PERSONAGENS:
ANTONIO
AUXILIADORA
KATLEEN
WENDELEY
CENA: A CENA COMEÇA COM OS QUATRO PERSONAGENS SENTADOS EM CADEIRAS.
VOZ EM OFF: O homem é um animal inviável!
(DEPOIS DA VOZ EM OFF, OS PERSONAGENS CUMPRIMENTAM A PLATÉIA. CADA UM DO SEU JEITO).
CONFESSIONÁRIO I
TODOS: Boa noite!
(UM FOCO DE LUZ ACENDE FORTE EM ANTONIO. OS OUTROS FICAM NA PENUMBRA. A LUZ VAI MUDANDO DURANTE AS FALAS. ENQUANTO ANTONIO FALA AS OUTRAS PERSONAGENS AGEM COMO SE ESTIVESSEM NUMA SALA DE ESPERA: OLHAM O RELÓGIO, MUDAM DE POSIÇÃO, PODEM FOLHEAR UMA REVISTA).
ANTONIO: Tive uma infância normal como todo mundo... Apanhei... Bati... Essas coisas... Fiz o que toda criança faz! Se é que infância pode ser considerada uma coisa normal, né? Eu vejo muita gente falando que tinha vontade de voltar a infância! Voltar a ser criança! Eu não! Não tenho nenhuma vontade! Um tempo que... Um tempo que passou... Ainda bem! (PAUSA) Eu não dava muita importância pras coisas nesse tempo... No tempo de criança... Aliás... Pra dizer a verdade... Nunca liguei para muita coisa. A vida foi acontecendo. Só.
KATLEEN: Eu tenho uma coisa pra contar: desde pequena eu sabia o fim da minha história – eu vou morrer cedo!... Eu sei disso! Só não sei como! Mas sei que vai ser cedo! Eu já nasci sabendo disso. Tenho certeza. Eu vou morrer cedo! Eu não lembro, mas eu tenho certeza que eu, pequenininha, sabia que ia morrer cedo. Eu só não sei se vou morrer de doença... Atropelada... Assassinada! Não sei! Eu preferiria morrer de doença ou assassinada! Atropelada é meio sem graça, né? Mas o que vier... Tá bom! Eu sei que vai ser logo! E eu acho que meu nome tem alguma explicação pra isso... De alguma forma (PEQUENA PAUSA) E eu não fico chateada porque vou morrer cedo! Não fico mesmo! Eu sinto que esse é o meu destino! E é tão bonito, né? Uma pessoa que morre cedo! Eu tinha certeza que iria viver só até os quinze anos. Tô com dezoito, né? Tô no lucro!
WENDELEY: Eu sou o Luciano. Mas pode me chamar de Luc ou Lucão. Tanto faz! (PAUSA) Na verdade... Meu nome é Wendeley... Tá? Wendeley... Mas eu não gosto desse nome porque... Porque é difícil! Wendeley... É difícil de dizer, né? Wendeley... É difícil até de entender... Das pessoas entenderem... Entendeu? Wendeley... Meu pai é que me deu esse nome. Era o nome do pai dele... Meu avô, né? (PEQUENA PAUSA) Caraca! Mas esse nome é muito feio! (PEQUENA PAUSA) Na verdade é pior ainda porque é Wendeley Ricardo! O Ricardo é pai da minha mãe... Meu avô também! Meu pai quis homenagear os dois em mim! Mas eu não gosto! Eu não gosto nem de Wendeley, nem de Ricardo. Já reparou que tu faz uma careta pra falar Ricardo? Olha só: Ricardo... Ricardo... Ricardo... E fica pior com o Wendeley! Wendeley Ricardo... Wendeley Ricardo... Abre muito a boca, né? Não é legal... Ainda mais para um cara como eu... que, pô! Eu, né?!
AUXILIADORA: Maria Auxiliadora... É o meu nome... Mas as pessoas me chamam só de Auxiliadora!... Não que eu seja propriamente auxiliadora de alguém. Mas eu também não atrapalho ninguém. Minha mãe que me deu esse nome. Por causa da minha vó... Uma promessa que minha vó fez. As duas também se chamavam Auxiliadora. Três Marias Auxiliadoras! Ainda bem que morávamos só nós três em casa! Já pensou se tivesse mais alguém... Pra chamar... Chamava Maria Auxiliadora... Vinham as três! Podíamos ter um apelido, né? Mas eu nunca gostei desse negócio de apelido!... Minha mãe e minha avó também não gostavam! Apelido, pra mim, quem tem é bicho: cachorro... Gato... Aí, você põe um nome qualquer e pode até ter apelido! Gente não! Pelo menos eu não!
ANTONIO: Meu nome é Antonio... Às vezes eu penso que... (PEQUENA PAUSA) Pra ser sincero não sei bem o que estou fazendo aqui... Eu acho que... (PAUSA) Na verdade eu não acho nada! Não sei mesmo o que estou fazendo aqui! Não sei nem por que... Por que... Não sei se eu tenho que falar aqui! Não sei o que é isso! Não sei se tenho que dar uma opinião... Aliás, eu não sei qual o motivo que a gente tem que dar opinião sobre as coisas... Tem gente que é assim, né? Tem opinião pra tudo!... Eu não! Desde criança que eu sou assim... Na minha infância... Minha infância... É... Bom... Quando eu era criança, minha mãe sempre dizia que eu seria uma pessoa importante. Ela queria muito isso. Ela queria muito que eu fosse uma pessoa importante. Não importava que importância eu teria, mas ela dizia que eu tinha que ser importante. Podia ser médico... Advogado... O que fosse! Mas tinha que ser importante! Nunca liguei muito para isso... Mas ela insistia! Insistia muito com isso! Eu tinha que ser importante... Não importava o quê... Mas tinha que ser importante! Um dia... Eu devia ter uns oito anos... Eu perguntei pra ela: “e se fosse um bandido? Um bandido importante? Famoso! Ia ser bom?”... Ela me deu um tapa! Não falou nada! Só me deu um tapa na cara e saiu chorando!
AUXILIADORA: Eu tinha uma colega de escola que quis me por um apelido! Ela queria me chamar de Dôra!... Dôra!... Vê se pode uma coisa dessas? Dôra!... Avisei pra ela: não me põe apelido que eu não gosto!... Você sabe que ela insistiu! Cismou de me chamar de Dôra!... As pessoas são engraçadas, né? Eu tô dizendo que não quero... E a desgraçada vai lá e insisti! Teima! E você aguentando... Aguentando aquilo... Eu dizia que não gostava e ela dizia que era minha amiga... Que era carinhoso! Carinhoso... Pelo amor de Deus! Carinhoso? Um dia me aborreci e taquei uma cadeira na cabeça dela! Foi mesmo... Taquei bem a cadeira na cabeça dela! Mas dei mesmo com a cadeira na cabeça dela com vontade! A cadeira quebrou todinha em cima da infeliz! E sabe que ela ainda teve a cara de pau de me perguntar: o que é isso Dôra? Ai me deu mais raiva ainda! Dei um soco no olho dela e falei assim: Isso é pra tu aprende a não me botar apelido! Ih! Deu um problema! Minha mãe foi chamada... A menina apareceu no dia seguinte com um tampão no olho... Depois passou a usar óculos... A mãe dela dizia que a culpa era minha... Que eu tinha deslocado a retina da garota... Com a junção da caderada e do soco a menina podia ficar meio lesa!... Mas não ficou não! Era bem espertinha! Minha mãe me deu razão... Ainda bem! A menina nunca mais falou comigo... Tudo isso por causa de um apelido... Essa gente não tem jeito não!
KATLEEN: O meu nome é Katleen. Eu gosto muito desse nome. Katleen! Minha mãe que me deu esse nome. Ela disse que é o nome de uma artista que ela gostava muito... Artista de cinema... Sabe qual é? O nome dela é Katleen... Katleen... O segundo nome eu não lembro direito. Ela me disse que era uma artista muito bonita. Uma artista de cinema! Eu nunca vi nenhum filme dela. É filme antigo, sabe? Não gosto muito... Aliás, eu não vou muito a cinema... Não gosto! Acho que essa coisa de cinema é tudo muita mentira, né? As pessoas ficam fazendo coisas que elas não são... Sabe como é? Um dia é rainha... Outro dia é pobre... Outro dia sei lá... Acho que a realidade é mais bonita! E também... Ah... Tem sempre alguém que sabe o fim da história. E se ninguém souber... Os caras que fizeram o filme sabem, né? E as pessoas sabem que vai ter um fim! E a vida não é assim! Não é mesmo! Ninguém sabe o fim da história! Acho que é por isso que tanta gente gosta de cinema... Porque sabe o fim da história e fica... Fica assim... Fica mais seguro, né? Eu não. Eu sei como minha história vai acabar, mas não quero saber o fim da história... “como” ela vai acabar... Dá pra entender?... Por isso eu não gosto de cinema e nunca vi nenhum filme dessa artista! Mas eu gosto do nome: Katleen! ... Katleen! Não por ser nome de artista. Eu acho que combina comigo, sabe?
WENDELEY: Eu ligo muito pra rádio, sabe?... Promoção, prêmio... Essas coisas. Wendeley as pessoas não entendem. Os caras lá, sabe? Vão até me zoa! Se souber que é Wendeley Ricardo então... Tô ferrado! Fica difícil pelo telefone. Aí, Luciano é melhor, né? Luciano é o nome do meu irmão. É mais legal. Fica mais fácil. Caraca! Eu já ganhei uma porrada de coisa: um Ipod, um radinho, um micro-system e um monte de convite pra show e peça de teatro. Peça de teatro eu não vou, não. Não gosto. Os cara ficam falando umas coisas. Eu não entendo. É coisa de cabeção, não é? Mas show eu me amarro! Os cara tocando... A galera... Me amarro! ((PEQUENA PAUSA) Eu gosto também de ligar pra “atendimento ao cliente”. Sabe? Atendimento ao cliente? Eu aperto logo o numero 9! Geralmente é o 9 para falar com as pessoas lá. Aí eu xingo pra caramba! Digo um monte de palavrão! É manero! As pessoas não sabem que sou eu, né? É manero! Quando eu tô nervoso... Tô com alguma parada sinistra... Quando tá esquisito... Eu faço isso! Quando eu tô legal também, sabe? Mas aí é só pra curtir! Mas se eu tô naquele dia... Sinistro mesmo... Eu ligo.. Vou logo apertando o 9 e vou logo falando: sua filha da puta! Eu xingo e desligo! É irado! (RISOS)
ANTONIO: Minha vida tem sido normal (PAUSA) Quer dizer... No que pode ser normal a vida de uma pessoa: trabalho, sou casado e... (PAUSA) Trabalho num banco. Sou caixa!... Ninguém nasce com vontade de ser caixa de banco, né? Já imaginou você perguntar pra uma criança: o que você vai ser quando crescer? E ela responde: quero ser caixa de banco! Não existe isso! Se tiver essa criança... Não... Boa coisa que não é! (PEQUENA PAUSA) Mas apesar disso eu não tenho muito... muito... muito do que reclamar! (PAUSA) Trabalho nesse banco há vinte anos! É a mesma coisa todo dia. Tem umas pessoas que a gente já conhece. Clientes, né? Vão lá quase todo dia. Elas tentam puxar assunto, mas eu não dou muito... muito... muito assunto! Não gosto! Não gosto de falar com gente que eu não conheço. (PAUSA) Não tenho muitos amigos não. Aliás... Esse negócio de amigo é complicado, né? Tem gente que acha que tem o direito de se meter na sua vida! E eu sou um sujeito reservado! Nunca fiz nada de muito importante e nem acho que tenho que fazer. E ninguém tem nada com isso.
AUXILIADORA: Minha mãe e minha avó sempre tiveram muita influência na minha vida... Ainda bem que elas já morreram! (PEQUENA PAUSA) Meu pai eu nem conheci! Morreu antes de eu nascer! Só vi por foto! Era militar! Morreu num acidente... Uma solenidade, minha mãe tava lá... Grávida... De mim... Pois nessa solenidade a arma de um soldado caiu no chão... disparou... o tiro pegou bem no coração do meu pai! Morreu ali mesmo... do lado da minha mãe! Não teve tempo nem de piscar! (PEQUENA PAUSA) Duas semanas depois eu nasci! (PEQUENA PAUSA) Eu era para ser complexada... Traumatizada... Ter vícios... Essas coisas! Muita gente por bem menos fica cheia de complexos... De vícios! Eu não tenho vícios! (PEQUENA PAUSA) Mas gostaria de ter! Gostaria mesmo! Eu gostaria de fumar... Muito! Ficar assim dando baforadas na cara das pessoas! Aí... Eu fumo! Mas fumo escondido! Na verdade eu não gosto muito de cigarro, quer dizer... Gosto! Mas eu fumo mesmo para incomodar as pessoas. Apesar delas não saberem que eu fumo. E isso que é interessante: eu fumo e as pessoas não sabem... Porque eu fumo escondido... Mas se soubessem ficariam incomodadas e por isso eu fumo. (PEQUENA PAUSA) Eu sei que parece estranho, mas isso começou quando eu era criança. Minha mãe e minha avó achavam que fumar era coisa de mulher que não prestava... Vagabunda mesmo! Eu achava isso uma bobagem. Aliás tudo que elas falavam eu achava uma bobagem. E aí eu fumava, mas não na frente delas. Porque era proibido... E eu respeito essa coisa de proibição, sabe? Comecei a fumar com oito anos. Fazia cigarros de capim. Enrolava o capim, sabe? As folhas... Era horrível! Mas eu fumava escondido. Elas nunca descobriram! Era proibido, né?
