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MAIO.jpg

PERSONAGENS: MULHER 1, MULHER 2 e MULHER 3. A MULHER 3 e a MULHER 2 são mais velhas que a MULHER 1. As três estão usando vestidos longos e elegantes que podem ser vestidos de festa ou de noiva. Mas os vestidos não são brancos, devem ter um tom perolado. Como se estivessem guardados há muito tempo.

 

CENÁRIO: Um ambiente branco onde serão projetadas imagens. As imagens são como num filme antigo e vão interagir com a cena. Uma cama de casal no meio da cena e várias caixas brancas espalhadas pelo palco. Dessas caixas saíram objetos que ajudaram a compor a cena.

 

CENA: Uma caixinha de música começa a tocar e entra a MULHER 1. Ela olha para o ambiente com um ar de nostalgia. Como se lembrasse de algo muito distante. A música é interrompida e ela procura por alguma coisa. Abre algumas caixas e encontra uma caixinha de música. Ela dá corda e abre a caixinha que começa a tocar. Ela coloca a caixinha sobre uma das caixas brancas e senta na cama. Fica com um olhar distante. Entra a MULHER 2.

 

MULHER 2: (ENTRANDO E FALANDO PARA A MULHER 1) Está quase na hora... Os buques já estão no lugar?...  (REPARANDO) Você ainda não está pronta?

MULHER 1: Ainda não! Mas falta pouco...

MULHER 2: E a maquiagem?

MULHER 1: Não tá boa?

MULHER 2: Muito pouquinho... Muito discretinha... Tem que realçar mais...

MULHER 1: Você acha?

MULHER 2: Claro! O batom! Põe um vermelhão! Vermelhão sempre levanta! Pode passar qualquer moda, mas vermelhão é tudo! Eu falei que eu tinha que fazer a maquiagem, mas você quis se maquiar sozinha!

MULHER 1: Eu queria fazer sozinha, mas...

MULHER 2: Deixa que eu dou um jeito nisso...

 

(ELA PEGA NUMA DAS CAIXAS BRANCAS UM KIT DE MAQUIAGEM, ESCOLHE UM BATOM E FAZ A MAQUIAGEM)

 

MULHER 2: Pronto!

MULHER 1: Ficou bom!

MULHER 2: Muito melhor! Agora sim!

 

(A MULHER 1 PARECE DISTANTE)

 

MULHER 2: O quê que há?

MULHER 1: Nada!

MULHER 2: Você parece desanimada! Ai... Não acredito nisso! O quê você está esperando?

MULHER 1: Não sei...

MULHER 2: (ANDANDO DE UM LADO PARA OUTRO) As flores já estão aí... Está tudo preparado... Só falta você se arrumar... Onde está o véu?

MULHER 1: Acho que está numa dessas caixas...

MULHER 2: Acha? Como assim “acha”?

MULHER 1: Sei lá... Eu acho que está numa dessas caixas...

MULHER 2:  (PROCURANDO) Tem certeza?... Em qual delas?

MULHER 1: Não sei! Deve estar em alguma dessas caixas...

MULHER 2: Só se você colocou numa caixa... Porque eu coloquei não coloquei em caixa nenhuma... Deixei em cima da cama... (PARA A MULHER 1) Você colocou numa caixa? Você guardou? (A MULHER 1 NÃO RESPONDE. PARECE DISTANTE) Ei! Tô falando com você! Você colocou o véu numa caixa?

MULHER 1: Não lembro...

MULHER 2: Não lembra? Como assim? Nós escolhemos juntas esse véu... Deu um trabalhão para achar o véu certo... (ELA PARA - A MULHER 1 CONTINUA DISTANTE) Peraí! Não vai me dizer que você vai desistir?

MULHER 1: (COM VIOLÊNCIA) Não! Eu não vou desistir! (OUTRO TOM – MAIS BRANDO) Só estava pensando...

MULHER 2: (SENTANDO NA CAMA) Ih... Já vi tudo! Vai desistir!

MULHER 1: Eu já disse que eu não vou desistir! Que coisa!

MULHER 2: Que coisa digo eu, né? Não seria a primeira vez...

MULHER 1: Você quer parar com isso, por favor?!

MULHER 2: (FAZENDO UM GESTO INDICANDO QUE VAI PARAR) Não está mais aqui quem falou... (CONTINUA A PROCURAR) Mas onde é que está esse véu? (REPARA NA MÚSICA) Ai, que coisa irritante essa música... O que é isso?

MULHER 1: É uma valsa...

MULHER 2: (VÊ A CAIXINHA) Ah... Está aqui o motivo... Não acredito que você botou essa coisa pra tocar... É por isso que você está assim, não é? É por causa dessa caixa...

MULHER 1: Não sei do quê você está falando...

MULHER 2: Toda vez que você põe essa maldita coisa pra tocar... Fica assim...

MULHER 1: Assim como?

MULHER 2: Assim... Melancólica... Chorosa... Cheia de suspiros!

MULHER 1: Isso não é verdade!

MULHER 2: Claro que é! Toda vez que você põe essa porcaria pra tocar...

MULHER 1: (INTERROMPENDO) Não fala assim!

MULHER 2: Tá bom... Desculpe... (PEQUENA PAUSA) Eu mudo: toda vez que você põe essa delicada caixinha de música pra tocar... Você fica assim... Suspirosa e melancólica...

MULHER 1: Também não precisa debochar!

MULHER 2: Eu não estou debochando! Querida... (ELA FECHA A CAIXA – A MÚSICA PARA - ELA SENTA AO LADO DA OUTRA) Pensa bem: toda vez que essa caixa começa a tocar alguma coisa acontece ou deixa de acontecer...

MULHER 1: É só uma coincidência! A caixa não tem nada com isso...

MULHER 2: É! Coincidência! Uma coincidência que já fez você adiar isso por três vezes!

MULHER 1: Eu sei! Não precisa me lembrar! Mas é que às vezes eu penso se realmente estou preparada! Acho que é cedo...

MULHER 2: Cedo? Você planejou isso há tanto tempo!

MULHER 1: Foi mesmo?

MULHER 2: Claro que foi! Escolheu o local, o vestido, nós escolhemos o véu, escolheu o mês...

MULHER 1: Maio!

MULHER 2: Isso! O mês de maio! Eu até achei meio óbvio, mas você insistiu... Disse que era o melhor mês...

MULHER 1: Maio! Não imaginei que chegaria tão rápido!

MULHER 2: O mês de maio chegou no momento que ele chega todo ano: depois de abril e antes de junho! Isso não mudou! Nem vai mudar! Todo ano é a mesma coisa! Você é que não deve estar muito certa do que quer fazer...

MULHER 1: Eu sei o quê eu quero! Já disse!

MULHER 2: Então porque não faz? Porque desistiu tantas vezes? (PEQUENA PAUSA) Que coisa! Tudo pronto! Só falta você! Só se você não quer mesmo...

MULHER 1: Eu quero! Quantas vezes eu tenho que falar?

MULHER 2: Pra mim, nenhuma! Você tem que falar pra você mesma!

MULHER 1: Eu quero... Sei lá... Eu só fiquei lembrando... Deu vontade de ouvir a caixinha e...

MULHER 2: Ai, essa caixinha!

 

(A MULHER 3 ENTRA TRAZENDO UMA CAIXA BRANCA – PARECE MEIO CONTRARIADA)

 

MULHER 3: As flores estão aqui! Está tudo preparado! Só falta... (REPARANDO) Ué? Vocês não estão prontas? Cadê o véu?

MULHER 2: Ela não sabe aonde colocou o véu!

MULHER 3: Vocês estão com umas caras... Isso quer dizer... Quer dizer o quê eu estou pensando? É isso mesmo? (MAIS ANIMADA PARA A MULHER 1) Você desistiu? Ai, que bom! Graças a Deus!

