junto com ele as nuvens, o sol, a lua, as estrelas e todos os corpos celestes. O céu ficou tão alto que ninguém conseguia pegar no sol e nem brincar com as estrelas. Podiam subir na mais alta árvore e no pico da maior montanha que não alcançavam mais o céu.
Os pássaros em festa voavam em todas as direções. Os homens é que não gostaram muito. Eles apreciavam ter os corpos celestes por perto. Ficaram mesmo zangados. E é por isso que, até hoje, homens e pássaros não se dão muito bem.
E o morcego?
O morcego continua a dormir pendurado pelos pés, de cabeça para baixo.
Adaptação de Augusto Pessôa
COMO SURGIRAM OS HOMENS
Existem várias lendas sobre como os homens surgiram na terra uma delas é essa:
A floresta era deserta.
Nem uma aldeia, nem uma rede pendurada, nem uma fogueira, nem uma cabana, nem famílias, nem roçado. O dia nascia, mas só iluminava o vazio. Só dava luz à solidão. Os pássaros voavam e só pousavam nos galhos das árvores. Nem um telhado, nem uma palha trançada. Os peixes nadavam nos rios sem uma canoa como companhia.
Até que surgiu o primeiro dos homens. Era jovem e belo e corria livre pela mata. Era amigo das matas e dos animais. Caçava só para comer, nadava com os peixes do rio, dormia com os macacos, sonhava com os pássaros. Tinha tudo para ser feliz. Mas o homem começou a ficar triste. Sentia uma grande solidão. Via que os animais tinham companheiros e ele vivia sozinho. O jovem queria ter uma companheira e seres iguais a ele para conversar.
Um dia, o rapaz foi conversar com sua amiga onça e contou sua tristeza:
- Queria tanto uma companheira. Queria muito correr, conversar e brincar com outros parecidos comigo.
A onça ouviu, em silêncio, o lamento do amigo. Pensou bastante e resolveu contar o segredo de como o jovem poderia ter seus companheiros. A onça disse com cuidado nos ouvidos do nosso herói o grande segredo. O segredo da criação dos homens.
O homem ficou feliz com a descoberta e logo começou a trabalhar como a onça ensinou. Foi até a mata e cortou árvores fazendo grossas toras. Pegou um grande pilão e socou as toras nele. Depois passou pimenta, fincou as toras num descampado e esperou a noite chegar. Quando anoiteceu, fez uma fogueira ao redor de cada uma das toras.
Mas nada aconteceu. Ninguém apareceu. E nosso herói chorou muito.
Mesmo assim, ele não desistiu. Talvez tivesse errado no tipo de árvore que cortou. Voltou para a floresta e cortou toras de outra árvore. E fez tudo como na primeira vez: socou as toras no pilão, passou pimenta e fincou todas no descampado. Quando anoiteceu, acendeu uma fogueira em volta de cada tora. Novamente a madeira não se transformou em gente. E o herói mais uma vez chorou. Foi um choro tão sofrido, tão grande, que o coitado adormeceu ali mesmo.
No meio do descampado, as toras continuavam fincadas no chão.
Quando o sol foi nascendo devagar e acertando seus raios em cada uma das toras elas se transformaram. Um a um foram virando gente. Com o calor do sol, os novos homens despertaram e viveram. Eram tão belos e jovens que todos os animais fizeram uma festa para homenagea-los. E nosso herói viu com alegria o surgimento dos seus companheiros. Ele trocou olhares com uma bela jovem e os dois se apaixonaram.
Logo toda a terra estava povoada.
E até hoje, no alto Xingú, o povo dança comemorando esse dia.
Adaptação de Augusto Pessôa
LENDA DA CRIAÇÃO DO MUNDO
Os homens viviam dentro do furo das pedras. No principio dos tempos, eles não conheciam a Terra. Viviam dentro das rochas. Eram felizes e tinham vida eterna. Eles só morriam quando ficavam cansados de viver.
