Personagens:
- 4 Feirantes (Velho, Velha, Menina, Rei, Magos )
- Boréia Armador, o contador de histórias.
Cena:
A cena começa vazia. Palco nu.
FEIRANTE 1 : (EM OFF - ANUNCIANDO) Hoje é dia de Feira, minha gente!
TODOS : (EM OFF) : Hoje é dia de Feira! Vamos trabalhar!
(OS FEIRANTES VÃO ENTRANDO. ARMAM AS BARRACAS, BRINCAM, DANÇAM E CANTAM. MUITO COLORIDO E CONFUSÃO).
MÚSICA: NA FEIRA DO TEM-TEM
TODOS : Procure, sinhá amorosa,
Na Feira do Tem-Tem.
Encontre, sinhá amorosa,
Encontre o seu querer bem!
(REFRÃO) Diga lá. Diga lá, seu moço,
O quê vamos encontrar?
Diga lá. Diga lá, seu moço,
O quê tem para comprar?
FEIRANTE 1: Tem colcha pra deitá,
Tapete e caminho de mesa.
Pra casa embeleza!
Deixar tudo uma beleza
FEIRANTE 2: Tem seda rara da China.
Tem chita florida de alegrá.
Tem renda branca e fina,
Pra moça se enfeitá.
TODOS: (REFRÃO)
FEIRANTE 3: Tem balaio e peneira,
Trabalho de cestaria.
Tudo de primeira.
Fina especiaria.
FEIRANTE 4: Tem vassoura, espanador,
Todo tipo de esfregão.
Deixa a casa um primor
E alegra o coração
TODOS : Procurei em outra feira
Na Tem-Tem encontrei
Beijo de moça faceira
Com quem o coração deixei.
Procure, sinhá amorosa
Na feira do Tem-Tem
Encontre-me, sinhá amorosa
Encontre-me que ti quero bem!
(ENTRA BORÉIA ARMADOR. ELE SE VESTE COMO QUE TRAZENDO EM SI TODAS AS SUAS VIAGENS. OS FEIRANTES FALAM DE UMA FORMA RITMADA)
FEIRANTE 1:(VENDO BORÉIA CHEGAR) Mas olha só quem está chegando !!
FEIRANTE 3: Mas quem é esse aí ?
FEIRANTE 4: Então você não conhece Boréia Armador – O Contador de Histórias!!
TODOS : Fi-fô-ló! Fi-fô-lí! Lá vem Boréia Armador!
Fi-fô-ló! Fi-fô-lí! Lá vem o contador! (BIS)
FEIRANTE 1: Conte prá nós uma história, Boréia Armador!
FEIRANTE 2: Dê para nós essa alegria! Vamos lá, contador!
TODOS : Fi-fô-ló! Fi-fô-lí! Uma história, contador!
Fi-fô-ló! Fi-fô-lí ! História de Boréia Armador!
(QUANDO BORÉIA COMEÇA A FALAR OS FEIRANTES GUARDAM SEUS PERTENCES E PRESTAM ATENÇÃO AO CONTADOR)
BORÉIA: Fi-fô-lá! Fi-fô-lê! Tenho história prá contá! Tenho façanha pra dizê! Venha meu branco, o mulato também. Venha meu preto. Não quero que falte ninguém.
TODOS : Fi-fô-lê! Fi-fô-lá! Fi-fô-lá ! Fi-fô-lê!
BORÉIA : História em verso e prosa. História de flor. História de moça formosa, que encontrou o amor.
TODOS : Fi-fô-lá! Fi-fô-lê! Fi-fô-lê! Fi-fô-lá!
BORÉIA : Nesta história tem rei forte e bonito. Tem moça donzela que desdonzelou. Tem menino robusto nascido, por que a moça faceira brincou.
TODOS : Fi-fô-lê! Fi-fô-lá! Fi-fô-lá! Fi-fô-lê!
BORÉIA : Êta história arretada. Essa é um primor. Tem adivinha e esperteza. Tem doença de amor.
TODOS :Fi-fô-lá! Fi-fô-lê! Fi-fô-lê! Fi-fô-lá!
BORÉIA : Venham ouvir esse falante: Boréia, um seu criado. Mas quero que passe adiante, pr'o povo ficar encantado.
TODOS :Fi-fô-lá! Fi-fô-lê! Fi-fô-lê! Fi-fô-lá!
BORÉIA : Tenho história pra conta! Tenho façanha pra dizê! Venha meu branco. O mulato também. Venha meu preto, não quero que falte ninguém!
(BORÉIA FAZ GESTOS LARGOS ATRAINDO O PÚBLICO)
TODOS : Venham! Venham! Venham ouvir Boréia Armador contar uma história.