MULHER 2: Ela não desistiu coisa nenhuma! Como é que você diz uma coisa dessas? Parece maluca!

MULHER 3: Ela já desistiu tantas vezes... Não vai ser a primeira vez!

MULHER 2: (PARA MULHER 1) Viu? Não sou eu que estou dizendo, não! É ela!

MULHER 1: Ai... Parem com isso, vocês duas! Estão me cansando com essa história! Já disse que não vou desistir...

MULHER 2: Isso! É essa a atitude que você deve tomar!

MULHER 3: Eu acho que ela tem todo direito de desistir! Ela não é obrigada...

MULHER 2: Não fala bobagem! Olha o quê você está dizendo! Está tudo pronto! Foi tudo planejado há muito tempo...

MULHER 3: Nada que não possa ser desmarcado!

MULHER 2: Você quer o quê? Que ela fique velha e sozinha...

MULHER 1: Quem vai ficar velha?

MULHER 2: Todas podem ficar velhas, querida!

MULHER 3: Nem todas...

MULHER 2: Velhas e pelancudas!

MULHER 3: Que absurdo!

MULHER 2: Absurdo? Absurdo por quê? É a pura verdade, meu bem! Não tem jeito! Pode passar creme! Pode malhar! Pode fazer plástica! Pode fazer o que for! Não tem jeito! O que tem é a lei da gravidade! E puxa mesmo pra baixo! Cai tudo!

MULHER 1: É uma sina!

MULHER 2: Põe sina nisso! É o peito que cai... É a papada... (BATENDO EM BAIXO DO BRAÇO) o tchauzinho! Um inferno! E por mais que você se cuide... Por mais que você se trate... Tem sempre uma coisa que escapa! E aí cai mesmo! Isso sem falar na bunda, né?

MULHER 3: Que tem a bunda?

MULHER 2: Bunda de mulher tem vida própria! Você não é só você! É você e sua bunda!

 

(A MULHER 1 ACHA GRAÇA)

 

MULHER 3: Você pega muito baixo! Sabe que isso não vai acontecer!

MULHER 2: Quem pega baixo é a bunda! Vai lá pra baixo!

MULHER 3: Se você quer assim... Pra tudo na vida tem jeito! Tem muita coisa pra fazer! Muitos artifícios!

MULHER 2: Minha filha, para o braço e, principalmente, pra bunda não tem não! Ou você é favorecida pela genética ou vira uma monja...

MULHER 1: Monja?

MULHER 2: É! Uma monja! Dietas, exercícios físicos, privações... Só num mosteiro! Aliás, quem é que pode com tanta malhação?

MULHER 1: Minha mãe sempre dizia: “ tem que priorizar: ou a cara ou o corpo! Tem que escolher! Ou cuida de um ou do outro! Os dois não dá pra segurar!”

MULHER 3: Mas tem que tomar cuidado quando cuida só da cara! Tem mulher que exagera! Fica com aquela cara meio inexpressiva! Cria um bico! É muito estranho!

MULHER 2: Parece um pato!

MULHER 1: Mas tem umas que ficam bem!

MULHER 2: Sinceramente? Eu não conheço nenhuma! Ou fica pelancuda ou esticada!

MULHER 3: Tem umas que parecem de plástico!

MULHER 1: Ah... Que é isso... Fazendo com jeitinho... Aos poucos... Fica bom!

MULHER 2: Fica sim! Fica bom! Fica bom de jogar fora! Ou fica com aquela cara... Com cara de bijuteria!

MULHER 1: Como assim?

MULHER 2: Pode ser tudo bonito, mas é tudo falso!

MULHER 3: E tem umas bijuterias horríveis!

 

(AS TRÊS ACHAM GRAÇA)

 

MULHER 1: Como é que eu vou ser se ficar velha?

 

(AS DUAS MULHERES OLHAM PARA A MULHER 1)

 

MULHER 2: Pra que saber disso? Eu acho melhor a gente terminar de se arrumar e acabar logo com isso!

MULHER 3: Lá vem você com essa pressa...

MULHER 2: Não tem pressa nenhuma!

MULHER 3: Você sabe que nada disso vai acontecer!

MULHER 2: Eu sei! E sei também que estamos no tempo certo! O momento é esse! E não podemos ficar perdendo mais tempo...

MULHER 1: Ai, por favor... Você só fala de tempo...

MULHER 2: (PARA MULHER 1) E você também não reclama, não! A culpa é sua e dessa maldita caixinha!

MULHER 3: Ah! Você encontrou a caixinha! Que bom! Onde ela estava? (ELA ABRE A CAIXINHA E A MÚSICA RECOMEÇA)

MULHER 1: Sempre esteve aqui! Sempre esteve comigo! É uma valsa que toca! Como num baile...

 

(AS DUAS OLHAM PARA A MULHER 1 COM UM AR DE ESPANTADO)

 

MULHER 1: Foi meu pai que me deu essa caixinha!

MULHER 2: (TENTANDO VOLTAR AO ASSUNTO ANTERIOR) Tá tudo muito bem, mas a gente precisa se arrumar! (PARA MULHER 3) As flores já estão aí? Ótimo! Quero vê-las! (ELA VAI ATÉ A CAIXA E ABRE. TIRA DE DENTRO TRÊS BUQUES) Estão lindos! Perfeitos! (PARA A MULHER1) Você não acha? Olha como estão lindos...

MULHER 1: (SEM DAR ATENÇÃO – PARECE ENCANTADA) A caixinha sempre esteve comigo! Ela me ajuda! É meu porto seguro! Traz muitas lembranças...

MULHER 2: Lembranças? Não! Não vamos falar de lembranças, pelo amor de Deus! Agora é o momento de pensar pra frente! No que virá!

MULHER 3: Ai, lembranças! Adoro lembranças! O quê vamos lembrar?

MULHER 2: (ELA FECHA A CAIXINHA E A MÚSICA PARA) Vamos lembrar que ela tem um compromisso e que precisa terminar de se arrumar! Que precisamos encontrar o véu! Que nós já estamos em maio! Isso é que temos que lembrar!

MULHER 1: (SEM DAR ATENÇÃO )  Essa música da caixinha me traz recordações da minha infância... Recordações muito caras...

MULHER 2: Recordações que só trazem tristeza! Que só trazem mágoa...

MULHER 3: (PARA MULHER 2) Você é muito exagerada! Que mal podem fazer umas simples lembranças...

MULHER 1: (CORRIGINDO) Lembranças muito caras!

MULHER 2: É! Realmente caras! Só trazem aborrecimento...

MULHER 3: Ai que coisa mais desesperada!

MULHER 1: Chega! (PARA MULHER 2) Eu quero ter essas lembranças! É importante pra mim agora! Depois eu faço tudo como você quiser!

MULHER 2: Está bem! Depois não diga que eu não avisei!

MULHER 3: E vamos lembrar de quê?

MULHER 1: Da minha infância! Da nossa infância!

MULHER 2: Da infância? Da infância não, por favor...

MULHER 3: A infância, sim! A infância é a melhor lembrança! (PARA MULHER 1) O que você quer lembrar?

MULHER 1: (ELA ERGUE-SE, SOBE EM CIMA DA CAMA E OLHA PRA FRENTE COMO SE ESTIVISSE VENDO) Quero lembrar da casa de meu pai! A casa que eu passei a minha infância e a minha adolescência... A casa onde eu fui tão feliz!

 

(SURGE NO FUNDO A PROJEÇÃO DE UMA CASA GRANDE – COMO UM FILME ANTIGO – AMARELADO PELO TEMPO – O FILME VAI ACOMPANHANDO AS FALAS)

 

MULHER 3: (COM ALEGRIA TAMBÉM SOBE EM CIMA DA CAMA E OLHA PRA FRENTE COMO SE ESTIVESSE VENDO) A casa de seu pai!

MULHER 2: (SEM QUERER VER) A casa de seu pai, não!