Um dia, eles decidiram que era hora de sair e conhecer o mundo. Foram todos saindo dos furos. Só um deles não conseguiu sair porque estava gordinho.
Na Terra era uma escuridão sem fim. Os homnes corriam para todos os lados conhecendo o mundo. Comeram frutas que eles não conheciam.
Até que um dia, ficaram com pena daquele que ficou nas pedras e levaram as frutas mais saborosas para ele e um galho seco. Ao ver o galho, o índio da pedra falou:
- Esse lugar que vocês andam não é bom. As coisas envelhecem e morrem. Não quero ir para esse lugar onde tudo envelhece. Vou ficar por aqui mesmo. E vocês deviam fazer o mesmo!
Mas os outros não deram atenção para as palavras dele e continuaram a conhecer a terra.
Um jovem rapaz, junto com sua amada, andava procurando alimento. Como tudo estava escuro, a mulher feriu as mãos em espinhos quando tentava colher frutas. O rapaz, naquela escuridão danada, comeu mandioca brava. Sentindo muitas dores, ele deitou e parecia que estava morto. Vários urubus começaram a voar em volta do rapaz achando que ele tinha morrido. Até que um deles disse:
- Eu acho que ele não está morto. Ainda está se mexendo...
Mas outro urubu falou:
- Está se mexendo nada! Ele está é bem morto!
Começou uma confusão danada. Uns achavam que o rapaz estava morto e outros diziam que não.
Para acabar com essa dúvida foi chamado o urubu-rei que era o mais sábio de todos. O grande pássaro de bico vermelho veio voando, flanando pelo céu, se aproximou e começou a observar o rapaz. Até que declarou:
- Esse rapaz está morto!
E pousou na barriga do jovem. Mas o rapaz, que só fingia que estava morto, agarrou com força as pernas do urubu. O pássaro de bico vermelho esperneou, debateu-se, mas não conseguiu se libertar. E o rapaz mandou:
- Quero o mais belo dos enfeites!
E o urubu-rei trouxe as estrelas no céu que piscavam sem parar. Os enfeites eram belos, mas o mundo continuava escuro. E o rapaz pediu mais:
- Quero outro enfeite!
O urubu-rei trouxe a lua com sua luz prateada. Mas a Terra continuava escura. E o rapaz pediu ainda mais:
- Ainda está tudo escuro! Quero outro enfeite! Quero um enfeite mais brilhante!
Então o urubu-rei trouxe o sol que encheu de luz e calor toda a floresta.
O rapaz ficou satisfeito e a grande ave ensinou ao índio qual era a utilidade de cada uma das coisas.
Feliz da vida, o rapaz libertou o sábio pássaro.
O urubu-rei já voava alto e só então o jovem perguntou qual o segredo da juventude eterna. Lá do alto, a ave disse o segredo. Mas voava tão alto, que quase ninguém ouviu o segredo. Só quem ouviu foram as árvores e os animais. E por não ter ouvido o segredo, até hoje todos os homens envelhecem e morrem.
Adaptação de Augusto Pessôa
POR QUE É TRISTE O JABURU?
O jaburu é uma ave estranha. É grande e com pescoço longo. Parece carregar uma tristeza profunda. Fica por grande tempo imóvel como se fosse uma estátua num museu.
Está sempre só. Quando um intruso se aproxima, ele logo fica feroz e luta bravamente para expulsar o suposto inimigo. Depois, volta a ficar tristonho e cabisbaixo apoiando-se numa perna só.
Mas de onde vem essa tristeza toda?
Uma lenda muito antiga explica:
Mandi, um bravo guerreiro, apaixonou-se por Ituna que era a mais formosa mulher da aldeia. A paixão dos dois era bonita de ver.
Mas o pai do rapaz não estava satisfeito. Ele era o cacique e queria que o filho o sucedesse no comando da aldeia. Mas para isso Mandi não podia casar, enquanto não passassem cinco luas, depois de ter recebido do pai o tacape de guerreiro e o cocar de cacique.