KATLEEN: A coisa que eu mais gosto no mundo é brigadeiro. Aí... Um dia... Eu decidi que só ia comer brigadeiro. (PAUSA) Eu sei que é engraçado... As pessoas estranham... Eu sei! Mas eu penso assim: a gente só deve fazer o que gosta! Ainda mas eu, né? Que vou morrer cedo! Eu não gosto de carne, porque fico com pena dos bichinhos. Também não sou vegetariana... Sei lá... Fico com nojo... Essas coisas que vem da terra, né? Sei lá... Por mais que lave sempre fica uma sujeirinha. E é nojento, né? ((PEQUENA PAUSA) E aí eu não como. Se eu vou morrer cedo eu só tenho que fazer as coisas que eu gosto. Por isso eu só como brigadeiro. As pessoas dizem que eu vou ficar gorda. Mas eu não fico. Mas tem sempre um que diz assim: “É magra agora! Mas quando ficar velha vai virar uma bola”. Eu não ligo. Eu vou morrer cedo mesmo. E eu também não chateio ninguém: eu mesma faço meu brigadeiro e levo pros lugares. Se eu for num barzinho, eu levo brigadeiro... Se eu for ao clube, eu levo brigadeiro... Se eu for numa festa, eu levo brigadeiro... Num potinho, sabe? Por que eu também não gosto do brigadeiro dos outros. Não sei como é feito... Tenho nojo! Aí eu levo o meu e não perturbo ninguém!
WENDELEY: Eu tenho uma namorada... Uma mulher, né? Ela trabalha numa floricultura. Eu não trabalho não. Meu pai queria que eu trabalhasse, mas eu não trabalho não. Ele queria que eu trabalhasse lá no banco dele. Quê dize... O banco não é dele... O banco que ele trabalha. Ele é caixa! Ele quer que eu comece de baixo lá no banco... Uma coisa de entrega papel... Uma coisa assim! Pô... Mas se eu começo de baixo como é que eu vou subir? Não vou subir nunca, né? O camarada tem que começar de cima pra subir mais ainda! Assim é o certo! Mas meu pai insiste... Diz que a vida é assim... Eu não quero não! Ainda mais em banco! Mexer com o dinheiro dos outros... É estranho, né? Todo dia lá... Mexendo com dinheiro que não é teu. É estranho. Deve dar até azar, né? Mexer com dinheiro que não é teu... Que nunca vai ser teu... Isso só pode dar azar! Por isso eu não quero trabalhar lá não!
ANTONIO: Hoje em dia as pessoas tem muito essa coisa de “ter que ser feliz”! Já reparou? Tem que ser feliz!... Isso serve pra quê?... Tem um camarada lá no meu trabalho que cismou que é meu amigo. Toda sexta feira ele me chama pra beber. Diz que isso é pra ser feliz! Eu não vou! Ele vai para esse lugar... Acho que é um bar... Vai ele e outros do banco... Vão pra beber e falar de trabalho! Falar do trabalho de onde eles acabaram de sair! E só tem um assunto: banco! Tá no trabalho... Fala do banco! Sai do trabalho... Fala no banco! Não é estranho isso? E esse camarada é assim: ele vai pra esse bar... Bebe, bebe, bebe e bebe... Só fala sobre trabalho... E diz que é feliz! Que é pra ser feliz! Onde que isso é felicidade? O camarada bebe sem sede!... Eu só bebo se estou com sede! Mas ele não... Ele só não, né?... Muita gente! Bebe, bebe, bebe... Fica doido... Fala um monte de besteira e diz que é feliz! Não sei porque essa coisa tão grande com a felicidade. Por que eu tenho que ser feliz? (PEQUENA PAUSA) Aí, se você não bebe... Tem alguma coisa errada... Acham que você tem algum trauma. (PAUSA) Eu não tenho trauma não! Meu pai não era alcoólatra... Minha mãe também não... Eles bebiam normalmente. Socialmente! Como se fala, né? Não tanto como essa gente bebe... Mas bebiam. Eu não bebo porque não quero ou não estou com sede! Porque tudo na vida de gente tem que ser por causa de trauma? Não pode ser simplesmente porque eu não quero! (PAUSA) Não tenho vícios... Minha mulher também não. ((PEQUENA PAUSA) Eu sempre achei que ela tinha vontade de ter algum vício... Não sei porque, mas sempre achei isso!Mas ela não tem... Eu não gosto.
KATLEEN: Eu trabalho numa floricultura, sabe? É do meu tio. Ele quase não aparece lá e fica quase como se fosse minha! No início eu não gostava muito porque... aí, flor! É estranho, né? Vem da terra! É sujo! Fica podre! Fede! Horrível! Mas agora a gente tá trabalhando também com flor de plástico. Eu adoro! Plástico, né? É limpo. Mas eu nuca disse isso pro meu tio. É que eu não gosto de chatear as pessoas. (PAUSA) Meu namorado... Eu tenho um namorado! Ele fica dizendo que quer casar comigo. Eu digo que não. Já falei pra ele que eu vou morrer cedo. Não quero que ele fique sofrendo depois, sabe? Indo a cemitério, sabe? Aliás, eu vou ser cremada. Não quero nada com negócio de terra. Quero ser cremada e minhas cinzas jogadas no vento. Eu imagino minhas cinzas caindo nas pessoas e eu conhecendo vidas diferentes... não é lindo?
AUXILIADORA: Quando eu cresci um pouco minha mãe e minha avó me mandaram para um colégio de freiras! O tal colégio que eu quebrei a cadeira na cabeça da menina! Lá tudo era proibido! Inclusive fumar. Tinha umas colegas que fumavam no banheiro. Eu achava errado porque era proibido... e elas fumavam na frente de todo mundo! Sendo proibido tem que fazer escondido. Isso é o certo! (PEQUENA PAUSA) Ah... Entreguei várias colegas. Dedurei mesmo! (PEQUENA PAUSA) Ih... Deu um problema! Foram suspensas... essas coisas... Maior problema pra mim que tinha que fumar escondido das colegas e das freiras. Das freiras porque era proibido.... e das colegas... porque... elas iam me entregar só porque eu entreguei as outras! (PAUSA) Tem gente assim, né? Que fica com essa coisa de vingança... querer se vingar... sabe como é, né? (PEQUENA PAUSA) Eu não me vingo! Faço as coisas que eu acho que são certas... Fumar no colégio dava um trabalhão. Mas eu conseguia! Comprava um mata-rato... chamava mata-rato na época... e fumava muito! Sozinha! Quando casei... meu marido detesta cigarro... continuei fumando! Um dia ele pegou... me pegou fumando um cigarro... Ih! Deu um problema! Ele falou pra caramba! Eu não queria que ninguém soubesse... Um saco!
WENDELEY: Eu não quero trabalhar no banco, mas a minha namorada trabalha... quer dizer... ela não trabalha no banco ela trabalha na floricultura! Eu queria casar com ela, mas ela não quer. Ela diz que vai morrer cedo... Ia ser manero a gente casar... Caraca! Ia ser manero! Mesmo sem eu trabalhar... Primeiro casava, depois via no que dava... Arrumava dinheiro. Sei lá! (PAUSA) Mas ela vai morrer cedo e não quer... Eu acho até legal da parte dela porque... pô... se ela vai morrer cedo... eu ia ficar viúvo cedo e não é legal! Não é legal ficar viúvo cedo, né? Pô... Estranhão... as pessoas te olhando e você... viúvo! Sinistro! (PAUSA) Ela não sabe que eu chamo Wendeley! Ela me chama de Lucão! É manero, né?
(MUDANÇA DE LUZ – AUXILIADORA E KATLEEN SAEM DE CENA. ANTONIO VAI PARA FRENTE DO PALCO E FICA SE MOVIMENTANDO COMO SE ESTIVESSE DENTRO DE UM ÔNIBUS EM MOVIMENTO EM PÉ. WENDELEY TAMBÉM VAI PARA FRENTE DO PALCO E SE MOVIMENTA COMO SE ENTRASSE NO ONIBUS. CAMINHA COM DIFICULDADE DENTRO DO ÔNIBUS – COMO SE O VEÍCULO ESTIVESSE CHEIO – E PÁRA AO LADO DE ANTONIO. WENDELEY OLHA PARA ANTONIO E FICA COM O OLHAR FIXO COMO SE O RECONHECESSE. ANTONIO PRIMEIRAMENTE FICA PERTURBADO ATÉ QUE ENCARA O RAPAZ)
ANTONIO: Algum problema?
WENDELEY: Nenhum!
(WENDELEY CONTINUA OLHANDO. ANTONIO FICA INCOMODADO)
ANTONIO: Mas o que foi?
WENDELEY: Nada. Porque?
ANTONIO: O senhor fica me olhando...
WENDELEY: Ah... é isso? É que eu acho que conheço o senhor!
ANTONIO: Acho que não!
WENDELEY: O senhor não é o seu Antonio?
ANTONIO: (TENTANDO DESCONVERSAR) Sou sim!
WENDELEY: (DEPOIS DE PEQUENA PAUSA) O senhor não trabalha num banco?
ANTONIO: Trabalho.
WENDELEY: Meu pai também trabalha. Trabalha nesse mesmo banco.
(ANTONIO NÃO RESPONDE. DÁ UM PEQUENO SORRISO QUERENDO ENCERRAR O ASSUNTO)
WENDELEY: O senhor lembra de mim?
ANTONIO: Não!
WENDELEY: Na festa de final de ano... lá no banco... lembra?
ANTONIO: Eu não freqüento festa de final de ano!
WENDELEY: Mas nessa o senhor tava! Ficou um pouquinho... mas tava! Foi naquela churrascaria... lembra?
ANTONIO: Não lembro disso!
WENDELEY: Fecharam a churrascaria só pro pessoal do banco! Lembra?
ANTONIO: Não!
WENDELEY: Também tem uns dez anos isso! Caraca! Eu era bem moleque! O senhor não lembra?
ANTONIO: Não!
WENDELEY: O pessoal diz que eu não mudei muito... que eu continuo com a mesma cara... olha só... olha pra mim... Tá lembrando agora?
ANTONIO: Realmente não!
WENDELEY: Também é difícil, né? Tem tanto tempo! E o senhor ficou pouco na festa...
ANTONIO: É... realmente eu devo ter ficado pouco tempo... agora me lembro que a última festa que eu fui eu fiquei pouco tempo e...
WENDELEY: Então o senhor tá lembrando de mim?
ANTONIO: Não!
WENDELEY: Pois é! Deve ser mesmo difícil! O pessoal diz que eu não mudei muito, mas eu não concordo!
ANTONIO: Deve ser isso!
WENDELEY: Mas o senhor não mudou nada!
ANTONIO: Que bom.
WENDELEY: Eu lembro bem porque meu pai falou pra caramba do senhor!
ANTONIO: Que bom!
WENDELEY: Lembra que meu pai ficou bêbado e tirou a calça?
ANTONIO: Não lembro.
WENDELEY: É... eu acho que nessa hora o senhor já tinha ido embora...
ANTONIO: Com certeza!
WENDELEY: Meu pai tirou a calça e ficou girando ela em cima da cabeça... com aquele cuecão... quer dizer... num era um cuecão! Era um short, sabe? Mas parecia um cuecão! De cuecão e girando a calça em cima da cabeça! Caraca! Geral morreu de rir! Aí a carteira dele sai do bolso e caiu em cima da bandeja do garçom... voou copo pra tudo que é lado... Aí uma tal de Dona Rita veio dançar com meu pai! Ela tava doidona! Puxou o vestido até aqui em cima... apareceu a calcinha e tudo... Caraca! Foi irado! O senhor conhece a Dona Rita?
ANTONIO: Não.
WENDELEY: Ela trabalha lá no banco também. O senhor não conhece ela não?
ANTONIO: Não me lembro.
WENDELEY: Poxa! Não lembra dela?
ANTONIO: É uma agência grande... trabalha muita gente...
WENDELEY: Sei... Ah... mas se o senhor tivesse visto não ia esquecer! Caraca! Foi irado!
ANTONIO: Eu imagino!
WENDELEY: As festas são sempre assim?
ANTONIO: Não sei... não vou nessas festas...
WENDELEY: Por que?
ANTONIO: Porque não gosto muito...
WENDELEY: Não gosta de festa?
ANTONIO: Não! Não é isso! É que eu sou um homem mais reservado. Prefiro ficar na minha e...
WENDELEY: É! Meu pai bem me falou que o senhor é um homem fino!
ANTONIO: Deve ser isso!
(DEPOIS DE PEQUENA PAUSA)
WENDELEY: O senhor sabe que essa foi a última festa que eu fui? Eu e meu irmão! Minha mãe não deixou mais a gente ir! Desde essa festa que ela não deixou mais a gente ir...
ANTONIO: Deve ter seus motivos.
WENDELEY: Eu achei irado, mas a minha mãe não gostou não! Mas se eu entrar no banco... eu vou poder ir na festa, né?
ANTONIO: Com certeza!
WENDELEY: Meu pai sempre volta doidão dessas festas! Minha mãe fica com uma cara!... Mas eu acho manero! Toda vez que meu pai fica doidão é manero!
ANTONIO: Faço uma idéia!
WENDELEY: (DEPOIS DE PEQUENA PAUSA) O senhor sabe quem é o meu pai?
ANTONIO: Não.
WENDELEY: É o Garcia. Ele é caixa. Sabe quem é?
ANTONIO: Mais ou menos...
WENDELEY: Como assim?
ANTONIO: Não tô lembrando agora.
WENDELEY: Que pena! Ele diz que o senhor é o melhor amigo dele no banco. Ele não tem muitos amigos não. Mas ele diz que o senhor é o mais bacana.
ANTONIO: Acho que já estou recordando.
WENDELEY: Olha pra mim! Eu pareço com ele, não é?
ANTONIO: Não... Não parece!
WENDELEY: Engraçado... Todo mundo diz que eu pareço com ele. (DEPOIS DE PEQUENA PAUSA) Meu pai quer que eu trabalhe no banco... O que o senhor acha?
ANTONIO: Não sei! O que você acha?
WENDELEY: Acho que não! Mas meu pai insiste muito. (DEPOIS DE PEQUENA PAUSA) O que o senhor acha que eu devo fazer?
ANTONIO: Acho que você deve seguir o conselho do seu pai.
WENDELEY: Mas eu não quero. Não quero trabalhar num banco. Eu acho que a gente tem que fazer aquilo que tem vontade. Eu aprendi isso com a minha namorada. Ela só faz aquilo que ela tem vontade. Eu gosto disso.
ANTONIO: Que bom! Então faça a sua vontade...
WENDELEY: Mas meu pai fica insistindo. O que o senhor acha que eu devo fazer?
ANTONIO: Nesse caso eu não tenho a menor idéia e...