MULHER 1: (DESCE DA CAMA E CAMINHA EM VOLTA DA CAMA COMO SE ESTIVESSE NO LUGAR) Lembra daquela grande varanda? Circundava a casa toda! Minha mãe colocava vasinhos com flores silvestres nas mesinhas! Lembra das mesinhas?

MULHER 3: Eram brancas! Com tampo de vidro! E tinham aquelas cadeiras de ferro! Eram brancas também, não é?

MULHER 1: Brancas! Com almofadas floridas de napa! Lindas! Coloridas! Delicadas!

MULHER 3: Tinha também a cadeira de balanço do seu pai! Lembra?

MULHER 1: Era linda! Também era branca! Foi trazida de Portugal para o meu avô e ficou de herança para o Papai! Aos domingos, Papai gostava de sentar na cadeira e se balançar devagar olhando a rua! Todo mundo que passava pela porta cumprimentava o Papai! Mamãe dizia que ele devia deixar de ser juiz e se tornar político! Conhecia tanta gente e era tão respeitado que podia ser deputado ou senador! Imagina... Papai na política! Só na cabeça de Mamãe mesmo!

MULHER 3: Tinham quantos quartos na casa?

MULHER 1: Seis! O meu quarto, o do meu irmão, os dois quartos de hóspedes, o quarto de brinquedos e o maior quarto que era de Papai e Mamãe! Essa cama era deles, sabia? Foi a única coisa que eu consegui... Eu queria trazer a cama de meus pais comigo! É mais uma recordação!

MULHER 2: Se você assim diz...

MULHER 3: Quantas salas tinham na casa?

MULHER 1: Muitas! O hall, a sala de estar, de jantar, o ateliê de Mamãe, o escritório de Papai, a biblioteca, a sala do piano e ... o meu mais preferido... o grande salão de festas!

MULHER 3: Que festas maravilhosas aconteceram lá!

 

(AS DUAS ANDAM PELO PALCO COMO SE ESTIVESSEM NO SALÃO – A MULHER 2 OBSERVA)

 

MULHER 1: O piso era de tábua corrida! As mesas ficavam pelos cantos para deixar livre o meio do salão para as danças! As mesas eram sempre decoradas com toalhas brancas! Imaculadas! E tinha um grande relógio! Um relógio que tocava de quinze em quinze meninos! Um carrilhão!

MULHER 3: E os espelhos?

MULHER 1: Imensos! Decorados com molduras douradas! Esses espelhos eram franceses! Papai comprou em Paris! E eram lindos! Magníficos! E no meio de tudo o grande lustre! Só o lustre já parecia uma festa! Quando aquelas luzes se acendiam tudo ficava melhor! O tempo era outro... O tempo...

MULHER 3: Era no salão de festas que aconteciam os saraus?

MULHER 1: Os saraus de poesia? Não! Era na sala do piano! Mamãe tocava e depois o sarau era aberto pra quem quisesse dizer uma poesia, uma trova, um pequeno conto... Lembro da primeira vez que eu disse um texto! Era um pequeno texto, um trava língua... Eu tinha três pra quatro anos... Como era? Era alguma coisa com tempo...

MULHER 3: Com o tempo?

MULHER 1: É! Com um tempo... Um outro tempo... “O tempo perguntou pro tempo”...

MULHER 2: “Quanto tempo o tempo tem”...

MULHER 1: “O tempo respondeu pro tempo”...

MULHER 2: “Que tem o tempo que o tempo tem!”

MULHER 1: (ELA PARECE DISTANTE E MELANCÓLICA) O tempo! Quanto tempo o tempo tem?

MULHER 3: (RETOMANDO AS LEMBRANÇAS) Lembra que tinha um jardim bem na frente do casa?

MULHER 1: (OUTRO TOM – MAIS ANIMADA) Como posso esquecer? (ELA VAI ATÉ UMA CAIXA) Era todo florido! Tinha flor o ano inteiro! Não sei como conseguiam isso! Parecia mágico! (ELA ABRE E TIRA FLORES DA CAIXA – FLORES MURCHAS) Eu enfeitava os meus cabelos! (ELA SE ENFEITA)  E enfeitava vocês também! (A MULHER 3 SE APROXIMA DELA E DEIXA-SE ENFEITAR) Ficávamos lindas e brincávamos de roda! Lembra? Vamos brincar de roda? (PARA MULHER 2) Vamos brincar?

MULHER 2: Não! Não quero brincar de roda! Pelo amor de Deus!

MULHER 1: Vamos... por favor...

MULHER 2: Está bem!

 

(MULHER 1 E 3 PUXAM A MULHER 2 QUE VAI CONTRA A VONTADE. UMA CIRANDA COMEÇA A TOCAR. A MULHER 2 ESTÁ CONTRARIADA, MAS AS OUTRAS ESTÃO FELIZES)

 

MULHER 1: (NA RODA) Brincávamos de roda! De pular corda! De pique alto!

MULHER 3: Passa o anel! Batatinha frita! Boneca! Lembra do lanche com as bonecas?

MULHER 1: Amarelinha! Casinha! Eu adorava ser a mãe...

MULHER 3: Eu gostava de ser o pai!

MULHER 2: E tinha também o quintal! (PARA MULHER 1) Você lembra do quintal?

 

(O FILME DESPARECE COMO SE TIVESSE QUEIMADO - A CIRANDA PARA. A MULHER 1 PARECE ASSUSTADA. ELA TIRA AS FLORES DA CABEÇA. A MULHER 3 FAZ O MESMO E PEGA AS FLORES DA MULHER 1 E GUARDA TODAS NUMA CAIXA)

 

MULHER 1: Não! Do quintal eu não lembro!

MULHER 3: Não precisa lembrar do quintal!

MULHER 2: Era um quintal enorme! Cheio de árvores! Era escuro! Seu pai não deixava podar as árvores! Porque ele não deixava podar as árvores?

MULHER 1: (ASSUSTADA) Eu não sei! Ele não deixava? Eu não sabia disso... Porque ele não deixava?

MULHER 2: Foi alguma coisa que aconteceu lá! Que aconteceu no quintal!

MULHER 1: O que aconteceu no quintal?

MULHER 2: Era um quintal enorme! Lembra? Tinha uma casa de madeira lá no final! Uma casa toda desabada! Seu irmão dizia que era a casa de uma bruxa! Uma bruxa velha e desdentada!

MULHER 1: Eu não lembro disso!

MULHER 2: Lembra sim! Você tinha medo de ir ao quintal por causa disso!

MULHER 3: Isso nunca aconteceu!

MULHER 1: Eu não lembro disso!

MULHER 2: Lembra sim! Seu irmão dizia para você nunca ir naquela casinha! Que era perigoso!

MULHER 3: (PARA MULHER 2) Para com isso! Isso nunca aconteceu!

MULHER 2: Aconteceu sim! (PARA MULHER 1) Você sabe que aconteceu! Seu irmão dizia que você não podia ir lá! Que era a casa da bruxa! Mas você foi. Não foi? Foi na casinha de madeira! E o que você viu lá?

MULHER 1: (LEMBRANDO) É... Eu me lembro de algo assim... Meu irmão falando alguma coisa sobre uma bruxa... Uma bruxa que morava no quintal... Mas por que ele me falava sobre isso? Meu irmão não acreditava em bruxas! Ele era um rapaz tão elegante! Tão inteligente! Tão bonito! E ele era bom em tudo! Era o mais forte, mais atlético, mais... Porque ele falou nessa bruxa? Porque ele faria isso?

MULHER 3: Era brincadeira dele! Não tinha importância nenhuma! Apenas uma brincadeira!

MULHER 2: Não era brincadeira! Você não lembra? Não era brincadeira!

MULHER 1: (PARECE ASSUSTADA) Não era brincadeira? O que era então?

MULHER 2: Você não era tão nova assim! Já não era uma menina quando foi até a casinha! Não era uma menina... Era uma mulher!