Mas a paixão dos namorados era tanta que eles não queriam esperar. O rapaz preferia não ser o líder da aldeia, a perder o amor da sua escolhida. E Mandi não esperou, nem ouviu os pedidos do pai que já estava velho e doente.
Todas as tardes, o casal se encontrava a beira da Lagoa Sagrada e ali ficava a trocar juras de amor. Mas eles não ficavam sós. Uma ave de plumagem cinzenta, pescoço encolhido e que ficava apoiada numa das pernas fazia companhia ao casal. Era o jaburu.
Os namorados se divertiam jogando migalhas de fruta adocicada para aquela ave mansa e esquisita. O pássaro pegava tudo que era oferecido com seu bico grosso e forte.
O jaburu se acostumou tanto com os namorados, que ficou manso. Pegava a comida na palma da mão do casal. E aceitava os carinhos que eles faziam com grande felicidade.
Mas essa felicidade não durou muito.
Uma tarde, uma terrível tempestade se armou no céu. Nuvens escuras e pesadas anunciavam uma grande chuva.
Na aldeia, uma tristeza imensa tomou conta de todos. O cacique estava morrendo. Suas forças estavam se acabando. Num último esforço o líder da aldeia mandou chamar seu filho. Os raios rasgavam o céu, os trovões pareciam fazer tremer o mundo. Mandi foi ver o pai e recebeu dele o tacape e o cocar. Assim que entregou ao filho os objetos sagrados de liderança, o cacique morreu.
O novo cacique beijou a testa do pai e saiu da oca. Do lado de fora, todos saudavam o novo líder, mas num clarão do relâmpago Mandi viu a figura de Ituna. Bela e encantadora. O rapaz não se conteve. Jogou de lado os objetos sagrados e abraçou aquela que era dona do seu coração. A ofensa tinha sido feita. Todos da aldeia ficaram espantados. De repente, um raio fulminou o casal de namorados. Os dois morrerão na hora. Ficaram abraçados, unidos num terrível abraço de morte.
No dia seguinte, o casal foi enterrado unido. Exatamente no local onde passavam todas as tardes as margens da Lagoa Sagrada. O jaburu observava tudo. Quando a última porção de terra cobriu totalmente os corpos dos namorados, a ave foi embora num voo fantástico.
Mas todas as tardes o jaburu voltava. Esperava encontrar os dois namorados que o tratavam com carinho. O tempo passou e a ave foi ficando cada dia mais triste. As penas foram caindo e a dor aumentava tornando o jaburu a imagem da tristeza. Mas ele nunca desistiu. Todas as tardes esperava o casal de namorados apoiado numa perna só, com a cabeça baixa e imóvel como uma estátua.
E é assim até hoje.
Adaptação de Augusto Pessôa
COMO NASCERAM OS RIOS
Dizem que antigamente era tudo seco. Não tinha rio, não tinha água, não tinha nada. A Juriti era a dona da água e guardava tudo em três grandes tambores.
Os três filhos do pajé estavam com muita sede e foram pedir água para o passarinho. Mas a Juriti não deu e ainda disse:
- O pai de vocês é Pajé poderoso! Por que não dá água para vocês? Ele que arrume água para seus filhos!
Os meninos voltaram para casa chorando muito. O pajé perguntou por que estavam chorando, os pequenos contaram e o pai disse:
- Não quero vocês andando naqueles lados. É muito perigoso! Tem peixe grande dentro dos tambores.
Mas eles não ouviram o pai e foram de novo até a casa da Juriti. Quando chegaram lá quebraram os tambores e saíram jogando água para tudo que é lado. A Juriti ficou com raiva e mandou o peixe grande atrás dos meninos. Os irmãos correram, mas o peixe engoliu um deles. O coitado ficou só com as pernas fora da boca do peixe.
Os outros dois corriam e jogavam água. Com isso foram formando rios e cachoeiras. O peixe grande foi atrás, também levando água, e fez o rio Xingu.