WENDELEY: (INTERROMPENDO) Ainda mais trabalhar em banco! (DEPOIS DE PEQUENA PAUSA) Eu acho horrível trabalhar em banco... o senhor não acha?
ANTONIO: Não. Eu trabalho num banco!
WENDELEY: O senhor não acha que dá azar trabalhar em banco?
ANTONIO: Azar? Como assim?
WENDELEY: Ah.. Ficar mexendo no dinheiro dos outros... Dinheiro que não é seu... Que nunca vai ser seu... Isso não pode ser bom! Isso atrasa a vida!
ANTONIO: Nunca tinha pensado nisso!
WENDELEY: Ah... mas eu penso! Além de tudo é sujo, né? Ficar o dia inteiro mexendo no dinheiro dos outros... Dinheiro que todo mundo passa a mão... É nojento...
ANTONIO: Tem dinheiro de plástico!
WENDELEY: Como assim... Dinheiro de plástico? De brinquedo?
ANTONIO: Não... Cartão... Cartão de crédito!
WENDELEY: Ah, tá! Cartão!... Mas eu não confio em cartão... Dinheiro tu tá vendo ali, né? Esse negócio de cartão tu não vê... é estranho! Dinheiro tem que ser dinheiro! Pode ser sujo, mas é dinheiro! Não é verdade? É sujo, mas é dinheiro!
ANTONIO: Todo o dinheiro é assim! Todo mundo passa a mão!
WENDELEY: Mas o dinheiro que é seu... é seu! O dinheiro do caixa não é seu! E aí você fica mexendo com um monte de micróbio sem necessidade...
ANTONIO: Se for pensar por esse ângulo...
WENDELEY: Pois é! Tem que pensar no ângulo! Eu falo pra ele: pai é nojento! O dia inteiro mexendo no dinheiro dos outros! Aquele dinheiro sujo! Passou na mão de um monte de gente e nem é teu! É nojento!
ANTONIO: É só lavar as mãos.
WENDELEY: É... Mas enquanto não lava a mão os germes estão todos lá... Entrando no seu corpo... Causando um monte de doença... (DEPOIS DE PEQUENA PAUSA) Pode usar luva também, né?
ANTONIO: Também.
WENDELEY: Mas aí fica meio boiola, né? Esse negócio de luvinha pra não sujar as mãos... Sei não...
ANTONIO: Fica um pouco.
WENDELEY: E não é só o problema da sujeira... Tem também o negócio do dinheiro... Não é seu... É estranho...
ANTONIO: Tem que saber se controlar.
WENDELEY: Como assim?
ANTONIO: É... Saber se controlar... Pra não pegar o dinheiro dos outros...
WENDELEY: Eu não tinha pensado nisso... Eu só não achava legal mexer no dinheiro dos outros, mas pode até pegar...
ANTONIO: Não! Não pode!
WENDELEY: Que trabalho de maluco, né? (DEPOIS DE PEQUENA PAUSA) O senhor não acha?
ANTONIO: Não. Não acho! Eu trabalho com isso! (FAZENDO MENÇÃO DE SAIR) Bom... O meu ponto é aqui... Foi um prazer conhece-lo...
WENDELEY: Ih... Eu também vou saltar aqui! O senhor mora por aqui?
ANTONIO: (JÁ SE MOVIMENTANDO PRA SAIR DO ONIBUS) Moro.
WENDELEY: Que coisa, né?
(OS DOIS SAEM DO ONIBUS)
ANTONIO: É realmente uma coisa.
WENDELEY: O senhor sabe que a minha namorada trabalha aqui perto.
ANTONIO: Que coincidência não.
WENDELEY: Trabalha bem ali... na floricultura...
ANTONIO: (SUBITO INTERESSE) Ah... é?
WENDELEY: O senhor conhece ela?
ANTONIO: Não... Não. É... que eu moro aqui há muito tempo e a gente termina sabendo das coisas... Das pessoas... Sei que tem uma mocinha que trabalha na floricultura...
WENDELEY: Pois é ela... a minha namorada... Ela é gente boa! Ela se chama...
ANTONIO: Não! Não precisa me dizer o nome! Tenho certeza que ela deve ser uma boa pessoa!
WENDELEY: Ah... Eu vou dizer pra ela que eu estive com o senhor e o senhor me deu uns conselhos ótimos...
ANTONIO: Não faça isso! Diga que você é que pensou nesses conselhos... As mulheres gostam disso... Gostam de homens que.... que pensam... Elas gostam de homens que pensam!
WENDELEY: Taí! O senhor tem razão! Ela é uma que gosta de homem que pensa! (DEPOIS DE PEQUENA PAUSA) Bom... Valeu, seu Antonio! Valeu pelas dicas!
(OS DOIS SE DESPEDEM COM UM APERTO DE MÃO. ANTONIO OBSERVA A SAÍDA DE WENDELEY. DEPOIS SAI PELO OUTRO LADO. ENTRA AUXILIADORA CARREGANDO UMA MESA. ELA DEVE APARENTAR FAZER ESFORÇO. COMO SE A MESA FOSSE MUITO PESADA. COLOCA A MESA NO CENTRO DO PALCO. SAI E VOLTA COM UMA TOALHA. ARRUMA A TOALHA NA MESA. SAI E VOLTA COM UMA BANDEJA COM 2 PRATOS, 2 COPOS E TALHERES. SAI E VOLTA COM UM PEQUENO VASO - SEM FLOR – QUE ELA COLOCA NO CENTRO DA MESA. ELA OLHA O RELOGIO E ACENDE UM CIGARRO. ARRUMA A MESA COM MUITO CUIDADO MEDINDO A DISTÂNCIA ENTRE OS OBJETOS COM UMA PEQUENA RÉGUA. DE VEZ EM QUANDO ELA OLHA O RELOGIO. TERMINA DE ARRUMAR E SAI COM A BANDEJA. VOLTA TRAZENDO NA BANDEJA A COMIDA PARA UM JANTAR. ELA ARRUMA A COMIDA NA MESA SEMPRE MEDINDO A DISTÂNCIA ENTRE OS OBJETOS COM A PEQUENA RÉGUA. TERMINA DE ARRUMAR A MESA E OLHA O RELOGIO. VAI ATÉ A FRENTE DO PALCO E SE ADMIRA COMO SE OLHASSE UM ESPELHO. FAZ UM AR DE ENFADO. PEGA NO BOLSO UMA CAIXINHA PRATEADA ONDE APAGA O CIGARRO. GUARDA A CAIXINHA, OLHA O RELOGIO E ACENDE OUTRO CIGARRO. COLOCA UMA CADEIRA PERTO DA MESA E SENTA. PEGA A CAIXINHA NO BOLSO, ABRE E A COLOCA EM CIMA DA MESA. BATE A CINZA DO CIGARRO NA CAIXINHA. FICA FUMANDO OLHANDO PARA O CHÃO E AS VEZES PARA O RELÓGIO. TERMINA DE FUMAR, AMASSA O CIGARRO NA CAIXINHA, TAMPA E GUARDA NO BOLSO. PEGA NO BOLSO UM PEQUENO FRASCO COM UM BORRIFADOR. ELA BORRIFA BASTANTE NA BOCA E NAS MÃOS. DEPOIS BORRIFA O AMBIENTE. ELA ERGUE-SE E VAI ATÉ O FUNDO DO PALCO. ENTRA ANTONIO. ELA O DEIXA BEIJAR SUA TESTA. ANTONIO ENTREGA A MALETA E ELA O AJUDA A TIRAR O PALETO. ELA SAI COM A MALETA E O PALETO. ELE SENTA NUMA CADEIRA PERTO DA MESA. ELA VOLTA E SENTA NA OUTRA CADEIRA. ELE OLHA PARA O PRATO E ELA TAMBÉM OLHA. FICAM IMÓVEIS POR ALGUNS INSTANTES. ELA ERGUE O ROSTO E PERGUNTA)
AUXILIADORA: Como foi o dia?
ANTONIO: Você voltou a fumar?
AUXILIADORA: Você sabe que não!
(SILÊNCIO DOS DOIS. ANTONIO FICA OLHANDO PARA O PRATO E AUXILIADORA FICA OLHANDO PARA ELE).
AUXILIADORA: Como foi o dia?
ANTONIO: (FAZ UM GESTO COM O OMBRO SEMPRE OLHANDO PARA O PRATO) O de sempre. Você tem certeza que não voltou a fumar?
AUXILIADORA: Claro que tenho!
(SILÊNCIO DOS DOIS. ANTONIO FICA OLHANDO PARA O PRATO E AUXILIADORA FICA OLHANDO PARA ELE).
ANTONIO: E o seu dia como foi?
AUXILIADORA: O de sempre também.
(SILÊNCIO DOS DOIS. ANTONIO FICA OLHANDO PARA O PRATO E AUXILIADORA FICA OLHANDO PARA ELE).
AUXILIADORA: Você não vai comer?
ANTONIO: Estou sem fome.
AUXILIADORA: Aconteceu alguma coisa no trabalho?
ANTONIO: Já disse que não.
AUXILIADORA: Então o que houve?
ANTONIO: Nada. Só estou sem fome. (DEPOIS DE PEQUENA PAUSA) E com você?
AUXILIADORA: O quê?
ANTONIO: Aconteceu alguma coisa com você?
AUXILIADORA: Nunca acontece nada comigo! É sempre a mesma coisa!
ANTONIO: Melhor assim.
(SILÊNCIO DOS DOIS. ANTONIO FICA OLHANDO PARA O PRATO E AUXILIADORA FICA OLHANDO PARA ELE. OS DOIS SE ENCARAM. ANTONIO LEVANTA).
ANTONIO: Vou tomar um banho e dormir.
AUXILIADORA: Boa noite.
(ANTONIO SAI. AUXILIADORA LENTAMENTE VAI TIRANDO OS OBJETOS DA MESA. ENTRAM KATLEEN e WENDELEY. ENQUANTO RETIRA OS OBJETOS, AUXILIADORA OBSERVA O DIÁLOGO DOS DOIS)
WENDELEY: Pô! Tu não acha que eu tô certo?
KATLEEN: Com o quê? O que foi?
WENDELEY: Como assim? Tu não tá prestando atenção?
KATLEEN: O que você tava falando?
WENDELEY: Caraca! Pô, gata, tô falando há um tempão... Tu não tava prestando atenção mesmo, né? Sacanagem...
KATLEEN: Ai... Lucão... São tantas coisas... Você tava falando do quê?
WENDELEY: Agora não vou falar não!
KATLEEN: Ah... por favor... eu presto atenção dessa vez...
WENDELEY: Quer dizer que tu não tava prestando atenção mesmo, né?
KATLEEN: Você que disse que eu não tava prestando atenção!
WENDELEY: E é verdade isso? Tu não tava prestando atenção?
KATLEEN: Mais ou menos...
WENDELEY: Como assim? Num tem essa... Ou tu presta atenção ou não presta atenção! Não tem mais ou menos! Eu quero saber: tu tava ou não tava prestando atenção?
KATLEEN: Tá bom: eu não tava prestando atenção!
WENDELEY: E tu me diz isso assim?... Com essa cara?
KATLEEN: E que cara você queria que eu fizesse?
WENDELEY: Tu diz pro teu homem que não tava prestando atenção no que ele diz... Com essa cara? Porra!... Um assunto importante... Assunto do meu interesse... E tu nem aí!... Tu vive fazendo isso, né? Eu fico falando que nem um otário e tu não presta nem atenção!
KATLEEN: Não é assim também!
WENDELEY: Claro que é! (PEQUENA PAUSA) Qué saber?... Eu nem queria saber se tu tava prestando atenção! Quem disse que eu queria saber? Tô falando porque eu tô afim! Eu nem queria saber! Porra...
KATLEEN: Como assim?
WENDELEY: Porra! Eu não queria saber se tu tava prestando atenção ou não...
KATLEEN: Ah, não? Você me perguntou se eu tava prestando atenção ou não...
WENDELEY: Mas tu podia mentir...
KATLEEN: Claro que não! Porque eu teria que mentir?
WENDELEY: Porque eu sou teu homem... E tô com um problema importante... E tu não presta nem atenção quando eu falo...
KATLEEN: Mas eu também tenho problema importante...
WENDELEY: Claro que não! Mulher não tem problema importante!
KATLEEN: Como assim?
WENDELEY: Ah... mulher... mulher... mulher se preocupa com cabelo... com o que vai comer... se tá gorda... tá magra... com roupa... essas coisas!
KATLEEN: Você acha isso? E assim que você me vê?
WENDELEY: Como assim?
KATLEEN: Você acha que eu só me preocupo com isso?
WENDELEY: E não é?
KATLEEN: Não. Não é. (PEQUENA PAUSA) Eu me preocupo com isso também... claro...
WENDELEY: Não falei!
KATLEEN: Mas tenho outros problemas que são importantes também!
WENDELEY: Mas não são mais importantes que os meus, né, Katleen? Porra!
KATLEEN: Porque não?
WENDELEY: Porque não, Katleen! Eu sou homem! O homem é que faz as coisas importantes... Que tem os problemas importantes... O homem é que manda...
KATLEEN: Você acha que manda em mim?
WENDELEY: Não acho... Eu sei! É assim que tem que ser! O homem é que manda na mulher!
KATLEEN: Nossa! Você vive em que época?
WENDELEY: Como assim? Vivo hoje! Na atual, Katleen! Na atual!
KATLEEN: A mulher mudou muito, Lucão! O mundo mudou muito!
WENDELEY: Mudou nada! Tá tudo a mesma coisa! Mulher é mulher! Homem é homem! E é o homem que manda! Que dá as ordens! A mulher pode até trabalhar... Pode fazer o que for... Mas quem manda é o homem! Mulher não pode mandar! E cheia de frescurinha... de babaquice! A gente até deixa a mulher trabalhar, mas é o homem que manda!
KATLEEN: Ai... Lucão... Tu é muito tosco!