MULHER 1: Alguém queria me falar alguma coisa, mas eu não lembro o que era... Tinha alguém lá... Não tinha? Tinha alguém que queria me dizer alguma coisa importante... Quem era? Era meu irmão?

MULHER 2: Não era seu irmão!

MULHER 3: Chega! Vamos lembrar outra coisa! (MEIO CANTANDO) Olha o que eu achei! (ELA ABRE UMA CAIXA E TIRA UM SUTIÃ BORDADO - MOSTRA O SUTIÃ BALANÇANDO PELAS ALÇAS)

MULHER 1: (OUTRO TOM – MAIS ANIMADA) Meu Deus! Onde você achou isso?

MULHER 2: Ai, credo! Que é isso?

MULHER 1: (PEGANDO O SUTIÃ E ACHANDO GRAÇA) Foi minha mãe que bordou pra mim! Eu queria muito ganhar um! Queria tanto, mas custei a ganhar! Eu não tinha peito! Nenhum! Era reta! Parecia uma tábua! Demorei a criar peito! Todas as minhas amigas já tinham peito! E eu sem nada! Isso me deixava arrasada!

MULHER 3: Tinha aquela menina... Que morava na esquina... Como era o nome dela?

MULHER 1: Quem?

MULHER 3: Aquela que sempre usava tranças e tinha um peitão enorme!

MULHER 2: Tinha uma mesmo! Com os peitos enormes! Eu lembro!

MULHER 3: Parecia uma vaca leiteira! Como era mesmo o nome dela, meu Deus?

MULHER 1: Era Goreth... Não! Era Margareth!

MULHER 3: Margareth Peitão! Isso mesmo!

MULHER 2: Isso! Ela ficava balançando aquelas coisas pra todo lado! Era imoral até!

 

(AS TRÊS ACHAM GRAÇA)

 

MULHER 1: E os meus... Nada! Era só aquela coisa reta! Cheguei a perguntar pra minha mãe se isso era normal! Ela riu e disse: “espera... com o tempo eles vão aparecer...” O tempo...

MULHER 2: Sempre o tempo!

MULHER 1: E ela tinha razão! Quando eu menos esperava... pufff! Eles cresceram! Lindos! (AS TRÊS SE LEVANTAM E FICAM NA FRENTE DO PALCO E FAZEM POSES COMO SE MIRASSEM UM ESPELHO – NO FUNDO APARECEM IMAGENS DE MULHERES – FOTOS ANTIGAS E AMARELADAS) Aliás, eu fiquei com um corpo maravilhoso! Chamava uma atenção! Tudo que era homem olhava na rua...

MULHER 2: Lembra quando a gente passava na frente daquele bar... Bar, não... Era um botequim horroroso que ficava na esquina da escola... Lembra como era horrível... Aquele monte de bêbados olhando pra gente? Ai, que nojo! Sempre tinha um que dizia uma gracinha...

MULHER 3: É engraçado, né? A gente quer ficar linda! Com um corpão! Toda maravilhosa! Mas não quer que os homens olhem...

MULHER 2: Calma, também não é assim... Todos os homens, não! Não vamos generalizar! Nem todos! Tem uns que a gente quer que olhe! Acha até bom! Mas tem outros...

MULHER 3: Mas se esses “outros” não olham, nem falam nada... O que a gente faz?

MULHER 1: Eu corro pra casa e vejo se tem alguma coisa errada!

 

(AS TRÊS ACHAM GRAÇA – AS IMAGENS MUDAM PARA OLHOS MASCULINOS – MUITOS OLHOS)

 

MULHER 2: No fundo a gente gosta de ser olhada... Ô, meu Deus...

MULHER 1: Não sei se gosta... Mas... Ah, sei lá!

MULHER 3: A gente gosta, sim! Ser olhada é ser desejada! E qual é a mulher que não gosta de ser desejada?

MULHER 2: Ser desejada é uma coisa... Baixaria é outra!

MULHER 3: Jura?

MULHER 2: Claro! Você tem alguma dúvida?

MULHER 1: Uma baixariazinha de vez em quando não faz mal a ninguém...

 

(MULHER 3 E A MULHER 1 RIEM – MULHER 2 FICA INDIGNADA)

 

MULHER 2: O quê que é isso? Revelações?

MULHER 1: Ah... É isso mesmo! A gente gosta! No fundo... No fundo...Ttodo mundo gosta de uma brincadeira... Homens e mulheres! Todo mundo gosta de uma baixariazinha!

MULHER 3: Só que para os homens é mais fácil!

MULHER 2: Ai... Esse papo de feminista me incomoda...

MULHER 3: É papo de feminista sim, mas é a pura verdade! Para os homens é sempre tudo mais fácil! Eles podem fazer tudo! Tudo é permitido!

MULHER 2: Nem tudo! E você sabe disso muito bem!

MULHER 3: Podem tudo sim! E isso não é de agora, não! Sempre foi assim! E vai custar a mudar! E não vai mudar porque “eles” não querem... E tem muita mulher que aceita!

MULHER 2: Lá vem o papo de feminista de novo!

MULHER 3: É isso mesmo! Tem mulher que parece que gosta dessa situação! Gosta de ser mulherzinha... De ser cuidada... Ficar embaixo da asa...

MULHER 1: Eles cuidam sim, mas sabe porque? Os homens tem medo da gente!

MULHER 2: Você acha?

MULHER 1: Acho! Eles têm medo da gente! Não entendem! Não sabem como agir!

 

(AS IMAGENS DOS OLHOS SOMEM – SURGE UM PAR DE OLHOS MASCULINOS – OLHOS GULOSOS)

 

MULHER 2: É verdade! O pior são aqueles que fingem que sabem! Que sabem chegar... Que entendem todas as mulheres... Chegam cheios de moral... Cheios de graça... Todos poderosos... Mas não dizem uma palavra que preste! É abobrinha em cima de abobrinha!

VOZ MASCULINA: (EM OFF) E aí? As brotinhos tão sozinhas??

MULHER 1: “As” brotinhos é duro, né?

MULHER 2: Ai... Brotinho? Que coisa mais velha!

MULHER 3: Meu filho, brotinho não, que eu não sou pizza!

VOZ MASCULINA: (EM OFF) Pô, gatas, dá uma força aí!

MULHER 2: Gatas? A coisa vai piorando...

MULHER 1 E MULHER 3: Miau! E tchau!

 

(OS OLHOS SOMEM - AS TRÊS ACHAM GRAÇA)

 

MULHER 3: Mas tem homem que sabe chegar!

MULHER 1: É verdade!

MULHER 2: Mulher também!

MULHER 1: Mulher chegando junto? Nunca vi isso...

MULHER 2: Claro que tem! Tem mulher que sabe chegar! É mais discreto e, por isso, é muito melhor! É diferente do homem!

MULHER 3: E quando eles são meninos? Não são lindos?

MULHER 2: São lindos! Não se pode negar!

MULHER 1: Ai, eu conheci uns meninos lindos na minha adolescência!

MULHER 2: Já não eram tão meninos assim...

MULHER 3: Tem uma idade que eles parecem que vão ser eternamente meninos... Demoram a deixar de ser meninos...

MULHER 2: Mas quando deixam de ser é um horror!

MULHER 1: Eu lembro deles no tempo de escola!

MULHER 2: Deles quem?

MULHER 1: Desses meninos! Desses homens-meninos! Na escola...

MULHER 2: (INTERROMPENDO) Ai! Você não vai querer falar de escola, né?

MULHER 3: Porque não?

MULHER 2: Eu não gostava muito do tempo de escola! Não gostava mesmo! Nunca gostei! Aliás, eu detestava!

MULHER 3: Porquê? Que bobagem! Eu gostava! Adorava botar o uniforme!

MULHER 2: Ai! Uniforme! Cruzes! E as aulas?