BORÉIA : E essa é das boas. Aconteceu não foi hoje, nem foi amanhã. Não foi logo ontem, foi num tempo há muito esquecido. Era um reino, um reino que não existe mais, seus últimos descendentes viraram pó, sumiram, ou foram dar nó em outras estradas. Mas aconteceu neste reino em que havia uma longa estrada onde passeava um casal de velhos. Velhos bem velhos mesmo...
(OS FEIRANTES PASSAM A FAZER OS PERSONAGENS - OS VELHOS COMEÇAM A ANDAR PELA CENA – UM CAMINHO É COLOCADO PARA FAZER A ESTRADA)
VELHO: (PARANDO CANSADO) Ainda falta muito?
VELHA: Não. Já estamos chegando.
VELHO: Que mania é essa de comprar as coisas na outra cidade.
VELHA: É que as coisas são mais baratas.
VELHO: Mas eu já estou velho, cansado e não posso ficar andando prá lá e prá cá.
VELHA: Eu sei, meu velho. Mas nós não temos ninguém prá fazer isso prá gente. Se meu bucho não fosse seco, a gente tinha um menino, que faria todo esse trabalho. Um menino bonito e forte.
VELHO: Um menino trabalhador.
VELHA: Que fizesse tudo que a gente quisesse. Um menino prá trabalhar por nós.
VELHO: Um burro de carga!
VELHA: Cala a boca, velho. Quem fala demais termina jantando a língua.
VELHO: Arre! Cala a boca, tu, VÉIA PIDONA!
VELHA: Eu, PIDONA?
VELHO: PIDONA E RECLAMONA!
VELHA: Olha aqui, velho, eu te mostro quem...
VELHO: (REPARANDO EM ALGO) Olha lá, velha. O que é aquilo?
(UM DOS FEIRANTES SE COLOCA NA CENA VESTIDO DE BEBÊ. O BEBÊ CHORA ENTRE AS FALAS DOS VELHOS)
VELHA: Aquilo o quê?
VELHO: Ali na frente.
VELHA: Aonde?
VELHO: Ali!
VELHA: É um bebê!
VELHO: Um bebê? Um bebê chorão!
VELHA: (INDO ATÉ O BEBÊ) Uma menina!
VELHO: Como é que tu sabes que é menina?
VELHA: Basta olhar que a gente está vendo.
VELHO: Hummmm...
VELHA: Uma menina tão formosa...
VELHO: Tão graciosa...
VELHA: Parece uma bonequinha...
VELHO: Uma gracinha...
VELHA: Podia ser minha.
VELHO: Podia ser nossa... Nossa?
VELHA: Podia ser nossa!
VELHO: Tu tá variando, velha?
VELHA: O quê que tem? A gente não tem filho.
VELHO: Ela já deve ter dono.
VELHA: Se tem, trata a menina muito mal, pois eu não estou vendo ninguém aqui.
VELHO: Pode estar lá no rio fazendo um xixi.
VELHA: Que rio? Não tem rio nenhum aqui. Eu vou levar nossa filha...
VELHO: Véia maluca, tu não tá vendo que ninguém vai acreditar que essa criança é nossa filha. O povo vai ver logo que essa menina não saiu do teu bucho. Uma menina tão graciosa, de traços tão delicados, uma formosura que dá gosto de olhar não pode ser filha de dois "CARONA" feia como nós.
VELHA: E o quê que tem isso?
VELHO: O quê que tem? É que o povo vai querer tomar a menina da gente. Isso é o que tem!
VELHA: É verdade. (PAUSA) Ah! Nós podemos guardar a menina naquele quarto sem janela que tem na nossa casa. Naquele quarto que ninguém vê o que tem dentro. Guardando ela no quarto, o povo nunca vai saber.
VELHO: Boa ideia, velha! Guardando no quarto, ninguém vai saber. Vamos levar. Vamos levar!
(OS VELHOS FAZEM MENÇÃO DE LEVAR - TODOS CANTAM ENQUANTO MUDAM A CENA ARRUMANDO UMA MESA QUE VAI REPRESENTAR A CASA DOS VELHOS)
MÚSICA: VAMOS LEVAR
TODOS: Vamos levar! Vamos levar!
No quarto, vamos guardar!
Vamos levar! Vamos levar!
A nossa filha vamos criar.
O quarto não tem janela
Pr'o povo bisbilhotar.
A menina crescerá bela
Pra nos encantar.
Vamos levar! Vamos levar!
No quarto, vamos guardar.
Vamos levar! Vamos levar!
A nossa filha vamos criar.
A menina é uma formosura
Vai crescer sem maldade.
Será moça pura.
Donzela de verdade.