WENDELEY: Tosco? Como assim tosco? Tu me chamou de tosco? (KATLEEN NÃO RESPONDE) Tô falando contigo, pô! Que negocio é esse de tosco? (KATLEEN NÃO RESPONDE) Eu sou o homem, cara! O homem!... O homem quando fala a mulherada baixa a cabeça! É assim que tem que ser!... E assim que sempre foi!... E como é que tu me chama de tosco? Como é que tu não presta atenção quando eu falo? (KATLEEN NÃO RESPONDE) Ah... Não quer responder? (KATLEEN NÃO RESPONDE) Eu também não quero falar! (PEQUENA PAUSA) Eu sou “o cara”, cara! Eu sou “o cara”! Não tenho nada de tosco, tá legal?! Eu sou muito “o cara”! Muito mesmo! Tem muita mulher que dava um braço pra ficar comigo!... Tem muita mulher que sonha que eu dê pelo menos um “oi”!... E tu não presta nem atenção quando eu falo... Valeu!...
(OS DOIS FICAM EMBURRADOS E EM SILÊNCIO. NESSE MOMENTO AUXILIADORA SAI DE CENA – PEQUENO TEMPO – WENDELEY EMPURRA DEVAGAR KATLEEN. PRIMEIRO ELA FAZ UMA CARA EMBURRADA – ELE A EMPURRA DE NOVO – ELA O EMPURRA TAMBÉM. OS DOIS COMEÇAM A RIR – ELES SE ABRAÇAM)
WENDELEY: Pô... Katleen... Tu também, né?
KATLEEN: Ai... Você briga por umas coisas....
WENDELEY: Mas é demais, né?
KATLEEN: Não pode ser assim...
WENDELEY: Me chamou de tosco, cara!
KATLEEN: Desculpe... Você não é tosco... desculpe... Mas você diz umas coisas, né?
WENDELEY: Eu tava nervoso... Pô! Tô falando uma coisa importante e tu nem presta atenção...
KATLEEN: Desculpe... Vou prestar atenção... Fala pra mim...
WENDELEY: Agora não quero mais...
KATLEEN: Ah... Fala... por favor...
WENDELEY: Não quero mais...
KATLEEN: Fala... Lucão... tô pedindo... por favor...
WENDELEY: Hummm...
KATLEEN: Fala... por favor...
WENDELEY: Tá bom! Mas presta atenção! (KATLEEN OLHA PARA ELE) É o seguinte, cara: meu pai tá querendo que eu trabalhe no banco... Mas eu não quero... E aí eu pensei: eu sou um homem! Um homem que pensa! Um homem que pensa sabe o que quer, né? E eu não quero trabalhar no banco... E eu tenho que dizer isso pra ele...
KATLEEN: (TRANQUILA) Eu conheci um homem! Um homem que pensa!
WENDELEY: O que?... Pô! Tô falando e tu me interrompe!... Como assim? Conheceu um homem... Conheceu um homem?
KATLEEN: Conheci um homem tem umas semanas.
WENDELEY: Semanas? Como assim?
KATLEEN: Conheci esse homem... Um homem que pensa... Tem umas semanas... É isso!
WENDELEY: E daí?
KATLEEN: E daí... o quê?
WENDELEY: Você conheceu um homem que pensa tem umas semanas?
KATLEEN: É.
WENDELEY: E daí? O que tem uma coisa com a outra, Katleen?
KATLEEN: Não sei.
WENDELEY: E ele trabalha em banco?
KATLEEN: Não sei. Não sei se ele trabalha.
WENDELEY: E isso quer dizer o quê?
KATLEEN: Não sei.
WENDELEY: Caraca... Porra... Eu tô falando... Tu me interrompe pra dizer que conheceu um homem... Ou seja, me interrompe porque não tava prestando atenção! Não tava prestando atenção “de novo”! Diz que o cara é um homem que pensa... Eu pergunto o que tem a ver... E tu me diz que não sabe? Qualé, Katleen? Quê que isso? Como é o nome desse cara?
KATLEEN: Não sei.
WENDELEY: Tu não sabe o nome do cara?
KATLEEN: É isso. Eu não sei.
WENDELEY: Tu não sabe ou não quer me dizer?
KATLEEN: Eu não sei... Só sei que ele é um homem que pensa...
WENDELEY: Como assim “homem que pensa”? Que negocio é esse? Homem que pensa... (PEQUENA PAUSA) Isso deve ser bicha! Boiola! Negócio de homem que pensa... Isso é baitola!
KATLEEN: Por que?
WENDELEY: Esse negócio de homem que pensa... Que pensa... Que senta... É baitola!
KATLEEN: Como assim?
WENDELEY: Esse negócio de homem que pensa... Que é sensível... Isso é boiolagem!
KATLEEN: Você disse que era “um homem que pensa”!
WENDELEY: Eu disse?
KATLEEN: Disse!
WENDELEY: Tu tá me chamando de baitola?
KATLEEN: Claro que não, Lucão! Mas você disse que era um homem que pensa!
WENDELEY: E o que tu quer dizer com isso? Porque eu disse isso eu sou baitola?
KATLEEN: Não, Lucão! Não é isso! Você falou que o homem que eu conheci é bicha porque pensa...
WENDELEY: E quem é esse homem que pensa? O quê que tá acontecendo, Katleen? Porque tu tá defendendo ele?
KATLEEN: Eu não estou defendendo ninguém!
WENDELEY: Então o quê que tá acontecendo?
KATLEEN: Nada, Lucão!
WENDELEY: Só se tu... Tu não tá me traindo não, né? (KATLEEN NÃO RESPONDE) Tu tá me traindo, cara?... Tu tá me traindo, porra? Tu tá me traindo, caralho?...
KATLEEN: Não.
WENDELEY: Então, porque tu tá falando nesse porra? Nessa porra que pensa? (KATLEEN NÃO RESPONDE) Tu conheceu esse puto aonde?
KATLEEN: Ele não é puto!
WENDELEY: Tá defendendo ele de novo, né?... E onde tu conheceu esse porra que pensa?
KATLEEN: Pára com isso!... Conheci no meu trabalho!
WENDELEY: E ele foi lá fazer o que?
KATLEEN: É uma loja... Um comércio... Ele foi comprar uma flor...
WENDELEY: A bichona foi comprar flor? Foi comprar a flor para dar pro namorado ou pra enfiar no cu?
KATLEEN: Ele não é gay!
WENDELEY: Porra! Tu tá defendendo esse cara demais, né não?
KATLEEN: Eu sei que ele não é gay.
WENDELEY: Como é que tu sabe? Ele te cantou?... Jogou um lero?... O que rolou?
KATLEEN: Eu senti que ele não é gay, Lucão.
WENDELEY: Como assim? Sentiu?...
KATLEEN: Senti! Senti... Como a gente sente as coisas! Senti!
WENDELEY: Sentiu... E nem sabe o nome do cara? Tu sabe o nome desse cara! Como é o nome desse porra?
KATLEEN: Já disse que não sei!
WENDELEY: Tu não sabe de nada, cara! Esse cara tá é te levando no lero!
KATLEEN: Não é nada disso!
WENDELEY: Como não é? Tu diz que num sabe nem o nome dele e tá toda aí “homem que pensa”... “homem que pensa”... Tá toda nervosinha...
KATLEEN: Eu não tô nervosa! Não tem sentido isso que você tá falando....
WENDELEY: Como não? O cara te levou no lero...
KATLEEN: Ninguém me leva no lero...
WENDELEY: Tu te acha, né? Tu te acha muito esperta, né? Mas tu é a maior otária... Qualquer mané te leva no lero...
KATLEEN: Pára com isso! Ele não tá nada me levando no lero! Ninguém me leva no lero! Pára com isso, Lucão!
WENDELEY: Tá vendo! Tu é a maior otária! Tu não sabe de nada mesmo! Meu nome não é Lucão, sua tonta! É Wendeley!
KATLEEN: Como é que é?
WENDELEY: É isso mesmo! Meu nome é Wendeley! Wendeley Ricardo! Tu cheia de marra... Me chamando de tosco... Querendo homem que pensa... Tu não sabe de nada!
KATLEEN: Wen... wend?
WENDELEY: Wendeley! Wendeley Ricardo! Não é Lucão porra nenhuma!
KATLEEN: Wendeley?... Você mentiu pra mim? Porque?
WENDELEY: Só eu? Tu também, né? Tá comigo e com esse outro cara aí!
KATLEEN: Você mentiu pra mim! O que é isso? Você é bandido ou é maluco?
WENDELEY: Eu sou bandido?... Sou maluco?... Eu que sou? Tu me trai com um cara... Sem saber nem o nome do porra... Diz que não sabe! E eu que sou maluco? E tu? É puta ou piranha?
KATLEEN: Você mentiu pra mim!
WENDELEY: ... Saindo com um bicha... Que tu não sabe nem o nome do porra...
KATLEEN: Ele não é bicha!
WENDELEY: Como é que tu sabe, porra?
KATLEEN: Eu já disse! Eu senti!
WENDELEY: Sentiu... Sei o que tu sentiu... Sentiu uma pirocada! Foi uma pirocada nessa buceta, né? (KATLEEN NÃO RESPONDE) Tu tá me traindo com esse porra, né Katleen? (KATLEEN NÃO RESPONDE – ELE A SEGURA PELOS DOIS BRAÇOS) Tu tá me traindo com esse porra que pensa, caralho!... Quem é esse porra, Katleen?!... Quem é esse porra que eu vou acabar com ele, caralho?!
KATLEEN: Não importa quem é! Importa que eu conheci! E você mentiu pra mim!
WENDELEY: E tu tá com ele, né? Tu tá com esse porra, né? Esse viado tá te comendo, né?
KATLEEN: Se ele é viado como pode me comer?
WENDELEY: Ah... quer dizer que se não fosse viado tu dava pra ele? (KATLEEN NÃO RESPONDE – ELE A SEGURA PELOS DOIS BRAÇOS) Deve ser aidétido esse porra! Tu tá dando a buceta pra um aidético, num tá?
KATLEEN: Não tô!
WENDELEY: Então porque tu tá falando nele?
KATLEEN: (SE DESPRENDENDO DELE) Não sei. Só sei que eu conheci!
WENDELEY: E tu tá me corneando com ele, caralho? Me corneando com um aidético?
KATLEEN: Já disse que não!
WENDELEY: Tu tá me corneando! Tu tá me corneando com um porra que tu não sabe nem quem é! Sua vagabunda! (LEVANTA A MÃO PRA BATER)
KATLEEN: (FIRME) Não me bate! Não me bate que tu vai se arrepender!
WENDELEY: (BAIXA A MÃO) Tu tá me corneando, vagabunda!... Num tá?
KATLEEN: (GRITA) Não!
WENDELEY: Se eu souber que tu tá me corneando, sua porra, tu vai se arrepender! Não quero mais ver teus cornos, sua vagabunda... sua cachorra! Deve tá cheia de AIDS, sua porra! Não quero mais ver teus cornos nunca mais!
(WENDELEY SAI – KATLEEN SE AJEITA, PUXA UMA CADEIRA E SENTA)
CONFESSIONÁRIO II
KATLEEN: (SUSPIRA E COMEÇA) Ai!... O que foi isso? Tá tudo errado... Eu não devia ter falado nada! Mas... Não sei nem o que eu tô sentindo! Não sei o que eu sinto pelo Lucão... Lucão ou... Wendeley! Ai... Já não sei mais... Que coisa maluca... As pessoas são tão esquisitas, né?... Fazem umas coisas tão estranhas!... Eu gosto dele, mas... Não sei se eu... Se eu... Se eu o amo! Depois dessa história também... Será que ele tem vergonha do nome?... Coitado, né?... Também com esse nome: Wendeley! Wendeley... Como é que era? Tinha um outro nome também... Nem lembro mais... Wendeley Alberto, né? Acho que era isso... Que confusão!... Tadinho... Ele não merece isso! Ah... Eu tenho que ajudar ele! Não sei como, mas eu tenho que ajudar! (PEQUENA PAUSA) Eu gosto dele... Mas... Ele às vezes é tão diferente... Diferente... Diferente de mim. Diferente do que eu quero pra mim... Não vou me casar!... Principalmente porque eu sei que vou morrer cedo... E eu acho uma maldade fazer isso com alguém... Mas eu queria... Alguém... Alguém diferente! Ai! Eu não sei explicar!... Ainda mais assim como... Assim uma pessoa como... Como eu! Eu acho que a gente só deve fazer o que gosta... Tanto que eu só como brigadeiro por causa disso: eu gosto de brigadeiro! Mas não sei... O estranho é que eu gosto dele também... Gosto de uma outra forma. Ah! Se ele que ser chamado de Lucão, ele vai ser chamado de Lucão e pronto! Não tem nada haver esse nome maluco aí! Quem eu conheço é o Lucão! (PEQUENA PAUSA) A gente transa, sabe?... É bom!... É muito bom!... A gente transa dentro do caminhão de entrega da floricultura!... É um caminhãozinho fechado... Desse tipo fechado, sabe?... Meu tio não sabe! Nem pode saber! Ontem uma mulher quase pegou a gente! Eu me vesti, abri a porta do caminhão e ela estava lá parada! Aí! Foi um susto!... Inventei que ele era entregador de flores e que eu estava ajudando a arrumar umas coisas no caminhão, mas acho que ela não acreditou muito... Ah... Também não interessa... Não interessa o que os outros pensam... Só não quero que meu tio saiba... Ah... Misturar essas coisas com família não dá certo! (PEQUENA PAUSA) Mas é legal com o Lucão!... Sei lá tem uma coisa de pele, sabe?... Sabe como é?... Essa coisa que a pele bate e funciona!... Eu já transei com outros caras, mas não tinha isso... Foi bom, mas... Sabe quando o homem tem... Sabe quando dá... (PEQUENA PAUSA) Parece que foi tudo ensaiado! O Lucão sabe exatamente o que eu quero e o Lucão, parece, que gosta daquilo que eu faço... Sem a gente pedir... Tem uma coisa que... Ai! Ele sabe pegar!... “sabe”, você me entende? (PEQUENA PAUSA) Porque homem quando não sabe pegar é horrível, né?... Você tenta fazer alguma coisa e ele também... Você tenta de novo e ele pensa que é só ele... Hummm... Horrível! (PEQUENA PAUSA) E com o Lucão não é assim! É uma coisa... Parece ensaiada mesmo! Ele tem uma delicadeza e ao mesmo tempo é tão... Tão homem! É tão bonito... Mas depois ele abre a boca e acaba tudo! Como pode uma pessoa tão delicada num momento e tão... Tão tosco no outro? (PEQUENA PAUSA) Ai, ele tem umas idéias, sabe?... Parece que são dois caras: o Lucão que eu conheço e esse... Esse tosco!... Vai ver que é por isso que ele tem esses dois nomes! Mas eu gosto é do Lucão... Esse Wendeley “não sei das quantas” não dá não! Ah... Não dá mesmo!... Com Lucão é outra coisa! Sei lá... A pele da gente combina... Eu já tava meio conformada com isso... Achei que podia ser só assim... Ainda mais porque eu vou morrer cedo... Tava mesmo conformada com essa coisa de pele! Até que ele apareceu... Não o Lucão, nem o Wendeley!... O outro... (PEQUENA PAUSA) Foi uma segunda feira... Tem umas quatro ou cinco semanas.. (ANTONIO ENTRA EM CENA – FICA UM TEMPO PARADO OLHANDO PARA KATLEEN – DEPOIS COMEÇA A ARRUMAR O CENÁRIO PARA A CENA SEGUINTE) Primeiro achei engraçado: aquele homem mais velho... De terno e gravata entrando na loja... Fiquei esperando pra ver o que ele faria... Tentei imaginar o que ele queria... Não era bonito... Nem feio... Muito pelo contrário... Sei lá... Um homem, sabe? Daqueles que não precisam ser feios ou bonitos, mas que chamam uma atenção doida! Grande... Grandão... Um homem! Parece que o ar se movimenta de forma diferente em volta de homem desses... Já reparou? Tem uma coisa diferente... Não sei explicar... Ai! Não sei mesmo... Mas tem uma coisa diferente... É uma coisa de homem! De certos homens! Sabe como é, né? (PEQUENA PAUSA) Fiquei esperando o que ele ia fazer. Até que ele ficou na minha frente e ficou me olhando... Eu podia ficar ali pra sempre... Aquele homem parado olhando pra mim... e eu olhando pra ele... (PAUSA) Mas eu tinha que perguntar... Eu sou vendedora da loja, né?... E perguntei: (P/ ANTONIO) O senhor deseja? (PEQUENA PAUSA – FALA P/ A PLATÉIA) Ele não respondeu nada! Insisti (P/ ANTONIO): o senhor deseja alguma coisa? (PEQUENA PAUSA – FALA P/ A PLATÉIA) E aí ele me respondeu uma coisa muito estranha... Muito estranha e maravilhosa...