Correram muito até chegar ao Amazonas. Lá os meninos conseguiram tirar o irmão da boca do peixe. Cortaram suas pernas, pegaram o sangue e sopraram. O menino voltou a viver. Depois eles jogaram toda água que sobrou no Amazonas e o rio ficou muito largo.
Os meninos voltaram para casa e contaram ao pai que tinham quebrado os tambores.
E foi assim que os rios se formaram.
Adaptação de Augusto Pessôa
COMO SURGIRAM OS DIAMANTES
Diz a lenda que um casal vivia, juntamente com sua tribo, à beira de um rio. Ele era um guerreiro poderoso e valente. O nome dele era Itagiba, que significa "braço forte". Ela era uma jovem e bela moça que tinha o nome de Potira, que quer dizer "flor".
Os dois viviam um amor lindo numa felicidade que enchia os olhos.
Um dia, a tribo foi ameaçada por outros homens. Uma guerra foi declarada e o forte Itagiba teve que partir para enfrentar o inimigo junto com os outros guerreiros.
O casal se despediu com muita tristeza, mas Potira não deixou cair uma só lágrima. A dor era tanta que ela só seguiu seu amado com o olhar. Viu seu amor partir na canoa que descia o rio.
O tempo passou lentamente. Todos os dias, a bela jovem ia para a margem do rio esperar o seu amor. A saudade apertava no peito.
Até que um dia, finalmente, os guerreiros da tribo voltaram. Tinham vencido a guerra. Mas Itagiba não estava com eles. O bravo guerreiro morreu lutando para derrotar o inimigo. Quando recebeu a notícia, a jovem Potira chorou muito. E passou o resto de sua vida chorando na beira do rio. O deus Tupã ficou com pena da jovem. Viu que o amor que ela sentia era verdadeiro. E para homenagear essa grande paixão transformou as lágrimas de Potira em diamantes.
E é por isso que essas preciosas pedras são encontradas entre os cascalhos e areias do rio. Os diamantes são as lágrimas que Potira deixou na beira do rio. Lágrimas de saudade e amor.
Adaptação de Augusto Pessôa
COMO SURGIU A LUA
Num tempo de outro tempo, não existiam estrelas ou lua. A noite era tão escura que todos tinham medo de sair. Ficavam nas ocas com pavor da noite escura.
Na tribo, uma jovem não tinha medo. Ela era linda e tinha a pele muito clara. Diferente das outras mulheres da tribo. Por causa dessa diferença, o povo da aldeia olhava para ela com desconfiança. Os homens não queriam namora-la e as mulheres nem conversavam com ela. A moça vivia numa solidão terrível.
Sentindo-se muito só, começou a andar pela noite escura. Todos da tribo ficavam espantados. Principalmente quando ela voltava de seus passeios e dizia que não havia perigo. Não era preciso ter medo.
Nessa mesma aldeia tinha outra mulher. Uma criatura feia e estranha que tinha muita inveja da mulher clara. Com raiva da outra, resolveu sair a noite também. Mas não conseguia enxergar naquela escuridão e terminou cortando os pés nas pedras e espinhos. Ficou com mais raiva da outra. Cheia de rancor e inveja ela foi conversar com a cascavel.
- Cascavel, quero que me faça um favor. Você conhece aquela moça clara?
E a cobra respondeu enrolada em um galho:
- Aquela que anda pela noite?
- Isso mesmo! – respondeu a invejosa – Quero que você morda os seus pés para que ela fique feia e velha!
Por pura maldade a cascavel aceitou o pedido. Ficou de tocaia esperando o passeio da moça clara. Quando ela passou, deu o bote. Mas a cobra não sabia que a índia tinha os pés calçados com duas conchas. A cascavel mordeu as conchas e seus dentes se quebraram. A cobra ficou com muita dor. Começou a gritar e a xingar muito. E a moça clara perguntou:
- O que está acontecendo? Por que quis me morder?