Vamos levar! Vamos levar!
No quarto, vamos guardar!
Vamos levar! Vamos levar!
A nossa filha vamos criar.
BORÉIA: E assim fizeram os velhos. Levaram a pequenininha para dentro do quarto. Ninguém podia ver o que tinha lá, e quem estava lá não podia ver o que tinha fora. E assim cresceu a menina, sem ver o mundo, sem ver o dia, sem ver a noite, sem ver nada. Só via os velhos que iam lhe ensinando o que podiam. Ensinavam as cores:
(OS VELHOS ENSINAM A MENINA)
VELHO: (MOSTRANDO UM PAPEL) Isso é amarelo. Amarelo.
MENINA: AMALELÚ?
VELHO: Amarelo! Amarelo!
MENINA: AMARELO!
VELHA: (MOSTRANDO UM PAPEL) Azul. Isso é azul.
MENINA: AZUUUÚ...
VELHA: Azul! Azul!
MENINA: AZUL!
VELHA: Isso é cor!
MENINA: COR!
BORÉIA: Ensinavam os números:
VELHO: 1,2,3...
MENINA: 7,9,6...
VELHA: 4,5,6...
MENINA: 3,8,2...
VELHO: 7,8,9...
MENINA: 1,2,3,4,5,6,7,8,9!
VELHO: Isso são os números!
MENINA: NÚMEROS!
BORÉIA: Ensinavam as coisas:
VELHA: (MOSTRANDO) Algodão. Isso é algodão. Macio...
MENINA: ALGODÃO MACIO!
VELHO: (MOSTRANDO) Bola. Isso é uma bola. Redonda...
MENINA: BOLA REDONDA.
VELHA: (MOSTRANDO) Flor. Isso é uma flor. Cheirosa...
MENINA: FLOR CHEIROSA!
VELHO: Eu sou um homem. Um homem...
MENINA: HOMEM!
VELHA: Eu sou uma mulher. Uma mulher...
MENINA: MULHER!
VELHA: Homem e mulher. Isso são coisas da vida.
MENINA: VIDA!
BORÉIA: E ensinavam muitas outras coisas. A menina crescia em graça, formosura e curiosidade.
(A MENINA TIRA OS ADEREÇOS DE BEBÊ. OS OUTROS ATORES COLOCAM NELA UM AVENTAL/VESTIDO. DEPOIS ELA FAZ A CENA QUE É NARRADA)
BORÉIA: Quando já estava maiorzinha, num dia que os velhos saíram, a menina colocou uma cadeira sobre a mesa, subiu na cadeira e com muito cuidado tirou uma telha do telhado fazendo um buraco. Enfiou sua cabeça pelo buraco e viu:
Era um azul grande. Um azul sem fim. (OS OUTROS ATORES VÃO COLOCANDO NA CENA OBJETOS: UM GRANDE PANO AZUL REPRESENTANDO O CÉU TOMA TODO O FUNDO DO PALCO – UMA MÚSICA SUAVE ACOMPANHA A AÇÃO DOS ATORES) Uns pedaços enormes de algodão que flutuavam no azul... bailavam numa dança lenta e gostosa... (OS ATORES ENTRAM COM BRINQUEDOS POPULARES QUE REPRESENTAM AS NUVENS) Uma bola amarela que dava uma luz forte! Quente! Poderosa! Que doía nos olhos! (UMA GRANDE BOLA REPRESENTANDO O SOL É JOGADA PRA LÁ E PRA CÁ E DEPOIS SUSPENSA NO CÉU – A MENINA OBSERVA TUDO ENCANTADA)
Ao lado da casa dos velhos havia um jardim. Era o Jardim Real. A menina pulou e foi ao jardim. E viu:
(OS ATORES COLOCAM O JARDIM : FLORES GRANDES E COLORIDAS)
MENINA: Quanta coisa bonita que tem aqui fora! Quanta flor! Tem tanta que dá até para contar: 1,2,3,4,,5... um monte de flores... Flores! Flores cheirosas! Quanta coisa que eu nunca tinha visto!
(A MENINA FAZ UMA DANÇA DELICADA COM AS FLORES)
MÚSICA: CURIOSIDADE DE MENINA
MENINA: No meu quarto, no meu mundo,
Sou criança, flor-menina.
No meu sonho, nesse mundo,
Sou rainha pequenina.
Um, dois, três...
A-E-I-O-U!
Um, dois, três...
A-E-I-O-U!
Nesse mundo diferente
Quero tudo conhecer.
Sou menina, flor nascente,
Desejo de bem querer.
Um, dois, três...
A-E-I-O-U!
Um, dois, três...
A-E-I-O-U!