MULHER 3: Eu gostava de todas as matérias: História, português, literatura, matemática... Eu adorava matemática!

MULHER 2: Ih! Piorou! Nunca consegui entender aquilo! Nunca entendi como uma letra pode ser igual a um número! Letra é letra e número é número! Não são iguais!

MULHER 3: Você fala cada coisa!!!

MULHER 1: (QUE ESTAVA DISTANTE) Eu gostava dos meninos! (OLHA COMO SE ASSISTISSE A CENA) Adorava ver os meninos jogando futebol! Os meninos mais velhos... Amigos de meu irmão... Os meninos-homens...

 

(PROJEÇÃO DE MENINOS JOGANDO BOLA – COMO NUM FILME ANTIGO)

 

MULHER 2: Ah... Entendi porque você quer lembrar a escola...

MULHER 1: Eu ficava quietinha! Embaixo daquela árvore perto do campo... Foi lá que vi o Eduardo pela primeira vez...

MULHER 3: O Eduardo?

MULHER 1: É! Vocês lembram do Eduardo?

MULHER 2: Mais ou menos...

MULHER 1: Era amigo de meu irmão. Mais velho... Como meu irmão, ele devia ter uns dezesseis anos quando o vi pela primeira vez... Era louro, os cabelos cacheados, a pele morena... Os olhos... Os olhos eram verdes! Um pouco vesguinho... Quase nada... Só um pouquinho! Isso dava um charme tão especial pra ele! Mas ele não gostava, não! Ficava nervoso se alguém falava isso! Danado! Aí é que ele ficava vesgo mesmo!

MULHER 3: Eu acho que estou lembrando... Era bonito ele...

MULHER 2: (PARA A MULHER 3) Você não está lembrando de nada! Acho bom a gente parar por aí!

MULHER 1: (SEM DAR ATENÇÃO) Eu era uma menina! Ainda era apenas uma menina! Mas já usava o meu sutiã! O sutiã que minha mãe bordou pra mim! Apesar de menina... Tinha o corpo bonito... E o Eduardo... Era lindo! A primeira vez que eu vi ele foi numa partida de futebol... Ele estava sem camisa... Só de short... Tinha o corpo perfeito... Umas pernas grossas... (PARA A MULHER 3) Lembra?

MULHER 3: Lembro! Ele era lindo mesmo! E jogava bem! Jogava muito bem!

MULHER 1: Jogava? Acho que jogava sim...

MULHER 2: (PARA A MULHER 1) Não é disso que você lembra, não é?

MULHER 1: Não! Realmente, não! Eu lembro... Que ele parecia ter um segredo... Uma coisa assim... Um mistério... Um mistério que eu não entendia... Tinha algo de estranho com ele...

MULHER 2: Era vesgo! Era isso! Ele era estranho porque era vesgo!

MULHER 3: Não fala besteira!

MULHER 2: E você para de perturbá-la! Não vê que assim ela só vai sofrer? Só vai aumentar o sofrimento! Isso tem que acabar!

MULHER 3: Não! Não tem que acabar! Não precisa acabar!

MULHER 1: (SEM DAR ATENÇÃO) Eu o vi pela primeira vez... Foi quando? Não lembro direito...

MULHER 2: É melhor não pensar mais nisso!

MULHER 1: Foi em maio!

MULHER 3: Em maio...

MULHER 2: Foi em maio, sim!

MULHER 1: Foi em maio que eu vi Eduardo pela primeira vez! E ele estava realmente lindo! O short era vermelho e ele estava descalço! Sem camisa... O corpo perfeito... (PEQUENA PAUSA) Ele devia ser bom mesmo no futebol! Nesse dia ele fez três gols... Queria tanto conversar com ele... Queria perguntar...

MULHER 3: E porque não foi?

MULHER 1: Não sei... Acho que eu não saberia o quê dizer...

MULHER 3: E porque não vai agora?

MULHER 1: Agora?

MULHER 2: (PARA A MULHER 3) Para com isso! Ela não pode fazer isso! Isso não aconteceu!

MULHER 3: Deixa ela ir! Ela quer perguntar...

MULHER 1: Mas não sei o que dizer...

MULHER 3: Pergunte o quê você sempre quis saber...

 

(A MULHER 1 PARECE ENCANTADA)

 

MULHER 1: Eduardo... Eu... (BARULHO DE TELEFONE TOCANDO – A IMAGEM DOS MENINOS SOME) O telefone!

MULHER 3: Que tem ele?

MULHER 1: Está tocando!

MULHER 2: É melhor você atender!

MULHER 1: Não! Não quero atender! (MUDANÇA DE TOM) Pensando bem... Não foi essa a primeira vez que eu vi Eduardo!

MULHER 2: Não foi?

MULHER 1: Não! Não foi!

MULHER 2: Então quando foi? Quando foi?

MULHER 3: Isso não interessa! Pergunte o que você quer saber para ele! Ele vai dizer...

MULHER 1: (PARA A MULHER 2) Eu não sei muito bem quando foi a primeira vez! Essa não foi a primeira vez... Mas não lembro bem quando foi... (COMO SE RECORDASSE) Lembrei! Lembrei agora! Foi na minha casa! Foi na casinha no quintal! A casinha desabada!

MULHER 2: Tem certeza?

MULHER 1: Não! Não foi... Eu encontrei com ele várias vezes... Eu, ele e meu irmão... Conversávamos... Nos divertíamos... Mas conversávamos sobre o quê?

 

(A MULHER 1 PARECE CONFUSA – A MÚSICA DA CAIXINHA VOLTA, MAS COMO SE ESTIVESSE SÓ NA CABEÇA DELA)

 

MULHER 1: A música! Vocês estão ouvindo a música!

MULHER 2: (SEGURANDO A MULHER 1 PELOS BRAÇOS) Não tem música nenhuma! Nós já estamos em maio! Temos que terminar logo com isso!

MULHER 1: (SE SOLTANDO COM VIOLÊNCIA) Não! (OUTRO TOM – EUFÓRICA) Eu lembrei! Lembrei quando nos conhecemos! Não foi na casinha desabada! Foi naquele baile! No baile de máscaras no grande salão da casa de Papai! Foi no baile de máscaras que eu realmente conheci Eduardo!

 

(UMA VALSA COMEÇA A TOCAR – UM FILME DE UM BAILE DE MÁSCARAS APARECE - AS TRÊS VÃO ATÉ AS CAIXAS E PEGAM MÁSCARAS RICAMENTE DECORADAS – ELAS COLOCAM AS MÁSCARAS COMO NUM RITUAL E DEPOIS BAILAM AO SOM DA VALSA)

 

MULHER 1: (BAILANDO) Eu estava tão feliz! Vocês lembram? (AS OUTRAS NÃO RESPONDEM) Foi o meu primeiro baile de máscaras! Eu já tinha uns dezoito... Dezenove anos no máximo... Mas ainda me sentia como uma menina! Uma menina no seu primeiro baile de máscaras! Papai estava elegante... Mamãe estava linda... Meu irmão... Meu irmão era o mais bonito! Estava vestido de toureiro! Todo mundo estava lá...

MULHER 3: Até a Margareth Peitão!

 

(A MULHER 3 COMEÇA A DANÇAR A VALSA COM A MULHER 1 – A MULHER 2 CONTINUA A BAILAR)

MULHER 1: Isso! Ela estava lá! Gorda! Enorme! Os peitos pareciam que iam explodir naquele decote! Ela tinha inveja de mim! Eu sabia disso! Todo mundo tinha inveja de mim! Todos só tinham olhos para mim! Eu era linda! O corpo perfeito! (ELA SE DESPRENDE E CONTINUA A BAILAR SOZINHA) Tudo estava perfeito! Tudo era maravilhoso! O mundo era meu! (A MÚSICA E A PROJEÇÃO PARAM E ELA PARECE CONFUSA) Mas estava faltando alguma coisa... Alguma coisa não! Estava faltando alguém! Quem era?