ANTONIO: Não sei. Não sei nem porque eu entrei aqui!
KATLEEN: (P/ A PLATÉIA) Confesso que fiquei meio tonta!... Não sabia o que dizer... Mas eu sou vendedora da loja e precisa oferecer as coisas... E disse (P/ ANTONIO): temos flores de plástico... Flores naturais... Eu prefiro as de plástico... Mas se o senhor preferir as naturais temos terra... Temos vasos... Temos... (P/ A PLATÉIA) Ele me interrompeu... Não deixou eu terminar...
ANTONIO: Eu não quero nada! Só queria entrar! Eu posso entrar de vez em quando? Não vou perturbar! Só quero ficar um pouco aqui! Pode ser?
KATLEEN: (P/ A PLATEIA) Fiquei mais tonta ainda... Um homem daqueles dizendo aquilo... Parecia mentira... Ele só queria entrar na loja... Era um homem maravilhoso... Um homem que tem uma atitude dessas é um homem maravilhoso... Um homem assim é um homem que pensa... Que tem idéias... Que tem desejos... E sem querer eu disse (P/ ANTONIO): o senhor pode fazer o que quiser! O senhor é um homem que pensa! E um homem que pensa sabe o que faz! (PEQUENA PAUSA – P/ A PLATÉIA) Saiu assim... Sem querer... Ele ficou um tempo por lá... Andando de um lado para outro... De vez em quando olhava pra mim... Depois saiu sem dizer nada... (ANTONIO VAI ATÉ A ENTRADA DA COXIA, MAS NÃO SAI) Passou a fazer isso quase todos os dias... As segundas, quartas e sextas pra ser mais correta... Não sei porque esses dias.... Mas eu fico aguardando pela sua chegada... E é sempre a mesma coisa... Ele entra e fica andando pela loja... De vez em quando olha para mim... É lindo! Um homem que pensa! (PEQUENA PAUSA) Mas as pessoas... As pessoas... Aqui é um bairro pequeno... As pessoas percebem tudo, né?... E eu logo comecei a sentir uns olhares... Principalmente das mulheres... Parece que elas dizem assim: o que aquele homem tanto faz dentro da tua loja? (PEQUENA PAUSA) As pessoas são muito cruéis... Elas imaginam coisas... Elas comem carne... Carne de bicho morto... Isso não faz bem... Afeta a cabeça... A pessoa fica meio maluca... E nessa maluquice delas, eu acho que elas pensam que acontece assim:
(ANTONIO VAI ATÉ ELA)
ANTONIO: E aí, gostosa! Quero te comer! Quero te comer agora! Todinha!
KATLEEN: (P/ ANTONIO) Vamo lá pra dentro, meu gostoso! (P/ A PLATÉIA – OUTRO TOM) Só que não é nada disso... (ANTONIO SAI) Não daria nem tempo... É tudo tão rápido... Ele realmente entra e fica olhando as coisas e de vez em quando olha pra mim (PEQUENA PAUSA) Me apaixonei perdidamente por esse homem... Mas não sei nada dele... Não sei o nome... Não sei o que faz... Não sei se é casado... Bom... Se ele for casado... Do jeito que as pessoas estão me olhando na rua... A mulher dele já deve saber... Mas como ela não apareceu aqui... Ele não deve ser casado, né?. Se fosse casado a mulher já tinha vindo aqui! (PEQUENA PAUSA) É um homem que pensa! Um homem sensível, sabe?... Desses que não tem mais... Se é que já teve um dia... Às vezes eu acho que ele é um sonho meu... Uma coisa que não existe... Ele nem fala comigo... Mas toda segunda, quarta e sexta ele entra e eu me sinto... Me sinto muito bem! Queria que ele estivesse sempre assim... Perto de mim... Me olhando... Não é sexo, não! É diferente... É uma coisa que não se explica! É maior do que eu! É maior do que tudo! (PEQUENA PAUSA) Eu estou apaixonada por esse homem... Esse homem que pensa... Com o Lucão é sexo! É essa coisa de pele! Mas com ele é maior... É uma coisa que não tem nome! Uma vez eu li que tem uma tribo de índios... Índios aqui do Brasil... Que acham que quando uma coisa não tem nome ela não existe! Deve ser isso, né? Não existe... (PEQUENA PAUSA) Não sei como dizer isso ao Lucão... Não sei nem se eu tenho que dizer... Eu tenho que dizer! Mas... Ah! Também... Eu vou morrer cedo... Não tenho que me preocupar com isso...
(KATLEEN SAI. ENTRA AUXILIADORA COM UMA TOALHA. ARRUMA A TOALHA NA MESA. SAI E VOLTA COM UMA BANDEJA COM 2 PRATOS, 2 COPOS E TALHERES. SAI E VOLTA COM UM PEQUENO VASO - SEM FLOR – QUE ELA COLOCA NO CENTRO DA MESA. ELA OLHA O RELOGIO E ACENDE UM CIGARRO. ARRUMA A MESA COM MUITO CUIDADO MEDINDO A DISTÂNCIA ENTRE OS OBJETOS COM UMA PEQUENA RÉGUA. DE VEZ EM QUANDO ELA OLHA O RELOGIO. TERMINA DE ARRUMAR E SAI COM A BANDEJA. VOLTA TRAZENDO NA BANDEJA A COMIDA PARA UM JANTAR. ELA ARRUMA A COMIDA NA MESA SEMPRE MEDINDO A DISTÂNCIA ENTRE OS OBJETOS COM A PEQUENA RÉGUAARRUMA ELA TERMINA DE ARRUMAR A MESA E OLHA O RELOGIO. VAI ATÉ A FRENTE DO PALCO E SE ADMIRA COMO SE OLHASSE UM ESPELHO. FAZ UM AR DE ENFADO. PEGA NO BOLSO UMA CAIXINHA PRATEADA ONDE APAGA O CIGARRO. GUARDA A CAIXINHA, OLHA O RELOGIO E ACENDE OUTRO CIGARRO. COLOCA UMA CADEIRA PERTO DA MESA E SENTA. PEGA A CAIXINHA NO BOLSO, ABRE E A COLOCA EM CIMA DA MESA. BATE A CINZA DO CIGARRO NA CAIXINHA. FICA FUMANDO OLHANDO PARA O CHÃO E AS VEZES PARA O RELÓGIO. TERMINA DE FUMAR, AMASSA O CIGARRO NA CAIXINHA, TAMPA E GUARDA NO BOLSO. PEGA NO BOLSO UM PEQUENO FRASCO COM UM BORRIFADOR. ELA BORRIFA BASTANTE NA BOCA E NAS MÃOS. DEPOIS BORRIFA O AMBIENTE. ELA ERGUE-SE E VAI ATÉ O FUNDO DO PALCO. ENTRA ANTONIO. ELA O DEIXA BEIJAR SUA TESTA. ANTONIO ENTREGA A MALETA E ELA O AJUDA A TIRAR O PALETO. ELA COLOCA O PALETÓ NO ESPALDAR DE UMA DAS CADEIRAS E A MALETA NO CHÃO AO LADO DA CADEIRA. ELE SENTA NESSA CADEIRA. ELA SENTA NA OUTRA CADEIRA. ELE OLHA PARA O PRATO E ELA TAMBÉM OLHA. FICAM IMÓVEIS POR ALGUNS INSTANTES. ELA ERGUE O ROSTO E PERGUNTA)
AUXILIADORA: Como foi o dia?
ANTONIO: Você voltou a fumar?
AUXILIADORA: Você sabe que não!
(SILÊNCIO DOS DOIS. ANTONIO FICA OLHANDO PARA O PRATO E AUXILIADORA FICA OLHANDO PARA ELE).
AUXILIADORA: Como foi o dia?
ANTONIO: (FAZ UM GESTO COM O OMBRO SEMPRE OLHANDO PARA O PRATO) O de sempre. Você tem certeza que não voltou a fumar?
AUXILIADORA: Claro que tenho!
(SILÊNCIO DOS DOIS. ANTONIO FICA OLHANDO PARA O PRATO E AUXILIADORA FICA OLHANDO PARA ELE).
ANTONIO: E o seu dia como foi?
AUXILIADORA: O de sempre também.
(SILÊNCIO DOS DOIS. ANTONIO FICA OLHANDO PARA O PRATO E AUXILIADORA FICA OLHANDO PARA ELE).
AUXILIADORA: Você não vai comer?
ANTONIO: Estou sem fome.
AUXILIADORA: Aconteceu alguma coisa no trabalho?
ANTONIO: Já disse que não.
AUXILIADORA: Então o que houve?
ANTONIO: Nada. Só estou sem fome. (DEPOIS DE PEQUENA PAUSA) E com você?
AUXILIADORA: O quê?
ANTONIO: Aconteceu alguma coisa com você?
AUXILIADORA: Nunca acontece nada comigo! É sempre a mesma coisa!
ANTONIO: Melhor assim.
(SILÊNCIO DOS DOIS. ANTONIO FICA OLHANDO PARA O PRATO E AUXILIADORA FICA OLHANDO PARA ELE. OS DOIS SE ENCARAM. ANTONIO LEVANTA).
ANTONIO: Vou tomar um banho e dormir.
AUXILIADORA: Boa noite.
(ANTONIO SAI. AUXILIADORA VIRA-SE PARA O PÚBLICO. COMEÇA A TIRAR AS COISAS DA MESA ENQUANTO FALA).