No meu quarto, meu castelo,
Um sonho vem chamar.
Nesse mundo, jardim belo,
Quero ser esse sonhar.
Um, dois, três...
A-E-I-O-U!
Um, dois, três...
A-E-I-O-U!
BORÉIA: A menina ficou horas perdidas a dançar no jardim. Depois colheu algumas flores e voltou para seu quarto. A velha quando chegou em casa sentiu algo estranho e foi ter com a menina.
(A MENINA FAZ A CENA – ENTRA A VELHA)
VELHA: (CHEIRANDO) Minha netinha, eu estou sentindo um cheiro esquisito. Um cheiro que há muito não sinto aqui. Um cheiro de flor.
MENINA: Somos nós. Somos nós mesmos, minha vovózinha. Somos nós perfumando. Eu, a senhora e o vovôzinho.
VELHA: Você tem certeza, minha netinha?
MENINA: Claro, vovózinha!
VELHA: Está bom... Está certo... Se você diz... Deve ser...
BORÉIA: E a velha acreditou na menina. E todas as vezes que os velhos saiam a menina pulava e ia dançar no jardim. Até que um dia...
(A MENINA ESTÁ DANÇANDO NO JARDIM E ENTRA O REI. OS DOIS FICAM SE OLHANDO, A DISTÂNCIA, MUITO ESPANTADOS)
MENINA: (A PARTE) Quem será esse que me olha espantado?
REI : (A PARTE) Quem será essa que me olha espantada?
MÚSICA: QUEM SERÁ?
JUNTOS: Quem será? Quem será?
Que tem esse olhar?
Quem será? Quem será?
Que me faz sonhar...
MENINA: Quem me olha com esse ardor?
Como se chama esse olhar ?
Que me causa esse calor.
Ter desejo de voar...
REI : Quem me olha assim tão forte?
Quem tem no olhar o poder
De mudar minha sorte?
Virar meu bem querer.
JUNTOS: Quem será? Quem será?
Que tem esse olhar?
Quem será? Quem será?
Que me faz amar.
MENINA: (A PARTE) Parece um homem, mas é tão diferente do meu vovôzinho. Ele é forte, grande, com a pele rosada. Os cabelos são tão belos. Os olhos são brilhantes, mas é um brilho diferente da bola amarela. Não doe nos olhos, doe lá dentro, bem lá dentro. Que bonito!
REI : (A PARTE) Quem será essa menina? Menina, não, já é uma moça. Que belos cabelos, a pele sedosa, o rosto perfeito. Tão fascinante que parece mentira. Que bonita!
(OS DOIS SE APROXIMAM AO MESMO TEMPO – OS OUTROS ATORES OLHAM ENCANTADOS A CENA)
JUNTOS: Quem é você? (FICAM SEM GRAÇA)
MENINA: Eu perguntei primeiro!
REI : Mas eu sou o Rei e...
MENINA: Mas o Rei deve ser bondoso e dar a vez a uma menina.
REI : É verdade. Perdão. Como já lhe disse sou o Rei, soberano de todas essas terras e dono desse jardim. Vim dar um passeio para ver como andam minhas flores.
MENINA: As flores são suas?
REI : Claro que são. Todas me pertencem. Por que?
MENINA: Porque eu pensei que elas não tivessem dono. Pensei que fossem de todo mundo... De quem quisesse olhar...
REI : Bom, de um certo modo...
MENINA: Então, o senhor é o Rei?
REI : Sou. E você? Quem é você? De onde é?
MENINA: Eu?
BORÉIA: E a menina mentiu:
MENINA: Eu não sou daqui, não.... Moro muito longe, em outro reino... Eu... Só estava aqui a passeio... Passei por aqui... vi as flores e achei bonito... e...
REI : A bela menina se incomoda que eu a acompanhe.
MENINA: De jeito nenhum.
BORÉIA: E os dois passaram o tempo todo conversando, brincando, se divertindo. E todas as vezes que os velhos saiam, a menina pulava e ia encontrar com o Rei no jardim. E eles conversavam, brincavam, se divertiam... conversavam, brincavam, se divertiam... conversavam, brincavam, se divertiam... Até que a menina apareceu de barriga.
TODOS : ÊPA!
FEIRANTE 1 : Mas essa menina é danadinha!
FEIRANTE 2 : Que nada, rapaz ! Ela gosta do Rei!
(OS ATORES COLOCAM UMA BARRIGA FALSA NA MENINA)
BORÉIA: Quando estava para ter seu filho a menina foi ao jardim e encontrou o Rei dormindo a sua espera. Ela tirou o calor de ouro do Rei e foi embora para não voltar mais.