 

(AS OUTRAS PARAM DE DANÇAR)

 

MULHER 3: (PARA A MULHER 1) Não está faltando nada! Tudo está perfeito!

MULHER 2: (PARA A MULHER 1) Está faltando! Você sabe que está faltando! Você sabe quem está faltando!

MULHER 1: Eduardo!

 

(ELAS SE JUNTAM NA FRENTE DO PALCO E FALAM COMO SE ESTIVESSEM NA FESTA – A PROJEÇÃO DA FESTA VOLTA)

 

MULHER 3: Mas ele não vem! Não pode vir!

MULHER 1: Porquê não! Meu irmão disse que ele viria!

MULHER 2: Seu pai não quer ele aqui!

MULHER 1: Porquê não!

MULHER 3: Parece que ele não gosta do Eduardo!

MULHER 1: Que bobagem! Eduardo é amigo de meu irmão! Meu pai gosta de todos os amigos de meu irmão! E ele com certeza está na festa! (ELA OLHA COMO SE PROCURASSE) Mas entre todos esses mascarados... (ELA OLHA PARA TRÁS) onde ele estaria? Eu não sabia! Eu não conseguia encontrá-lo... Até que... Ele veio ao meu encontro! (ELA VAI ATÉ A PROJEÇÃO) Conversamos... Ele foi muito galante... Depois ele me convidou para dançar! (A VALSA RECOMEÇA E ELA DANÇA) Durante a dança ele me contou tudo que sempre quis me dizer! Uma história linda! Tão delicada! Depois fomos para a varanda e ele pediu...

MULHER 3: Pediu o quê?

MULHER 1: Pediu para namorar comigo!

MULHER 2: E você aceitou?

MULHER 1: Não sei! Não lembro! Eu aceitei?

MULHER 2: Não lembra porque ele não foi na festa! (A PROJEÇÃO SOME)

MULHER 1: Tem certeza?

MULHER 2: Quantos anos você tinha?

MULHER 1: Na festa? Eu já disse... Não disse? Na festa eu tinha uns trinta anos! No máximo trinta e dois...

MULHER 2: Não é isso! Você não tinha nem vinte anos! Eduardo não foi a festa! Ele não esteve no salão! Foi na festa que você soube...

MULHER 3: (INTERROMPENDO – FALANDO PARA A MULHER 1) Mas você pode ter a idade que quiser! E ele poderia ir a festa! Poderia falar com ele! Você poderia saber tudo o que ele tinha pra lhe dizer...

MULHER 2: Isso nunca aconteceu! Ele não disse nada! Você viu! Você lembra bem!

MULHER 1: (GRITANDO) Não quero lembrar mais disso! (AS TRÊS TIRAM AS MÁSCARAS – OUTRO TOM) Quero lembrar de outras coisas! Eu sou uma mulher adulta! Não posso perder tempo com lembranças infantis!

MULHER 2: Você é que começou com essas lembranças!

MULHER 3: (PARA A MULHER 2) Deixa ela em paz! (PARA A MULHER 1) Você quer lembrar de quê?

MULHER 1: Não sei...

MULHER 2: Você não tem que lembrar de nada! Você tem um compromisso! Isso não é brincadeira! Maio já chegou!

MULHER 1: (CONFUSA) Eu sei... Mas parece que eu tenho que lembrar alguma coisa... Eu não sei o quê é... Mas eu tenho que lembrar alguma coisa...

MULHER 3: Você pode lembrar! Você tem que lembrar!

MULHER 2: Ela não tem que lembrar de nada! O tempo! Qual é o tempo que o tempo tem? Você sabe? Qual é o tempo que você tem?

MULHER 1: Eu lembro! Eu lembro agora! Eu lembro meu casamento com Eduardo!

MULHER 3: Isso! Vamos lembrar o seu casamento com Eduardo!

MULHER 2: Isso é uma loucura! Você tem um compromisso!

 

(A PROJEÇÃO SEGUE A FALA DA MULHER 1)

 

MULHER 1: (SEM DAR ATENÇÃO) Minha mãe fez questão de fazer o meu vestido! Ela cortou... Costurou... Bordou cada uma dessas flores! A igreja estava linda! Ornamentada com flores brancas! Entrei com meu pai! A igreja está cheia!

MULHER 3: Todo mundo está lá!

MULHER 1: Claro! Todos querem ver o meu casamento!

MULHER 2: E a recepção vai  ser aonde?

MULHER 1: Aonde mais?!...  Na casa de meu pai! No grande salão de festas! Com suas mesas com toalhas brancas! Com o lustre iluminado! Aonde mais podia ser?

MULHER 3: Uma recepção maravilhosa! A varanda está toda enfeitada! Com as mesmas flores brancas da igreja formando arcos que vão até o telhado!

 

(A PROJEÇÃO COMEÇA A FALHAR)

 

MULHER 1: (PARECE CONFUSA) As flores eram mesmo brancas?

MULHER 2: E a lua-de-mel?

MULHER 1: A lua-de-mel? Que tem ela?

MULHER 2: Onde foi a lua-de-mel?

MULHER 1: A lua-de-mel foi... (O TELEFONE TOCA – A PROJEÇÃO SOME) Vocês estão ouvindo... O telefone está tocando... Deve ser ele... Deve ser Eduardo...

MULHER 2: Você já atendeu esse telefonema!

MULHER 1: Já? Quando foi?

MULHER 3: (MUDANDO DE ASSUNTO) Quantos filhos vocês querem ter?(O TELEFONE PARA DE TOCAR)

MULHER 1:  (EUFÓRICA) Muitos! Muitos filhos! Serão lindos! Os meus filhos! Quatro meninos!

MULHER 3: Só meninos?

MULHER 1: Só! Só meninos! E eles vão brincar. Vão jogar futebol...

MULHER 2: Você pode ficar vendo eles jogarem futebol!

MULHER 1: Isso! Igual como eu fazia quando era menina! Foi assim que eu conheci Eduardo! Os meninos vão parecer com ele! Vão, não! São! São parecidos com ele! Eles jogam futebol como ele!  Eu vejo eles jogando! Igual quando eu conheci o Eduardo!

MULHER 3: Vocês conversaram bastante não foi?

MULHER 2: (PARA A MULHER 3) Não! Eles não conversaram!

MULHER 1: Conversamos sim! Conversamos muito! Nos encontramos várias vezes! Eu, ele e meu irmão! Eu acho que me apaixonei por ele! Eu não sabia direito o quê era paixão! Eduardo era encantador! Mas parecia que ele tinha uma coisa pra me dizer que não dizia... É como se ele tivesse medo de mim... Os homens são tão difíceis... Mas no fundo eles tem medo da gente... Sempre tiveram...

 

(O TELEFONE TOCA)

 

MULHER 1: O telefone... O telefone está tocando...

MULHER 2: Atenda!

MULHER 1: Eu devo?

MULHER 3: Acho melhor não!

MULHER 2: Você já atendeu!

MULHER 1: Sim! Eu já atendi!

MULHER 3: E o que ele queria? Ele falou o que ele queria?

MULHER 1: Ele estava nervoso... Disse que precisava encontrar comigo... Que era urgente... Que precisava falar uma coisa importante... Uma coisa muito importante... Marcou na porta da igreja...

MULHER 3: E você foi?

MULHER 2: Não! Ela não foi!

MULHER 1: Eu era só uma menina... Eu tive medo... Ele estava muito nervoso... E se fosse alguma coisa terrível... Eu não podia ir...

MULHER 3: Você não foi? Nunca foi?

MULHER 2: Nunca foi!

MULHER 3: (PARA MULHER 1) E se você tivesse... Tivesse comparecido... O quê teria acontecido?