CONFESSIONÁRIO III
AUXILIADORA: O casamento é assim! Assim mesmo!... Uma coisa... Uma coisa engraçada. Eu acho que mulher tem que casar! Não precisa ter filhos... Mas tem que casar. Filho é opção... Você tem se quiser! Se vier você pode até tirar! Pra mim não veio... Ainda bem! Mas se viesse... Eu tirava! Ah... Tirava mesmo! Não sou a favor do aborto... Mas também não sou contra! Se existe é porque alguém precisa usar! As coisas só existem porque alguém precisa... As boas e as ruins... Só existem porque alguém precisa! Se não precisasse não existia! (PEQUENA PAUSA) Por isso que eu acho que filho é opção... Pra mim é opção... Mas casamento não! A mulher tem que casar! Desde pequena eu sabia disso... Não precisa nem ser um homem assim... Assim... Maravilhoso! (PEQUENA PAUSA) É o caso do Antonio! Meu marido Antonio... Não sei o quê foi que me chamou... Que me chamou nele, sabe? Assim... Essa coisa de você olhar para um homem e te dá aquela... Dispara alguma coisa! (PEQUENA PAUSA) Não disparou nada com o Antonio. Ele estava lá... E eu também... Acho que eu precisava dele e ele... Ele também precisava de mim! (PEQUENA PAUSA) O Antonio não foi meu primeiro marido... Não foi não! Casei a primeira vez... Eu devia ter uns dezessete anos... Dezessete para dezoito. Ele chamava André. Era lindo... Um homem, sabe? O povo diz que homem não precisa ser bonito... E as vezes quando é bonito demais não é muito homem... Mas o André era bonito! E era homem! Machão, sabe? Nos casamos! Eu era muito nova... Mas... Ele não me deixou não! Não me trocou por ninguém... Nem nada disso... É pior! Bem pior! Parece coisa de novela! Nós casamos e fomos passar a lua de mel no litoral do Rio... Búzios!... Eu casei virgem! Não que todo mundo casasse virgem naquela época! Não mesmo! Mas eu casei... Minha mãe nunca deu importância pra isso. Nem ela, nem minha avó... Mas eu quis...A mãe do André era muito católica e ele também... Achava importante a mulher casar virgem... Mas não foi por isso que eu casei virgem! Casei virgem por que eu queria... E casei. Virgem como um lençol novo e branco! Nós íamos... Íamos... Trepar! Trepar na lua de mel! Lá em Búzios! Era o combinado! Fomos de manhã bem cedo pra Búzios... No dia seguinte do casamento... Ele não queria dirigir de noite. O engraçado é que a gente chegou a dormir junto... Mas dormimos mesmo. Um do lado do outro. Ele dizia que só queria trepar lá em Búzios... Seria minha primeira noite... Tinha que ser especial... Essas coisas de homem... Homem bobo! Como homem é bobo, né? Que importância tinha se fosse em Búzios ou sei lá aonde... Tinha que ser bom, né? O lugar é o que menos importa! Mas... Enfim... Tinha que ser lá... Chegamos em Búzios de manhã... Mas ele achava que trepar de manhã não era bom! Trepar era só a noite! Só podia trepar a noite e na cama! Homem tem umas coisas, né? Ah... Tá certo! Mais essa! Vamos esperar a noite! Mas estava um dia lindo... Fomos pra praia... E ele morreu afogado! (PEQUENA PAUSA) Morreu afogado! Teve uma câimbra e se afogou... Morreu! (PAUSA) Eu estava viúva... e virgem! (PEQUENA PAUSA) Essa é a primeira vez que falo isso pra alguém... O Antonio nem sabe... Ou nem se tocou, né? Porque eu só transei com ele. Acho que não prestou atenção! Ou se prestou... Não achou nada demais! (PEQUENA PAUSA) O que eu ia fazer? Viúva e virgem... Tava com vergonha disso... Viúva virgem, sabe?... Parecia coisa de filme pornô! Ai... Eu precisava casar... E aí eu conheci o Artur... O Artur... O Artur sim... A primeira vez que eu vi o Artur foi na piscina do clube... Que corpo! Grande... Forte... Ombros largos... Minha mãe era sobrinha de uma tia postiça dele... Uma coisa meio confusa que eu nunca entendi muito bem. Eu me apaixonei pelo Artur! Ele passou a freqüentar a minha casa! Uma beleza! A gente não namorava não! Mas eu tava doida pra namorar... Pra casar... O diabo! Até que um dia... (PEQUENA PAUSA) Um dia... Ele nos convidou par ir a festa de aniversário dele... E na festa... Eu descobri que ele era... que não gostava muito... Ele não gostava muito de mulher... Preferia os homens! (PEQUENA PAUSA) Sem querer eu vi... eu vi... fui procurar ele no quarto... a porta estava entreaberta... eu vi ele beijando um rapazinho... na boca! Um rapazinho que ele dizia que era amigo dele! Eles não me viram... não sabem que eu vi! Fiquei com pena! Um homão daquele, né?... Tem umas mulheres que falam de desperdício! Eu não acho que seja desperdício não! Pra alguém aquilo vai servir, né? Eu não tenho nada contra... Também não sou a favor! Eles lá e eu cá! E eu nunca contei deles pra ninguém... Antonio não sabe... É a primeira vez que falo sobre isso... (PEQUENA PAUSA) E aí... Eu sai de lá... De lá do quarto... E pensei: não é assim! Esses homens que me... que me... que encantam! Vamos dizer assim... Esses homens que me encantam não são pra mim! Eu tinha que me casar com um homem que não me encantasse... e aí eu vi o Antonio... o Antonio é primo do Artur! (PEQUENA PAUSA) Não que ele seja feio... Não é! Não é bonito também! Ele é... Ele é o Antonio! (PEQUENA PAUSA) Namoramos... Noivamos e casamos! Tudo nos conformes! Antonio também nunca foi muito apaixonado por mim! Acho que ele pensa como eu! (PEQUENA PAUSA) Mas eu também não sou essas mulheres que ficam se lamentando por causa de sexo... Porque não tem sexo... Essas coisas! A gente trepa!... E é bom!... Quer dizer... Eu não tenho muito parâmetro... Porque eu só trepei com ele... Mas é bom! Eu gosto! (PEQUENA PAUSA) E não é uma vez por mês, não! Mesmo quando ele chega com essa cara de ovo virado... se eu tiver a fim... a gente trepa! Também não é todo dia! E pra dizer a verdade, esse negócio de “todo dia”... pra mim é folclore... é coisa de televisão! Tem gente que fala... mas fazer mesmo... sei não! (PEQUENA PAUSA) E pra ser sincera, casamento, pra mim, não é só sexo! Aliás, sexo é o que menos importa! Sexo você pode fazer com qualquer um! Eu nunca fiz, mas sei de muita gente que faz! Casar não! Casamento é compromisso! Compromisso com um pouco de sexo! Acho que foi por isso que eu casei com o Antonio! Ele tem cara de compromisso! (PEQUENA PAUSA) Claro que tem mais alguma coisa além do compromisso... mas se não tem essa “mais alguma coisa”... já dá, né? Tem que dar! Se não der... A gente dá um jeito! Mas tem que dar! (PEQUENA PAUSA) Engraçado eu estar falando sobre isso... Assim, né? (PEQUENA PAUSA) Desse jeito assim... Como se não me incomodasse... Já me incomodou! Muito! (PEQUENA PAUSA) Mas eu casei! Quer dizer... Casei com o Antonio!... Nós casamos! Casei com um homem com cara de compromisso! Casamos e vamos viver juntos até um de nós morrer! E é isso que eu quero dele! Isso é uma decisão! E nada... Nada vai atrapalhar isso! Depois de duas decepções... Nada pode entrar nesse caminho! Nós casamos... Vamos viver juntos... Até um de nós morrer. E fim!
(AUXILIADORA SAI. ENTRA ANTONIO E VAI PARA FRENTE DO PALCO. FICA COMO SE ESTIVESSE NUM ONIBUS. ENTRA WENDELEY. ESTÁ USANDO CALÇA JEANS, CAMISA SOCIAL E GRAVATA. FAZ COMO SE ENTRASSE NO ÔNIBUS E FICA DO LADO DE ANTONIO)
WENDELEY: (VENDO ANTONIO) Ah... O senhor por aqui de novo!
ANTONIO: Como vai?
WENDELEY: O senhor agora tá lembrando de mim?
ANTONIO: Pegamos o mesmo ônibus uns dias atrás...
WENDELEY: Ah! Disso o senhor lembra! Da festa não, né? Mas disso lembra! Ainda bem!
ANTONIO: É.
WENDELEY: Tá indo pro banco, né?
ANTONIO: Estou!
WENDELEY: Eu também...
ANTONIO: Que bom!
WENDELEY: (DEPOIS DE PEQUENA PAUSA) Sabe o que eu vou fazer lá?
ANTONIO: Não!
WENDELEY: Vou trabalhar!
ANTONIO: Vai trabalhar no banco?
WENDELEY: É... Meu pai tanto insistiu... conseguiu... é o meu primeiro dia...
ANTONIO: Vai trabalhar com o que?
WENDELEY: Vou atender telefone!
ANTONIO: Que bom!
WENDELEY: Não sei se é bom!
ANTONIO: Porque não?
WENDELEY: Porque vão me xingar!
ANTONIO: Vão xingar? Quem vai xingar?
WENDELEY: Ah... Os caras! Quem ligar pra lá...
ANTONIO: Mas por que fariam isso?
WENDELEY: Tem gente que faz isso! Que liga pros lugares só pra xingar! O senhor não sabia não? É verdade!E xinga muito!
ANTONIO: Tem cada maluco.
WENDELEY: O senhor acha que quem faz isso é maluco?
ANTONIO: Sei lá! Não é muito normal.
WENDELEY: É! Mas às vezes o cara pode tá com um problema... passando por uma situação... O senhor não acha?
ANTONIO: Pode ser... mas a gente tem que ver sempre o lado bom da vida, não é?
WENDELEY: Não acho, não! Na minha vida nada tá bom!
ANTONIO: Que pena!
WENDELEY: É uma pena mesmo! Tô indo trabalhar numa coisa que eu não quero... Minha garota tá com outro cara... Lembra da minha garota que eu falei pro senhor?
ANTONIO: Mais ou menos...
WENDELEY: Uma vagabunda! Uma mulher a toa! Piranha mesmo... Desculpe falar, tá? Mas piranhuda mesmo!
ANTONIO: Que coisa!
WENDELEY: Tá com outro cara! Um puto... viadinho... puto... Desculpe falar, tá?
ANTONIO: Fique a vontade.
WENDELEY: Um puto... Um tal de homem que pensa!... Mulher não vale nada mesmo!
ANTONIO: Às vezes é assim...
WENDELEY: E põe “às vezes” nisso! ... E ela me trocar por um homem que... Ela não sabe nem o nome do homem!
ANTONIO: Não sabe o nome?
WENDELEY: Diz que não sabe! Pelo menos não me disse... Disse que não sabia...
ANTONIO: Que coisa, não?
WENDELEY: E sabe o que mais?
ANTONIO: O que?
WENDELEY: Ela nem terminou comigo!
ANTONIO: Ela não terminou com você?
WENDELEY: Termina... Termina... Ela não terminô! Mas disse que conheceu esse homem... Esse homem que pensa! Acho que ela queria ficar com os dois!
ANTONIO: Nossa!
WENDELEY: O senhor acha isso justo?
ANTONIO: Não.
WENDELEY: Como é que pode, né? Uma mulher tá com um cara e fica conhecendo outro... Isso tá certo?
ANTONIO: Não sei.
WENDELEY: Como não sabe?
ANTONIO: Conhecer não quer dizer que ela esteja com ele.
WENDELEY: O senhor acha isso?
ANTONIO: Acho!
WENDELEY: Mas o senhor não acha estranho uma mulher tá com um homem... E fica falando em outro?..
ANTONIO: É meio chato!
WENDELEY: É muito chato!
ANTONIO: Você gosta dela?
WENDELEY: Gosto! Claro que gosto! Gosto muito! Quero casar com ela!
ANTONIO: E porque você não conversa com ela? Não fala isso pra ela?
WENDELEY: Porque eu tenho meu orgulho de homem, né?... Isso não é assim... Vai arrumando outro... Falando de outro... E eu como fico?
ANTONIO: Não sei. Mas se você gosta mesmo dela... devia falar com ela! Se não falar vai ficar com seu orgulho de homem... Mas vai ficar sozinho!
WENDELEY: O senhor acha isso mesmo?
ANTONIO: No seu lugar eu faria isso. (OUTRO TOM) Meu ponto chegou.
WENDELEY: Ah... Eu vou também...
(OS DOIS SAEM DO ÔNIBUS – ANTONIO VAI SAINDO DE CENA – WENDELEY O SEGURA)
WENDELEY: O senhor falaria com ela? Se fosse com o senhor... O senhor falaria com ela? Esqueceria seu orgulho de homem e falaria com ela?
ANTONIO: Esse negócio de orgulho de homem é...
WENDELEY: É o que?
ANTONIO: É bobagem!
WENDELEY: O senhor acha?
ANTONIO: Acho! Isso não vai te ajudar em nada! A gente perde muito tempo com bobagem! Deixa de fazer as coisas que realmente valem a pena por... por nada! Não faça isso!
WENDELEY: Se o senhor estivesse no meu lugar faria o quê?
ANTONIO: Mas eu não sou você!
WENDELEY: Mas se fosse com o senhor? O que o senhor faria?
ANTONIO: Eu?
WENDELEY: É! Se fosse com o senhor, o que o senhor faria? A mulher que o senhor ama... A única mulher que o senhor amou... Se ela estivesse com outro... O que o senhor faria?
ANTONIO: Se fosse comigo? (PEQUENA PAUSA) Se fosse comigo eu matava todo mundo... Matava ela... Depois descobria quem era o cara e matava também! Acabava com tudo! Não admito traição! Não admito decepção! (PEQUENA PAUSA) Mas acho melhor você não fazer isso! Não vai ajudar em nada! (SE DESPEDINDO) Até mais tarde...
(ANTONIO SAI)
CONFESSIONÁRIO IV
WENDELEY: Caraca! O cara, aí!... Pô... O cara! Radical! (PEQUENA PAUSA) Mas sabe que ele tá com a razão... Esse negócio de decepção é muito ruim... Já se decepcionou na vida? Quem já se decepcionou sabe do que eu tô falando... É uma coisa pesada... Triste! Um homem se decepciona muito na vida... É muito sofrimento... Ser homem é um sofrimento! Tu tem que provar que é forte o tempo todo! Que tá ali! Agüentando tudo! E quando baixa uma decepção... Tu tem que... tu tem... tu tem que ser homem! Ter atitude de homem! Orgulho de homem! E nem sempre é fácil! Eu tiro por mim! Essa com a Katleen não foi a minha primeira decepção... Já tive muitas... E é uma coisa que dói, sabe?... Fica marcado pra toda vida!... Eu lembro... Minha primeira decepção... Eu era moleque... moleque mesmo... pequeno... pô, pequeno! Eu quando era moleque achava que só na minha família tinha gente bonita! (PEQUENA PAUSA) Quer dizer... Tinha gente bonita nas outras famílias também, mas a minha família era a mais bonita! Meu pai, minha mãe, eu, meu irmão! Eram os mais bonitos do mundo!... Aí eu descobri que não... Tem gente mais bonita... Meu pai e minha mãe nem são bonitos... Meu pai é feio pra caramba! Minha também, sabe? Gorda, baixinha! Parece um bujão! Não sei nem como eu nasci bonito assim... Foi duro descobrir isso! Foi muita tristeza! Pô, tu sabe que nasceu de uma gente feia! É duro... (PEQUENA PAUSA) A minha segunda decepção foi pior ainda! Também foi quando eu era moleque... Descobri que mulher fede! Porra! Eu tinha nove anos... Sacanagem, né? Descobri que mulher fede!... Eu achava que mulher não fedia... não podia feder, né? Uma coisa bonita como mulher não podia feder que nem homem fede, né?... Mas fede... Fede que nem homem... Tem mulher que fede pior do que homem... Sacanagem, né? Não podia feder, não! Pô... Eu com nove anos... Vendo aquelas princesas todas na minha frente... Não podia acreditar nisso... E não é só mulher feia, não! Mulher bonita também fede! Eu descobri isso com nove anos... Minha prima Silvinha, sabe? Minha prima Silvinha... lindinha... olhão azul... loura... Tava brincando de pique esconde... vi ela... lá escondidinha... cheguei junto... crente que ia me dar bem... Porra! Tava na maior catinga! Futum mesmo, sabe? Futum brabo! Maior gambá! Aí eu falei, né? “Pô! Tu fede? Tu fede que nem homem! Tu é mulher mesmo?” ... Caraca... Deu a maior merda! Ela saiu chorando... Falou pro meu pai... Meu pai me deu a maior surra e eu aprendi que mulher fedia também... Foi duro! Essa foi pra não esquecer nunca mais! (PAUSA) Mas essa da Katleen também, né?... Sei não... Queria casar com a mulher, cara?... Casar com ela! (PEQUENA PAUSA) Eu entendo o seu Antonio... Entendo ele... Ele até me falou pra não fazer isso! Gente boa... Quis me ajudar... Mas eu entendo o que ele diz... É muito humilhação... Humilhação no teu orgulho de homem... Uma mulher que faz isso não sabe o que é ser homem! Não sabe o trabalho que dá! Uma desgraçada que faz isso não merece viver... Pô! Eu escolhi a mulher... Queria casar com ela... E ela me dá uma dessa! (PEQUENA PAUSA) Ela não diz que vai morrer cedo... Pois ela vai morrer cedo! Vai morrer na minha mão!... O destino tá traçado! O meu e o dela! Tá traçado! (PEQUENA PAUSA) Vou até mandar uma mensagem pra ela! Pra ela se cagar de medo!! (PEGA O CELULAR E ESCREVE) TEU DESTINO TÁ TRAÇADO! (ENVIA A MENSAGEM) Pronto! Pra ela saber quem eu sou! Eu vou pegar ela de jeito, cara! Não vai morrer cedo? Pois vai morrer é na minha mão! (FAZ UMA LIGAÇÃO NO CELULAR) Alô! É do atendimento ao cliente? (....) O que eu quero? Quero que tu vá tomar nesse cu, vagabunda!