(A MENINA SAI LENTAMENTE. O REI ACORDA PROCURA A MENINA E CANTA)
MÚSICA: SUSPIROS VÃO E VOLTAM
REI: Cadê a luz dos meus olhos?
Cadê minha alegria?
A menina dos meus sonhos
Por onde andaria?
Onde está o meu amor?
Quem dera encontrar
A menina dos meus sonhos
Que só me faz suspirar
Ai, ai, ai! Ui, ui, ui!
Ui, ui, ui! Ai, ai, ai!
Suspiros vão e voltam
Não vão mais sossegar.
Ai, ai, ai! Ui, ui, ui!
Ui, ui, ui! Ai, ai, ai!
A saudade bate forte
Dá vontade de chorar.
Quem me dera encontrar.
Rever tua formosura.
Quem me dera estar diante.
De tão linda criatura.
A saudade é muita má.
A saudade não tem pena
Quem me dera ter nos braços
Minha linda pequena.
Ui, ui, ui! Ai, ai, ai!
Suspiros vão e voltam
Não vão mais sossegar.
Ai, ai, ai! Ui, ui, ui!
Ui, ui, ui! Ai, ai, ai!
A saudade bate forte.
Dá vontade de chorar.
Meu coração tá trancado
Com a chave da tristeza
Só vai abrir de novo
Diante de tua beleza
A saudade fica grande.
O peito cheio de dor.
Quero me dera ter nos braços
O meu grande amor.
. (O REI SAI CABISBAIXO)
FEIRANTE 2 : Coitado do Rei...
FEIRANTE 1 : Peraí, porquê a menina fez isso, Boréia?
BORÉIA: Sei lá. Coisas do coração...
FEIRANTE 1 : Como assim ?
FEIRANTE 2 : E alguém por acaso explica o quê vai no coração ? Fica quieto, rapaz ! Vamos ouvir a história !
BORÉIA: O pobre Rei procurou sua menina por muitos dias. Ia sempre ao jardim na esperança de reencontrá-la. Mas não encontrava. A menina teve seu filho sozinha no quarto. (A MENINA APARECE COM A CRIANÇA NO COLO - CHORO DE CRIANÇA) A velha sentiu algo estranho e foi ter com a menina.
VELHA: (CHEIRANDO) Minha netinha, estou sentindo um cheiro esquisito. Um cheiro que há muito não sinto aqui. Um cheiro de gente nova.
MENINA: Somos nós. Somos nós mesmos, minha vovózinha. Somos nós perfumando. Eu, a senhora e o vovôzinho.
VELHA: Você tem certeza, minha netinha?
MENINA: Claro, vovózinha!
VELHA: Está bom... Está certo... Se você diz... Deve ser...
BORÉIA: E a velha acreditou na menina. O Rei sem ver sua amada caiu doente. Ficou muito doente mesmo. Mas doente pra valer. Uma doença esquisita com tosse, gemido, ais, uis, calafrios, dores, febre... e tudo que se tem direito. Os magos do reino e de outros reinos foram chamados para tentar resolver a doença do rei, mas nenhum deles conseguia...
(DURANTE A FALA DE BORÉIA FAZ-SE A MUDANÇA DE CENÁRIO PARA A SALA DO TRONO - ENTRA O REI TOCANDO NO VIOLÃO UMA MÚSICA BEM TRISTE – CHEIA DE AIS E UIS [PODE SER A INTRODUÇÃO DA PRÓXIMA MÚSICA NUM RITMO LENTO]. É SEGUIDO PELOS MAGOS. O REI SENTA NO TRONO MUITO DOENTE E OS MAGOS ANDAM DE UM LADO PARA OUTRO)
MÚSICA: O REI DOENTE DO MAL DE AMORES
MAGOS: O Rei está doente!
Qual é a doença do Rei?
O Rei está doente!
O que é que ele tem ?
MAGO 1: O Rei tem febre e tosse,
Tremedeira e fadiga.
Do saber que eu tenho posse
Digo que é dor de barriga!
MAGO 2: O Rei geme e espirra,
Tem ares de doente.
Eu digo sem muita birra
O Rei tem dor de dente!
BORÉIA: Não é! Não é, meu amigo,
O Rei só tem uma dor.
Ponha fé no que eu digo:
O Rei tem mal de amor
MAGO 1: O Rei está todo doído.
Tem a fronte pesada.
Como sou muito sabido
Sei que é unha encravada!
MAGO 2: O Rei está de dar pena.
Parece tão maltratado.
Chega de cantilena!
Ele está resfriado!
BORÉIA: Não é! Não é, meu amigo,
O Rei só tem uma dor.
Ponha fé no que eu digo:
O Rei tem mal de amor
MAGOS: O Rei está doente!