MULHER 1: Eu não sei... Não sei... Podíamos ter uma vida juntos... Casar... Eu queria me casar com ele... Desde o primeiro dia que eu o vi... Ter filhos... Quatro... Quatro meninos... Mas eu não sei o quê aconteceu com ele... Nunca mais ouvi falar dele...

MULHER 2: Sabe!

MULHER 1: Não! Não sei!

MULHER 3: É por isso que nós estamos aqui, querida! Você sabe sim!

MULHER 1: Sei! O que eu sei?

 

(ELAS PEGAM AS MÁSCARAS E A RECOLOCAM – A VALSA E A PROJEÇÃO RECOMEÇAM – ELAS AGEM COMO SE ESTIVESSEM NUM RITUAL)

 

MULHER 2: Na noite do baile.... Do baile de máscaras...

MULHER 1: Na casa de meu pai... Na linda casa branca de meu pai... No salão de festas com o lustre iluminado...

MULHER 3: A valsa tocava suavemente... Todos dançavam... Todos estavam felizes...

 

(ELAS COMEÇAM A BAILAR – UM BAILADO ESTRANHO)

 

MULHER 1: Durante o baile... Tive vontade de ir ao quintal... Não sei porque... Não tinha motivo...

MULHER 2: Para tomar ar... Respirar um pouco...

MULHER 3: Sentir a brisa da noite... Olhar as estrelas...

MULHER 1: Não era isso... Parecia que eu sabia que alguma coisa ruim iria acontecer... Alguma coisa terrível... De repente eu vi um vulto!

 

(A VALSA PARA. NA PROJEÇÃO OS PERSONAGENS PARAM DE DANÇAR E OLHAM PRA FRENTE COMO SE ACOMPANHASSEM A CENA- AS TRÊS TIRAM AS MÁSCARAS E OLHAM PARA FRENTE COMO SE VISSEM A CENA)

 

MULHER 3: Quem é? Um ladrão?

MULHER 2: Não! Não é um ladrão!

MULHER 1: O vulto entrou na casinha de madeira... Na casinha desabada no fundo do quintal... Porque meu pai nunca mandou consertar aquela casinha? Tudo na casa era tão bonito! Ele podia consertar a casa... (COMO SE ESCUTASSE ALGO, MAS NÃO HÁ NENHUMA MÚSICA) Vocês estão ouvindo?

MULHER 3: O quê?

MULHER 1: A música! A caixinha de música!

MULHER 2: Não tem música nenhuma! E a casinha não está desabada! Antes de você ir lá ela não estava desabada! Você está fugindo do assunto! Quem entrou na casinha?

MULHER 1: Eu não sei!

MULHER 3: Não sabe? Então vá ver quem é!

MULHER 1: Mas eu sou só uma moça! Uma menina! É perigoso! Pode ser um ladrão... Um bandido...

MULHER 2: Mas você foi! Você foi assim mesmo! E encontrou com ele...

MULHER 1: Eduardo!

MULHER 3: (PARA MULHER 1) Ele falou com você?

MULHER 1: Falou! Começou a murmurar coisas estranhas e disse bem claro... Quase gritando: “Era importante! Era importante! Você não quis ouvir mais era importante”

MULHER 2: E como ele estava?

MULHER 1: Ele estava feio! Estranho! E segurava...

MULHER 3: O que ele segurava?

MULHER 1: Uma arma! Ele colocou o cano da arma na boca e apertou o gatilho!

MULHER 2: Você ficou parada lá! Olhando!

MULHER 3: Todos que estavam na festa correram para ver o que tinha acontecido!

MULHER 1: Eu não sei o que ele tinha pra me dizer... Porque ele fez isso?

MULHER 2: Você nunca vai saber? Nunca soube?

MULHER 1: Vivi toda a minha vida com essa culpa... O que ele tinha pra me dizer? O que era tão importante?

MULHER 3: Você não tem culpa de nada!

MULHER 2: Isso aconteceu em Maio! Não foi em maio?

MULHER 1: Foi! Foi em maio! Foi em maio que tudo aconteceu!

 

(A MULHER 2 ABRE UMA CAIXA E TIRA O VÉU)

 

MULHER 2: Aqui está o véu!

MULHER 1: Você encontrou? Onde ele estava?

MULHER 2: Eu sempre soube onde ele estava?

MULHER 1: O que eu vou fazer agora?

MULHER 2: Você tem um compromisso! Você pensou em tudo do jeito que você queria...

MULHER 3: Mas não precisa fazer se não quiser mais...

MULHER 1: O meu compromisso... Como eu quero o meu compromisso?

MULHER 2: Você quer morrer no mês de maio! Vestida com a roupa do baile...

MULHER 3: Com um buque de flores na mão...

MULHER 2: ...E coberta com esse véu!

 

(A MULHER 2 E 3 COBREM A MULHER 1 COM O VÉU)

 

MULHER 1: E que mais eu quero?

MULHER 2: Morrer deitada na cama de seus pais! Vestida e arrumada como uma noiva!

MULHER 1: A noiva de Eduardo! A noiva que eu nunca fui!

 

(A MULHER 1 DEITA NA CAMA – AS OUTRAS SE AJOELHAM UMA DE CADA LADO DA CAMA)

 

MULHER 1: E como eu vou morrer?

MULHER 3: Tomando veneno! (ELA ABRE UMA CAIXA E TIRA UMA TAÇA VAZIA) O veneno que você mesmo escolheu! (ELA COLOCA A TAÇA AO LADO DA CAMA)

MULHER 1: Mas a taça está vazia...

MULHER 3: Você já tomou o veneno!

MULHER 1: E porquê eu tenho que morrer?

MULHER 2: Nós não sabemos!

MULHER 3: Talvez nem você saiba!

 

(A LUZ BAIXA EM RESISTÊNCIA – FICA EM PENUMBRA. A MÚSICA DA CAIXINHA VOLTA A TOCAR. PAUSA. A MULHER 1 ERGUE-SE. FICA SENTADA NA CAMA)

 

MULHER 1: (GRITANDO) Não foi assim! Não foi assim que aconteceu!

 

(A MÚSICA E A PROJEÇÃO PARAM – A LUZ VOLTA)

 

MULHER 2: Nós sabemos!

MULHER 3: Mas você precisa dizer... Precisa nos dizer...

MULHER 2: O que foi que aconteceu?

 

(A MULHER 1 TIRA O VÉU E LEVANTA-SE DA CAMA)

 

MULHER 1: (CAMINHANDO) Eu lembro! Eu sei o que aconteceu! Foi na noite do grande baile de máscaras!

 

(A MULHER 2 E A MULHER 3 COLOCAM AS MÁSCARAS – A LUZ FICA INTENSA – O SALÃO DO BAILE APARECE VAZIO E BAGUNÇADO. COMO UM FINAL DE FESTA)

 

MULHER 1: Eu perguntei a meu irmão, antes do baile, se o Eduardo viria a festa. Eu queria muito que ele estivesse ali. Falei para meu irmão que eu estava apaixonada! Que eu sentia que o Eduardo era o amor da minha vida! Meu irmão ficou perturbado, mas disse... Disse que ele viria... Que o Eduardo viria ao baile sim! Que ele arranjaria isso! E que nós seríamos felizes! Eu nem acreditava! E esperei pela noite do baile! Coloquei um vestido lindo! Mamãe bordou essas flores! Cada uma delas! E o baile chegou! Estava magnífico! Estavam todos lá!

MULHER 2: Menos Eduardo!

MULHER 3: Onde estava o Eduardo? Porque ele não chegava?