(WENDELEY SAI. ENTRA AUXILIADORA. ELA PÁRA NO MEIO DO PALCO E FICA OLHANDO AO REDOR COMO SE ANALIZASSE UM AMBIENTE. ENTRA KATLEEN)
KATLEEN: (P/AUXILIADORA) Pois não?... O que a senhora deseja?
(AUXILIADORA OLHA PARA KATLEEN POR ALGUNS INSTANTES – DEPOIS FALA)
AUXILIADORA: Nada!... Eu sempre passo aqui em frente e tinha curiosidade de entrar...
KATLEEN: Fique a vontade!
AUXILIADORA: É uma loja tão arrumadinha...
KATLEEN: A senhora acha?
AUXILIADORA: Acho! Tão bonitinho... Tudo no seu lugar... Certinho...
KATLEEN: Sou eu que arrumo!
AUXILIADORA: Você? Sozinha?
KATLEEN: É.
AUXILIADORA: A loja é sua?
KATLEEN: Não. É do meu tio, mas ele quase não vem aqui.
AUXILIADORA: Tem confiança em você, não é?
KATLEEN: Acho que sim...
AUXILIADORA: Nossa! Mas deve dar um trabalhão!
KATLEEN: Nem tanto... Eu gosto das coisas no lugar certo!
AUXILIADORA: (PEQUENA PAUSA) Eu também! Acho que as coisas devem estar sempre nos lugares certos... Nada fora do lugar...
KATLEEN: A senhora é das minhas...
AUXILIADORA: É... Mas você tem um ajudante, não é?
KATLEEN: Ajudante? (PEQUENA PAUSA) Ah... Eu tô reconhecendo a senhora.... A senhora tava naquele dia que eu sai do caminhão...
AUXILIADORA: Isso mesmo! Foi um dos dias que eu estava passando e vi você com seu ajudante... Num caminhãozinho...
KATLEEN: É verdade... Eu estava com meu ajudante... Ele me ajuda muito... Mas ele não trabalha sempre aqui...
AUXILIADORA: Então você realmente arruma tudo sozinha aqui... e está tão bonito...
KATLEEN: Melhorou muito com as flores de plástico!
AUXILIADORA: Flores de plástico? Essas flores todas são de plástico?
KATLEEN: Nem todas...
AUXILIADORA: Nossa! Parecem tão... verdadeiras...
KATLEEN: Metade é de plástico e metade... metade não é...
AUXILIADORA: São naturais!
KATLEEN: É... são naturais... quer dizer... eu não acho natural!
AUXILIADORA: Como assim?
KATLEEN: Ai... Elas estão mortas... foram cortadas... apodrecem... dão um cheiro horroroso... (PEQUENA PAUSA) Eu não devia nem estar falando isso pra senhora, né?
AUXILIADORA: Porque não?
KATLEEN: Ah... porque eu vendo essas flores também... e ficar falando mal delas... é estranho, né?
AUXILIADORA: Não acho. Você está sendo sincera! (PEQUENA PAUSA) Você prefere as de plástico?
KATLEEN: Ah... Bem mais... elas estão sempre belas... não...
AUXILIADORA: Não envelhecem, né? Não morrem! Estão sempre belas!
KATLEEN: É isso que eu acho! E elas não têm contato com a terra... A terra é tão... tão...
AUXILIADORA: Suja?
KATLEEN: Isso! Tô vendo que a senhora concorda comigo! Eu gosto delas assim: ficam sempre do jeito que tem que ser!
AUXILIADORA: É... Eu também acho que as coisas têm que ficar sempre do jeito que tem que ser! Mas não acontece isso! Tem sempre uma outra coisa que vem atrapalhar... vem se intrometer... vem mudar o que está certo!
KATLEEN: A senhora acha isso?
AUXILIADORA: Acho! (PEQUENA PAUSA) As flores de plástico, por exemplo...
KATLEEN: O que têm elas?
AUXILIADORA: Acho melhor não falar...
KATLEEN: Por favor...
AUXILIADORA: Bom... elas também envelhecem... de uma outra forma... mas envelhecem...
KATLEEN: Como assim?
AUXILIADORA: Ah... sei lá... Cai poeira... elas ficam escuras... e mesmo se a gente limpa, com o tempo elas vão ficando amareladas... encardidas... depois vão perdendo a cor... o brilho... ficam feias... e são jogadas fora! Morrer... Morrer... Elas não morrem nunca! Mas perdem a vida!
KATLEEN: (PEQUENA PAUSA) Eu nunca tinha pensado nisso!
AUXILIADORA: Eu imagino!... Mas não deve pensar mesmo. Isso é bobagem minha! Você ainda é muito nova! Não teve tempo de ver uma flor de plástico ficar encardida!
KATLEEN: E sabe de uma coisa... Ai nem sei se eu devia falar isso pra senhora...
AUXILIADORA: O que é?
KATLEEN: Nossa! De repente esse nosso papo... Ficou uma coisa engraçada, né?
AUXILIADORA: É... Ficou sério, né?... E olha que eu só entrei para dar uma olhada na loja...
KATLEEN: Mas eu acho que as coisas são assim mesmo... Eu sinto coisas, sabe? Percebo no ar... E eu sinto que a senhora é uma pessoa boa... Eu sinto como se nos conhecêssemos há um tempão!
AUXILIADORA: Nossa!
KATLEEN: Me senti tão à vontade que... Que eu vou falar uma coisa muito particular minha... Eu acho que eu posso falar, né?
AUXILIADORA: Claro! Diga!
KATLEEN: Eu vou falar... eu... eu não vou ter tempo de ver uma flor de plástico... murchar... ou...
AUXILIADORA: Encardir?
KATLEEN: É! Isso! Acho que não vai dar tempo!
AUXILIADORA: Por que?
KATLEEN: Porque eu tenho certeza que eu vou morrer cedo!... Pode parecer a coisa mais maluca do mundo, mas eu tenho certeza! Tenho isso desde criança!... Não me pergunte porquê... mas eu sei... eu sinto, sabe como é?
AUXILIADORA: Perfeitamente! Eu entendo perfeitamente! Também tenho coisas que eu acredito desde criança!
KATLEEN: E eu dizendo isso pra senhora... eu mal lhe conheço... mas não sei... senti uma coisa...
AUXILIADORA: Eu sei o que é. Não se preocupe! (PEQUENA PAUSA) Mas sabe que tem uma coisa engraçada?
KATLEEN: O que é?
AUXILIADORA: Desculpe falar, mas...
KATLEEN: Pode falar.
AUXILIADORA: (PEQUENA PAUSA) É engraçado! Você não gosta de flor natural, mas parece uma...
KATLEEN: Como?
AUXILIADORA: Uma flor natural! Você parece uma flor natural... é linda... perfumada... mas não vai durar muito... vai ser logo colhida.... Eu pareço mais uma flor de plástico... não vou morrer... vou perder a vida...
(KATLEEN FICA EM SILÊNCIO. AUXILIADORA VAI SAINDO)
KATLEEN: Já vai embora?
AUXILIADORA: É.... tenho que cuidar da minha casa...
KATLEEN: Leve uma flor...
AUXILIADORA: Hoje não...
KATLEEN: Para o seu marido... a senhora é casada, né?
AUXILIADORA: Como é que você sabe?
KATLEEN: Não sei... achei que a senhora era casada... a senhora é casada?
AUXILIADORA: Sou! Meu marido chama Antonio!
KATLEEN: Antonio!... É um nome bonito!... Ele deve ser feliz com a senhora...
AUXILIADORA: Acho que sim ...
KATLEEN: Claro que é! Uma mulher como à senhora... Leve uma flor pra ele...
AUXILIADORA: Hoje não! Outro dia...
(AUXILIADORA SAI. KATLEEN A ACOMPANHA COM OLHAR E DEPOIS FALA PARA A PLATÉIA)
CONFESSIONÁRIO V
KATLEEN: Essa mulher saiu e eu fiquei pensando... que coisa, né? A vida da gente!... Às vezes eu acho que tudo tá certinho... que nada tá fora do lugar... que tudo é como tem que ser... Ai chega essa mulher e muda a minha vida... Assim... (PEQUENA PAUSA) E eu nem sei o nome dela!... Eu tenho essa mania, sabe? Uma mania de não perguntar o nome das pessoas... Eu já transei com caras que eu nem sei o nome! Não é que eu não lembre, não! Eu não sabia mesmo! Nem perguntava!... O Lucão eu só fui saber o nome uma semana depois da gente tá saindo... E foi ele que me disse, porque eu não perguntei não... E ainda me deu o nome errado! Ai, o Lucão!... Mas me deu uma vontade de saber o nome dessa mulher... de conversar mais com ela... de saber da vida dela... (PEQUENA PAUSA) Que conversa foi essa, né? Essa conversa com ela mudou completamente a minha vida! Eu queria... Queria viver uma outra vida.... queria ser outra pessoa... não sei se outra pessoa, mas eu queria... queria ser diferente! Queria conversar com o Lucão... queria saber o nome do homem que pensa... escolher entre ele e o Lucão... queria saber mais sobre essa mulher! Essa fada madrinha... Taí! É isso! Essa mulher é a minha fada madrinha! (PEQUENA PAUSA) A vida é assim, né? Uma coisa maluca... Uma coisa que não tem... Não tem regra mesmo! Uma pessoa aparece e muda tudo! Faz você pensar de outro jeito! Parece que dá um nó! Uma pessoa que eu nunca tinha visto vai e... pimba! Me dá um nó! Se fosse no cinema as pessoas iam dizer que era mentira, não é? Que na vida real isso não acontece! Na vida real... o que é isso? Vida real? Isso existe? Acho que a gente precisa desse negócio de vida real pra agüentar... pra agüentar viver! Aí a gente diz: “na vida real isso não acontecia!” Mas se acontecer?... A vida não pode ser chamada de mentirosa! Não dá! As coisas acontecem e... pronto! Passa a ser... Não é verdade, nem mentira... ela não faz pergunta! Não quer saber se é verdade ou mentira... Acontece simplesmente! E a gente não pode fazer nada! A vida “é” e acabou! (PEQUENA PAUSA) Comecei a pensar em tudo na minha vida... Pensei nas coisas que eu não fiz e queria fazer... pensei nas coisas que eu fiz, mas não queria fazer... E pela primeira vez eu pensei que podia... podia... (PEQUENA PAUSA) Podia viver mais! Podia não morrer cedo! Podia casar... ter filhos... uma família... Podia ensinar meus filhos a .... sei lá... a fazer coisas... mas já era tarde! Sem querer eu fiz um pacto com a vida... ou com a morte... sei lá! (PEQUENA PAUSA) Na quinta-feira eu morri! Me mataram! Não sei quem foi... Me atacaram pelas costas!... senti uma... uma pontada nas costas... devia ser uma faca... também só senti essa pontada... não senti mais nada... morri logo! (PEQUENA PAUSA) Eu só fiquei chateada de ser na quinta-feira porque... quinta-feira é o dia que o Lucão ia na loja... aliás, ele brigou comigo... nem sei se ele ia nessa quinta!... Ele ia toda terça e quinta! A gente se encontrava outros dias e transava também, mas era bom na terça e na quinta por causa do caminhãozinho... Além de ser de graça, tinha uma certa aventura, né?... Mas não sei se ele foi na quinta! Também não interessa agora... Apesar de todo o papo daquela mulher... daquela fada madrinha... eu é que estava certa. Eu sabia o fim da história. Morri... morri como eu sabia que ia morrer. Morri cedo!