Qual é a doença do Rei?
O Rei está doente!
Me conte que eu não sei.
REI : Ai! Ai! Ai!
MAGO 1: Majestade! Majestade! Onde dói?
REI : Ai! Ai! AI!
MAGO 2: Majestade! Majestade! Por que dói?
REI : Ai! Ai! Ai!
MAGO 1: Majestade, diga alguma coisa. Fale para nós.
REI : Ai! Ai! Ai!
MAGO 2: Majestade nos ajude. Já demos todos os remédios...
MAGO 1: Todos os unguentos...
MAGO 2: Todas as ervas...
MAGO 1: Todas as poções...
MAGOS: E nada!
REI : Ai! Ai! Ai!
MAGOS: O Rei está morrendo...
BORÉIA: E a notícia se espalhou pelo reino...
(TODOS OS PERSONAGENS COMEÇAM A FALAR AO MESMO TEMPO: "O Rei está doente", "O Rei está morrendo". ENTRAM E SAEM DO PALCO, ATÉ QUE FICA SÓ A MENINA)
MENINA: O Rei está doente? O Rei está morrendo? (PAUSA) Tive uma ideia!
BORÉIA: E essa tal ideia foi assim : a menina pegou seu filho e colocou numa caixa junto com o colar de ouro. (A MENINA FAZ A CENA) Depois tampou a caixa e saiu pelas ruas gritando:
MENINA: Flores! Flores! Flores para quem está doente do mal de amores! Flores! Flores! Flores para quem está doente do mal de amores...
(ENTRAM OS MAGOS – A MENINA CONTINUA O SEU PREGÃO)
MAGO 1: Você está ouvindo isso?
MAGO 2: Ouvindo o quê?
MENINA: Flores! Flores!
MAGO 1: Tem alguém falando uma coisa.
MAGO 2: É aquela menina ali.
MENINA: Flores para quem está doente do mal de amores...
MAGO 1: Vamos chamar a menina!
MAGO 2: Pra quê?
MAGO 1: Ela pode ajudar?
MENINA: Flores! Flores!
MAGO 2: Ajudar como? A menina está vendendo flor. Pra que a gente vai querer flor?
MAGO 1: Escuta o que ela está dizendo.
MENINA: Flores para quem está doente do mal de amores...
MAGO 2: Flor para quem está doente!
MAGO 1: Vamos chamar a menina!
MAGOS: Menina! Ei, menina!
MENINA: Eu?
MAGO 1: É, você...
MAGO 2: Venha cá.
MENINA: O quê querem os senhores?
MAGO 1: Você tem aí um remédio?
MAGO 2: Claro que tem! Mas, remédio para quê?
MENINA: Tenho flores para quem está doente do mal de amores.
MAGO 1: Flores! Flores! Vamos mostrá-las ao Rei...
MAGO 2: Flores! Flores! Vamos, menina! Vamos mostrá-las ao Rei...
MENINA: O Rei? É...
BORÉIA: E a menina mentiu de novo...
FEIRANTE 1: (SAINDO DO PERSONAGEM) Mas que menina mais danada, Boréia! Porque ela mente tanto?
FEIRANTE 2: Ele já falou que ninguém explica o coração!
BORÉIA: Posso continuar a história?
TODOS: Pode!
BORÉIA: E a menina mentiu de novo...
MENINA: Ihhh... Eu esqueci a porta da minha casa aberta... Pode entrar alguém... Pode entrar ladrão... Pode entrar cachorro bravo... E... Eu tenho que ir lá fechar... Não posso deixar a porta da minha casa aberta... Eu vou lá e volto... Tomem conta da minha caixa... Eu vou lá e volto... É um minuto...
(A MENINA SAI. OS MAGOS FICAM ESPERANDO E ESPERANDO).
MAGO 1: Ela está demorando...
MAGO 2: Mas ela acabou de sair.
MAGO 1: Que nada, rapaz. Já tem mais de três horas que ela saiu.
MAGO 2: Nossa, o tempo passa rápido.
MAGO 1: Vamos abrir a caixa?
MAGO 2: Será que a gente pode?
MAGO 1: Deve!
(OS MAGOS ABREM A CAIXA)
MAGO 2: Mas é um bebê.
MAGO 1: Que menino bonito!
MAGO 2: Como é que você sabe que é menino?
MAGO 1: Basta olhar que a gente está vendo.
MAGO 2: Hummmmmmm...
MAGO 1: Tem a pele rosada...
MAGO 2: Tem os cabelos tão bonitos...
MAGO 1: Que olhos brilhantes!
MAGO 2: Ele parece alguém que eu conheço.
MAGO 1: Vamos mostrá-lo ao Rei?