MULHER 1: Eu não sei... Perguntei para o meu irmão! Ele parecia mais nervoso! Ficava olhando para o relógio! Eu achei que ele queria fazer uma surpresa pra mim! Podia ser uma brincadeira! Uma brincadeira que ele queria fazer comigo! Eu ficava imaginando a entrada de Eduardo! (A VALSA RECOMEÇA – NA PROJEÇÃO ENTRA UM HOMEM DE MÁSCARA E FICA PARADO NO MEIO DO SALÃO) Ele viria até a mim... Me tomaria em seus braços e nós dançaríamos pelo salão (ELA COMEÇA A BAILAR) Todos ficariam encantados com nosso bailado! Meu pai... Minha mãe... Durante o baile ele me pediria pra namorar... E seria o início de uma relação maravilhosa! Eu me sentia como uma menina! Uma menina... (PEQUENA PAUSA) O tempo perguntou pro tempo quanto tempo o tempo tem! O tempo respondeu pro tempo que tem o tempo que o tempo tem!

MULHER 2: Mas ele não foi!

 

(A VALSA PARA – A PROJEÇÃO VAI DESAPARECENDO DEVAGAR – A MULHER 1 PARA DE BAILAR)

 

MULHER 2:  Ele não estava no salão de baile!

MULHER 1: Não! Não estava!

MULHER 3: Onde ele estava?

MULHER 1: Não sei... Eu não sei... (CONFUSA) Nós estamos em que mês? Já é maio? Quando maio vai chegar?

MULHER 3: Já é maio! Você sabe disso!

MULHER 1: Não! Eu não sei!

MULHER 2: Onde está seu irmão?

MULHER 1: Eu também não sei!

MULHER 2: Sabe sim! Onde está o seu irmão?

MULHER 1: O meu irmão... Eu vi meu irmão indo para o quintal...

MULHER 2: Você foi atrás dele?

MULHER 1: Fui!

MULHER 3: Não! Você foi para o quintal para tomar um ar... Para ver as estrelas...

MULHER 1: (COMO SE ESCUTASSE, MAS NÃO HÁ MÚSICA – NA PROJEÇÃO APARECE UMA BOCA MASCULINA) Vocês estão ouvindo? A música? A caixinha de música...

MULHER 2: Não tem música nenhuma! Você foi para o quintal para ouvir uma música?

MULHER 1: Não! Eu fui atrás do meu irmão... Eu queria saber o que ele iria fazer no quintal... Eu tinha tanto medo...

MULHER 2: O seu irmão foi onde?

MULHER 1: Ele foi para a casinha... A casinha que ficava no fundo quintal... Era uma casinha linda! Não morava nenhuma bruxa lá! Ela só ficou desabada depois...

MULHER 3: Tinha alguém com seu irmão na casinha?

MULHER 1: Eu não quero ver!

MULHER 2: Você tem que ver! É importante! Quem estava com seu irmão na casa?

MULHER 1: Eduardo! Eduardo estava na casa com meu irmão...

MULHER 3: E o que aconteceu?

 

(NA PROJEÇÃO A BOCA GRITA, MAS SEM SOM)

 

MULHER 1: Eles discutiam... Falavam alto... Na casa... No baile... As pessoas não deviam ouvir por causa do barulho da música... Mas eles falavam muito alto! Gritavam! Eduardo gritava!

MULHER 2: O que ele gritava?

MULHER 1: Ele gritava que amava meu irmão! Que amava muito! Pelo que eu entendi eles eram amantes há muito tempo...

MULHER 3: E você fez o quê?

MULHER 1: Eu queria sumir... Fugir daquele lugar... Mas não conseguia... Foi quando meu irmão disse para Eduardo que ele tinha que me namorar... A relação deles não podia continuar... Ele tinha que me namorar... Porquê ele fez isso?

 

(NA PROJEÇÃO A BOCA PARA DE GRITAR)

 

MULHER 2: Porque gostava de você! E era o quê você queria...

MULHER 1: Não! Não era verdade... Era só um desejo de menina... Um sonho... Podia não ser verdade...

MULHER 3: Mas podia ser verdade! Para o seu irmão era verdade!

 

(NA PROJEÇÃO A BOCA ABRE – ABRE MUITO)

 

MULHER 1: Eduardo ficou louco! Começou a gritar mais! E ele tinha nas mãos...

MULHER 2: O que ele tinha nas mãos?

MULHER 1: Um revolver!

MULHER 2: Um revolver!

MULHER 3: E o que você fez?

MULHER 1: Eu gritei! Eu achei que ele queria matar meu irmão! E gritei! Gritei muito! Tinha medo de perder meu irmão! Tinha medo que ele matasse meu irmão!

MULHER 2: Mas não era o seu irmão que ele queria matar! Ele amava o seu irmão! Não era a morte dele que o Eduardo queria!

MULHER 1: Não!

MULHER 3: Quem ele queria matar?

MULHER 1: Eu não sei!

MULHER 2: Sabe! Seu irmão viu Eduardo pulando o muro e se escondendo no fundo do quintal. Seu irmão já tinha falado para ele que eles tinham que terminar o relacionamento e que Eduardo tinha que namorar você! Isso era o certo! Mas Eduardo não queria... E disse que ia matar você! Eduardo foi ao baile para matar você!

MULHER 1: Então foi isso? Foi o que aconteceu? (PEQUENA PAUSA) Eu gritei quando vi a arma... Quando os dois discutiam... Eu gritei... Eles olharam pra mim... Apavorados... Os olhos arregalados...

MULHER 2: E o que aconteceu?

MULHER 1: Meu irmão tentou segurar o Eduardo! Os dois brigaram... Rolaram no chão, mas Eduardo era forte... Ele conseguiu se soltar e veio pra cima de mim... Ele me abraçou... Eu senti o corpo dele... Quente... Bonito! Ele podia ser o meu futuro! Podíamos ter uma vida inteira! (PEQUENA PAUSA) Ele disparou três vezes... E se afastou... Eu ainda o vi colocar o cano da arma na boca... Depois não vi mais nada...

 

(A PROJEÇÃO DESAPARECE - A MULHER 2 E A MULHER 3 SE APROXIMAM DA MULHER 1. FICAM UMA DE CADA LADO E TIRAM AS MÁSCARAS)

 

MULHER 2: Acabou-se... Já estamos em maio...

MULHER 1: Foi isso que aconteceu, não foi? Eu morri?

MULHER 3: Não.

MULHER 2: Você ainda está viva. Mas precisa morrer.

MULHER 1: Quantos anos eu tenho?

MULHER 3: Isso não importa!

MULHER 2: Nós temos sempre a idade que queremos ter!

MULHER 1: E Eduardo?

MULHER 3: Eduardo morreu. Não resistiu.

MULHER 1: E agora? O que eu devo fazer?

MULHER 2: Agora é o momento de você seguir! Você deve partir!

MULHER 3: Mas se você não quer... Não quiser partir... Você pode escolher ficar... Pode ficar aqui com a gente...

MULHER 2: O momento é esse! Vá! Siga em frente!

MULHER 1: Quem são vocês?

MULHER 2: Você não sabe?

MULHER 3: Nós somos você! Ou o que você poderia ter sido.

MULHER 2: E precisamos que você vá!

MULHER 1: E pra onde eu vou?

MULHER 2: Não sabemos!

MULHER 3: Nós nunca tivemos coragem de partir...

MULHER 1: Já estamos mesmo em maio?

MULHER 2: Sim.

MULHER 1: Acho que no ano que vem... Antes de maio...

MULHER 3: A escolha é sua.

MULHER 2: Sempre foi.

 

(AS DUAS MULHERES SAEM DE CENA – A MULHER 1 FICA PARADA NO MEIO DA CENA – A CAIXINHA DE MÚSICA VOLTA A TOCAR – A PROJEÇÃO VOLTA COM O SALÃO DE BAILE VAZIO - A MULHER 1 COLOCA NOVAMENTE O VÉU – PEGA UM BUQUE E VOLTA PARA O MEIO DA CENA)

 

MULHER 1: O tempo perguntou pro tempo quanto tempo o tempo tem! O tempo respondeu pro tempo que tem o tempo que o tempo tem!

 

(A LUZ BAIXA EM RESISTÊNCIA)

FIM

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