(KATLEEN SAI. ENTRA AUXILIADORA COM UMA TOALHA. ARRUMA A TOALHA NA MESA. SAI E VOLTA COM UMA BANDEJA COM 2 PRATOS, 2 COPOS E TALHERES. SAI E VOLTA COM UM PEQUENO VASO COM UMA FLOR DE PLÁSTICO QUE ELA COLOCA NO CENTRO DA MESA. ELA OLHA O RELOGIO E ACENDE UM CIGARRO. ARRUMA A MESA COM MUITO CUIDADO MEDINDO A DISTÂNCIA ENTRE OS OBJETOS COM UMA PEQUENA RÉGUA. DE VEZ EM QUANDO ELA OLHA O RELOGIO. TERMINA DE ARRUMAR E SAI COM A BANDEJA. VOLTA TRAZENDO NA BANDEJA A COMIDA PARA UM JANTAR. ELA ARRUMA A COMIDA NA MESA SEMPRE MEDINDO A DISTÂNCIA ENTRE OS OBJETOS COM A PEQUENA RÉGUA. ELA TERMINA DE ARRUMAR A MESA E OLHA O RELOGIO. VAI ATÉ A FRENTE DO PALCO E SE ADMIRA COMO SE OLHASSE UM ESPELHO. FAZ UM AR DE ENFADO. PEGA NO BOLSO UMA CAIXINHA PRATEADA ONDE APAGA O CIGARRO. GUARDA A CAIXINHA, OLHA O RELOGIO E ACENDE OUTRO CIGARRO. COLOCA UMA CADEIRA PERTO DA MESA E SENTA. PEGA A CAIXINHA NO BOLSO, ABRE E A COLOCA EM CIMA DA MESA. BATE A CINZA DO CIGARRO NA CAIXINHA. FICA FUMANDO OLHANDO PARA O CHÃO E AS VEZES PARA O RELÓGIO. TERMINA DE FUMAR, AMASSA O CIGARRO NA CAIXINHA, TAMPA E GUARDA NO BOLSO. TIRA DO BOLSO UM PEQUENO FRASCO COM UM BORRIFADOR. ELA BORRIFA BASTANTE NA BOCA E NAS MÃOS. DEPOIS BORRIFA O AMBIENTE. ELA ERGUE-SE E VAI ATÉ O FUNDO DO PALCO. ENTRA ANTONIO. ELA O DEIXA BEIJAR SUA TESTA. ANTONIO ENTREGA A MALETA E ELA O AJUDA A TIRAR O PALETO. ELA COLOCA O PALETÓ NO ESPALDAR DE UMA DAS CADEIRAS E A MALETA NO CHÃO AO LADO DA CADEIRA. ELE SENTA NESSA CADEIRA. ELA SENTA NA OUTRA CADEIRA. ELE OLHA PARA O PRATO E ELA TAMBÉM OLHA. FICAM IMÓVEIS POR ALGUNS INSTANTES. ELA ERGUE O ROSTO E PERGUNTA)
AUXILIADORA: Como foi o dia?
ANTONIO: Você voltou a fumar?
AUXILIADORA: Você sabe que não!
(SILÊNCIO DOS DOIS. ANTONIO FICA OLHANDO PARA O PRATO E AUXILIADORA FICA OLHANDO PARA ELE).
AUXILIADORA: Como foi o dia?
ANTONIO: (FAZ UM GESTO COM O OMBRO SEMPRE OLHANDO PARA O PRATO) O de sempre. Você tem certeza que não voltou a fumar?
AUXILIADORA: Claro que tenho!
(SILÊNCIO DOS DOIS. ANTONIO FICA OLHANDO PARA O PRATO E AUXILIADORA FICA OLHANDO PARA ELE).
ANTONIO: E o seu dia como foi?
AUXILIADORA: O meu foi ótimo!
ANTONIO: (SEM OLHAR PARA ELA) O quê?
AUXILIADORA: O meu dia. Foi ótimo!
ANTONIO: Que bom!
AUXILIADORA: Quer saber o que eu fiz?
ANTONIO: (ERGUENDO O ROSTO E FICA OLHANDO PARA ELA. DEPOIS DE UMA PAUSA PERGUNTA) O que foi que você fez?
AUXILIADORA: Eu fui à floricultura! Uma floricultura que tem aqui perto onde trabalha aquela mocinha.
ANTONIO: Que mocinha?
AUXILIADORA: Você não sabe? Aquela mocinha... Bonitinha... Novinha... que trabalha na floricultura...
ANTONIO: Não lembro.
AUXILIADORA: A floricultura é do tio dela! Não é dela não!
ANTONIO: Como é que você sabe?
AUXILIADORA: Ela me disse. Disse também que o tio quase não vai lá e ela se sente “a dona”! A dona do pedaço!
ANTONIO: E daí?
AUXILIADORA: Eles vendem também flores de plástico lá. Sabia? Não é só flor natural! Tem flor de plástico também! Essa flor é de lá.
ANTONIO: E isso foi bom?
AUXILIADORA: É uma mocinha realmente bonitinha. Nova. Deve ter no máximo dezoito anos. Se tiver, né? Acho que qualquer homem... Qualquer não, principalmente os de mais de trinta... os de mais de trinta gostariam dela. (PAUSA) Ter um romance, talvez.
ANTONIO: Com uma menina de dezoito anos?
AUXILIADORA: Você não gostaria?
ANTONIO: Por que você tá me perguntando isso?
AUXILIADORA: Não sei. Se bem que você tem bem mais de trinta, né?
ANTONIO: Não sei aonde você quer chegar com isso!
AUXILIADORA: Você passou na floricultura antes de vir para cá?
ANTONIO: Porque eu iria na floricultura?
AUXILIADORA: Antonio... olha pra mim... você me acha atraente?
ANTONIO: Que história é essa?
AUXILIADORA: É só uma pergunta!
ANTONIO: Eu me casei com você!
AUXILIADORA: Isso não quer dizer nada!
ANTONIO: Como assim?
AUXILIADORA: Tem muita gente que casa pra não ficar sozinha... Casa pra ter companhia...
ANTONIO: Você acha que o nosso casamento é assim?
AUXILIADORA: Não sei... Se bem que a gente trepa, né? De vez em quando... mas trepa!
ANTONIO: Auxiliadora, por favor! Eu tô cansado... Tive um dia daqueles no trabalho...
AUXILIADORA: Desculpe! Não queria lhe incomodar!
ANTONIO: Isso tudo porque você foi nessa floricultura?
AUXILIADORA: Você devia ir lá... as flores de plástico são lindas...
ANTONIO: (OLHANDO PARA A FLOR) Não gosto de flores de plástico.
AUXILIADORA: Mas eles não têm só flor de plástico... Tem flor natural também... E a mocinha atende muito bem... ela é muito educada...Ela hoje tava com um vestido... Devia ser de malha aquele vestido. Era curto, bem curto. E ela estava alegre, exuberante. Quando sorria aparecia uma covinha aqui do lado. Eu vi. Vi da vitrine... ela não me viu não... ela estava arrumando as coisas com aquele... com aquele corpo... um corpo perfeito. Um pouco magro, mas bem feito. Ela parecia até mais velha, por causa do corpo, mas o rosto de anjo. Estava trabalhando sozinha. Quando eu entrei só tinha eu e ela na loja. Mais ninguém. A rua também estava deserta. É curioso como de vez em quando as ruas daqui do bairro ficam desertas. Já reparou? Você pode fazer qualquer coisa que ninguém vê.
ANTONIO: Por que você comprou a flor de plástico?
AUXILIADORA: Eu não comprei.
ANTONIO: Ela te deu?
AUXILIADORA: Não. Ela não me viu. Eu peguei simplesmente.
ANTONIO: Pegou? Como assim?
AUXILIADORA: Queria uma recordação. (PAUSA) Não sei se você reparou que a loja é muito organizada... Reparou?
ANTONIO: Porque eu repararia?
AUXILIADORA: Não sei! Você podia ter passado por lá! Olhado... se interessado... sei lá! Você já foi lá? (ANTONIO NÃO RESPONDE) É uma organização! Uma coisa! Do jeito que eu gosto! Sabe quem organizava? Ela! A mocinha!... Tudo nos seus devidos lugares. E umas plantas lindas. As de plástico também. Nem parece que são de plástico! Algumas tão bem feitas que parecem reais. Como será que eles fazem isso?
ANTONIO: Não sei. Não gosto de flores de plástico. (PAUSA) Essa flor é uma recordação? Do quê?
AUXILIADORA: Do meu dia que foi ótimo!
ANTONIO: E você pegou a flor? Ela não reclamou? Como foi isso?
AUXILIADORA: Não. Ela não reclamou. Ela nem me viu! Já falei!
ANTONIO: Você roubou a flor?
AUXILIADORA: Claro que não! Você acha que eu sou o quê? (PEQUENA PAUSA) Foi uma recordação de um dia ótimo! Eu tenho direito de guardar uma recordação!
ANTONIO: Que estranho! Você pega uma flor de recordação de um dia ótimo. E porque seu dia foi ótimo? Porque você foi nessa floricultura?
AUXILIADORA: (FRIA) Não. Sabe por que foi ótimo? Foi ótimo porque eu matei a mocinha. Acabei com ela! Dei dez facadas. Contei as dez. Não tinha ninguém para ver então eu peguei a flor como recordação. Como ela estava morta, não podia reclamar. E nem tinha o direito de reclamar! Não tinha mesmo! O que eu fiz foi pouco! (PAUSA) Já sabia de vocês há algum tempo! A vizinha aí do lado veio me contar... O bairro inteiro já sabia de vocês... Riam de mim... Sabia? Pelas costas... Riam de mim... Eu sou a tonta... a enganada... a otária! O marido preferiu a garotinha! Pensei em não ligar... sinceramente... sinceramente eu pensei em não ligar! Em deixar pra lá! Deixar passar! Mas não deu! Hoje eu cansei. Você me ouviu? Hoje eu cansei!
ANTONIO: Não sei do que você está falando! Você não pode estar falando serio!
AUXILIADORA: Mas estou! Eu passava todo dia por lá e a observava. Ela se divertia com isso. Tenho certeza! Fingia que não me via. Devia se achar muito poderosa. Esse poder que os jovens acham que têm. Poder de humilhar! Poder de pisar! De rir dos outros! Eles não têm esse poder! Eu não dou esse poder pra eles! Comigo não! Ontem eu passei lá... entrei na loja... queria ver o que ela dizia! Sabe que ela teve a cara de pau de fingir que não me conhecia?... Fingiu... fingiu que não me conhecia... que não sabia quem eu era... fingiu até que não te conhecia! Que não sabia seu nome... que não sabia que nós somos casados... fingiu! Fingiu!(PAUSA) Eu cansei!
ANTONIO: Eu não acredito que você fez isso.
AUXILIADORA: Você não passou por lá? Ah, não, hoje é quinta-feira. Você só vai lá as segundas, quartas e sextas, não é? Sabia que as terças e quintas ela tinha outro amante? É... um amante! Você também era traído! Um rapazinho bem jovem. Ele entrega flores, as de plástico, toda terça e quinta. Ele chega no fim do expediente! Tem até hora marcada! Eu observei por duas semanas. Cada dia... e a hora era sempre a mesma... Eles trepavam, sabia?... Eles trepavam com hora marcada dentro do caminhãozinho dele. Quer dizer... eu acho que é dele. Eu vi. Tem um buraco na lataria do caminhão. Eu só percebi quando cheguei perto e pelo buraco dava pra ver alguma coisa. Dava mais para sentir o cheiro. E hoje... quinta-feira... cheguei mais cedo que ele... não tinha ninguém na rua... levei o facão de cozinha na bolsa... entrei na loja... ela é tão tonta que nem me viu... essa coisa tonta desses jovens que acham que o mundo gira ao redor deles!
ANTONIO: Você não pode estar falado sério!
AUXILIADORA: Antonio, nós vivemos juntos há tanto tempo e você não me conhece! Fiz sim! Fiz exatamente o que eu estou dizendo! Dei uma facada nas costas dela... Ela caiu e eu dei mais nove... foram dez ao todo! (PEQUENA PAUSA) Foi rápido, sabia? Não durou nem cinco minutos! Deu tempo de lavar a mão e a faca!... Quando sai... não tinha ninguém na rua... ninguém me viu... mas o rapaz há essa hora deve estar lá... já deve ter visto o corpo... deve estar desesperado! (PEQUENA PAUSA) Você me traiu, Antonio! Me traiu com uma... uma garotinha ridícula... uma vagabunda! Ela me disse que ia morrer cedo! Sabia disso? Ela tinha certeza que ia morrer cedo! Como se ela controlasse a vida dela... e a vida dos outros! Chega ser engraçado, né? (PEQUENA PAUSA) O problema não é amor, Antonio... Você sabe disso! Nunca me apaixonei por você! Você também nunca se apaixonou por mim... mas nós tínhamos um acordo! Fui apaixonada por dois homens antes de me casar com você! Mas me casei com você... mesmo sem gostar... porque queria e tinha que me casar! Era um compromisso... um acordo! Nada podia atrapalhar esse acordo! E você me trai com uma vagabundinha.... Cansei... cansei... (PAUSA – OS DOIS SE OLHAM POR INSTANTES – ELA PEGA A FLOR) Eu não voltei a fumar porque nunca parei! Não se volta a fazer algo que não terminou! A gente só volta a fazer se termina... Enquanto não termina a gente continua... e eu fumei todos os dias do nosso casamento! Nós tínhamos um acordo, Antonio! A gente ficaria junto e fiel... até que um de nós morresse! Esse acordo tem que continuar! O seu jantar está esfriando. Coloquei veneno no seu jantar. Estou avisando porque a escolha é sua. Coma se quiser.
(AUXILIADORA LEVANTA E SAI. ANTONIO VAI PARA FRENTE DO PALCO).
CONFESSIONÁRIO VI
ANTONIO: Quando eu era criança minha mãe achava que eu tinha que ser importante! Quando eu crescesse... quando eu crescesse ela queria que eu fosse uma pessoa importante! Importante pra quem? Pra ela? Pra mim? Pra quem? Eu achava que tinha uma vida... uma vida normal... quer dizer... eu achava que era normal! (PEQUENA PAUSA) Auxiliadora tem razão! Eu não devia ter quebrado o acordo!... Na verdade eu não quebrei... ou quebrei de certa forma! (PEQUENA PAUSA) Quando vi essa menina... cercada de flores... o meu mundo mudou! Custei a criar coragem pra entrar na loja! Achei que ela ia me enxotar... me botar pra fora... eu não tinha nada pra fazer lá... não sabia nem o que dizer... mas ela me entendeu! Nem eu me entendia, mas ela me entendeu! Minha vida passou a ter sentido quando entrava naquela loja e ficava olhando para aquela menina! Isso era importante! Importante pra mim! Eu nem sabia o nome dela... nem queria saber... ela não sabia o meu... mas... eu olhava pra ela... e era bom! Era o que me bastava! Toda segunda, quarta e sexta eu era feliz!
(ANTONIO VAI ATÉ A MESA, SENTA E COMEÇA A COMER. A LUZ VAI BAIXANDO EM RESISTÊNCIA)
FIM