MAGO 2: Pra quê?
MAGO 1: Eu acho que é a coisa mais acertada a fazer.
(OS MAGOS SE DIRIGEM AO TRONO E O REI ENTRA EM CENA CHEIO DE "AIS" E "UIS")
MAGOS: Majestade, trouxemos um presente! (ENTREGAM A CAIXA)
REI: (ABRE A CAIXA) Um bebê? Meu colar de ouro? Quem trouxe isso? Digam ou perdem suas cabeças!
MAGO 1: Foi uma menina...
MAGO 2: Uma menina muito bonita... Muito simpática...
MAGO 1: Ela disse que eram flores... (RI SEM GRAÇA)
MAGO 2: É isso... Flores... Imagine só... (RI SEM GRAÇA)
(PAUSA - O REI DÁ UM PULO)
MAGO 1: O Rei ficou maluco!
MAGO 2: Não, ele ficou curado!
REI: Ouçam bem, meus súditos, tenho um decreto a dizer: "Vejo o fruto, mas não vejo a terra!" Quem desvendar esse enigma ganhará um grande tesouro! (SAI)
MAGOS: Majestade, nós não entendemos. O quê isso significa? (SAEM ATRÁS DO REI)
BORÉIA: A notícia se espalhou por todo o reino. Todos, do mais pobre ao mais rico tentavam desvendar o enigma, mas ninguém conseguia. Diziam os maiores disparates para tentar desvendar o enigma e ganhar o tesouro. O Rei com o passar do tempo foi voltando a ficar doente, mas o enigma corria de boca em boca...
(OS PERSONAGENS ENTRAM CANTANDO. TRAZEM BONECOS E DANÇAM).
MÚSICA: MISTÉRIO
TODOS: O que é? O que é?
Cai em pé e corre deitado?
O que é? O que é?
Entra na água e não sai molhado?
Essa eu sei!
Essa é esperta!
Mas o mistério do Rei
Ninguém acerta!
O que é? O que é?
Tem coroa de Rei e o corpo todo escamado?
O que é? O que é?
Dorme em pé e anda deitado?
Essa eu sei!
Essa é esperta!
Mas o mistério do Rei
Ninguém acerta
Veja o fruto, mas não a terra!
Êita, Rei astuto!
Veja o fruto, mas não a Terra!
O mistério absoluto
(A MENINA FICA SÓ NO PALCO)
MENINA: Vejo o fruto, mas não vejo a terra? Vejo o fruto, mas não vejo a terra? (PAUSA) Ah... entendi!! Vejo o fruto, mas não vejo a terra! Vejo o fruto, mas não vejo a terra!!
(ENTRAM O VELHO E A VELHA)
VELHO: Vejo o fruto, mas não vejo a terra?
VELHA: Vejo o fruto, mas não vejo a terra?
MENINA: Meu vovozinho, venha cá! (O VELHO SE APROXIMA) Vá ter com o Rei e diga o seguinte a ele: “Vejo a terra, mas não vejo o fruto!"
VELHO: O quê? Agora que essa menina complicou tudo mesmo!
VELHA: Faz o que a menina está pedindo.
VELHO: Eu vou... Eu vou...
BORÉIA: E o velho foi. Saiu de casa. Foi ao castelo. (OS ATORES FAZEM A TRANSFORMAÇÃO PARA O CASTELO) Entrou no enorme castelo, foi até a sala do trono. A sala do trono era comprida, lá no final o Rei sentado no trono cheio de "AIS" e "UIS". O velho aproximou-se e disse:
VELHO: Vejo a terra, mas não vejo o fruto!
REI : O quê?...
VELHO: (TREMENDO) Vejo a terra, mas não vejo o fruto!
(O REI LEVANTA-SE PRATICAMENTE CURADO)
REI : Velho, quem te disse isso?
VELHO: (TREMENDO) A minha netinha.
REI: Pois então, eu quero essa menina amanhã aqui. Se isso não acontecer somente à morte lhes caberá! (SAI)
BORÉIA: O velho voltou para casa muito triste. Não é, velho?
VELHO: É...
BORÉIA: A sua netinha tão pura...
VELHO: Tão ingênua...
BORÉIA: Tão singela...
VELHO: Que não conhece nada do mundo...
BORÉIA: Podia morrer por causa de uma brincadeira boba. O velho voltou pra casa e contou o que aconteceu para a menina.
VELHO: (CHAMANDO) Minha netinha! Minha netinha!
MENINA: (ENTRA A MENINA E A VELHA) Vovôzinho...
VELHO: Minha netinha, isso é coisa que se faça? O Rei está furioso, está falando até em morte...
MENINA: O senhor fez o que eu pedi?