E a cascavel respondeu com raiva:
- Porque uma mulher me pediu. Ela não gosta de você e quer que você fique feia e velha como ela. Ninguém gosta de você!
A jovem clara ficou muito triste. Não queria viver junto de pessoas que não gostassem dela. E não aguentava mais ser diferente dos outros. Querendo resolver essa situação, ela fez uma escada com cipós trançados. Depois pediu para sua amiga coruja que voasse muito alto e amarasse a ponta da escada no céu. A ave fez como a moça pediu. A mulher começou a subir. Subiu muito até chegar ao alto da escada. Chegando ao céu estava tão exausta que dormiu numa nuvem. Num passe de mágica a mulher se transformou num dos mais belos astros. Redonda, clara e iluminada. Era a lua que encheu de luz a noite escura. A mulher feia olhou para o raio de luar e ficou cega. Ficou com tanta vergonha que foi se esconder com a cascavel em um buraco.
Os homens se arrependeram de desprezar aquela moça clara. Eles passaram a adorar a lua que enchia de luz a noite. Alguns apaixonados sonhavam em construir outra escada de cipós para poder ir ao céu encontrar a bela jovem.
Adaptação de Augusto Pessôa
O ROUBO DO FOGO
Há muito tempo atrás, o urubu-rei era dono do fogo. Por isso, os homens secavam a carne expondo os pedaços ao calor do Sol. Do outro lado do grande rio era a casa do urubu-rei. Ele e os seus parentes guardavam o fogo em baixo da asa. Os homens precisavam do fogo e um deles, um jovem guerreiro, resolveu roubar o fogo dos urubus. Ele matou uma anta e deixou o bicho estendido no chão e, depois de três dias, ele estava podre e cheio de vermes. O guerreiro avisou a aldeia a sua intenção e fez uma roupa com folhagens. Pegou sua canoa, colocou a anta podre dentro e foi até a outra margem do grande rio vestido com a roupa de folhagem. Ao chegar na outra margem, ele escondeu sua canoa, colocou a anta podre num descampado bem longe da canoa. Ficou encolhido perto da anta como se fosse uma folhagem. Sentindo o cheiro da carniça, os urubus se aproximaram. Antes de chegar na carniça, eles viram, lá do alto, a canoa do jovem guerreiro e a queimaram por inteiro. Ao chegar na carniça, para melhor se banquetearem, despiram a vestimenta de penas, assumindo a forma de gente. Tiraram um tição aceso de debaixo de uma das asas e com ele fizeram grande fogueira. Cataram os vermes, os envolveram em folhas do mato e assaram. O guerreiro, que se mantinha escondido, foi bem devagar até onde estavam as vestimentas de penas e pegou um tição. Mas os urubus viram o jovem e foram correndo vestir suas roupas de penas. O guerreiro correu para sua canoa, mas os urubus já tinham queimado a embarcação. Sem saber o que fazer, o rapaz pediu ao sapo cururu que levasse nas costas o fogo até a outra margem do grande rio. O sapo foi, mas quando chegou na outra margem, onde toda a aldeia esperava, nas suas costas tinha sobrado só uma brasinha. O pajé pegou a brasinha e fez uma fogueira. Do outro lado, os urubus atacavam o guerreiro usando tições como flechas. O jovem não sabia como sair dali. O pajé, lá na outra margem, jogou um pó mágico na fogueira e pediu a Tupã que ajudasse o guerreiro. Da fogueira saiu uma grossa fumaça que foi até a outra margem do grande rio e envolveu o índio dando ao guerreiro uma grande força. Com um sopro ele espantou os urubus. Depois, com suas mãos, juntou as margens do grande rio e pode passar tranquilamente. O rapaz entregou o fogo ao Pajé. Então, o Pajé ateou fogo em todas as árvores com as quais hoje se faz fogo. E assim o fogo chegou aos homens.
Adaptação de Augusto Pessôa