VELHO: Fiz. E o Rei quer te ver amanhã.
MENINA: (CALMA) Deixe. Deixe, meu vovôzinho, que amanhã nós vamos ter com o Rei.
VELHO: Como deixe? O Rei vai nos matar!
VELHA: Escute o que a menina diz. Ela sabe o que diz.
VELHO: Está bom. Está certo. Depois não digam que eu não avisei...
(OS VELHOS SAEM. A MENINA FICA NUM CANTO DO PALCO – DO OUTRO LADO SURGE O REI)
MÚSICA: VOU REVER O MEU AMOR
REI: A luz, enfim, vai voltar.
A noite terá fim.
Reencontrarei meu amor.
Ela será só pra mim.
O sol vai volta a brilhar
Vou rever o meu amor.
É o fim de toda tristeza.
O fim dessa imensa dor.
MENINA: A luz, enfim, vai brilhar.
Num brilho de carmim.
Meu amor quer me encontrar.
Ele será só pra mim.
O sol vai voltar a brilhar.
Vou rever o meu amor.
O céu se enche de luz.
Na vida outro sabor.
JUNTOS: Vejo o fruto, mas não a terra!
O mistério acabou.
Vejo o fruto, mas não a terra.
Meu amor me encontrou.
REI: Não vejo chegar à hora
De meu amor encontrar.
Quero pô-la em meus braços.
Muitos beijos lhe dar.
Quero dizer bem baixinho,
Só pra ela escutar,
Não vivo pra outra coisa
Vivo só pra te amar!
MENINA: Não vejo chegar à hora
De encontrar meu amor.
Quero cair em seus braços
Como sereno na flor.
Quero dizer baixinho,
Só pra ele escutar,
Não vivo pra outra coisa.
Vivo só pra te amar!
JUNTOS: Vejo o fruto, mas não a terra!
O mistério acabou.
Vejo o fruto, mas não a terra.
Meu amor me encontrou.
BORÉIA: E no dia seguinte os velhos levaram a menina ao encontro do Rei.
(A MENINA, A VELHA E O VELHO ENTRAM PELA DIREITA. O REI, SEGURANDO O BEBÊ, PELA ESQUERDA - O REI CORRE AO ENCONTRO DA MENINA, A ABRAÇA E A LEVA PARA O CENTRO DO PALCO)
BORÉIA : Apontando para a menina o rei disse :
REI : (APONTANDO PARA A MENINA) Vejo a terra!
BORÉIA : Apontando para seu filho o Rei disse :
REI : (APONTANDO PARA O BEBÊ) Vejo o fruto!
BORÉIA : Mostrou os dois para os súditos.
REI : (ABRAÇA A MENINA E A MOSTRA PARA A PLATÉIA) Olhem, essa agora será minha mulher e sua Rainha!
VELHOS: Mas como?
REI : Não se preocupem. O tesouro prometido a quem adivinhasse o enigma será de vocês. (ENTREGA UM SACO CHEIO DE OURO PARA OS VELHOS) E quero que venham morar no palácio com a gente.
VELHA: Eu nem acredito, velho...
VELHO: Nem eu...
REI : Agora, ao casamento! Quero uma grande festa de casamento!
BORÉIA: Ah... O casamento... A festa... Uma beleza!
TODOS: OBA!
BORÉIA: Eu estive nesta festa!
TODOS: Ahn!?
BORÉIA: E trouxe uns doces para vocês, mas infelizmente tropecei num buraco e os doces foram ao chão...
MÚSICA: COMO É QUE TERMINA?
TODOS: Como é que termina?
Nem quero lembrar.
Vamos ouvir mais história
Pra poder sonhar.
VELHO: Êita história bonita!
Era história de amor.
Que deixa a gente contente.
Espanta qualquer dor.
VELHA: Tinha Rei na história.
Tinha menina em flor.
Era história encantada.
Era história de amor.
REI : Quem quer ouvir mais história
Pede com muito ardor.
Quem sabe não ouve outra
História linda de amor?
MENINA: A história terminou,
Mas outra pode chegar.
Quem gosta de história
Não se cansa de escutar
TODOS: Como é que termina?
Nem quero lembrar.
Vamos ouvir mais história
Pra poder sonhar.
TODOS: Como é que termina?
Nem quero lembrar.
Vamos ouvir mais história
Pra poder sonhar.
(BORÉIA FAZ UM GESTO ENCERRANDO A MÚSICA)
BORÉIA: E foram todos muito felizes. Felizes como Deus com os anjos. Felizes para sempre.
(VOLTA A MÚSICA)
TODOS: Como é que termina?
Nem quero lembrar.
Vamos ouvir mais história
Pra poder sonhar.